
Indígena da Nação Kalapalo
Diacuí foi uma mulher da nação Kalapalo, da região do Alto Xingu. Tornou-se célebre em todo o Brasil através da cobertura fotojornalística dos anos 1950 em relação ao seu relacionamento romântico com Ayres Câmara Dutra, que havia sido “enviado pela Fundação Brasil Central (FBV) para ser o chefe do Posto Indígena daquela aldeia”, conforme relatado por Janaína Ferreira dos Santos da Silva (2019).
Diacuí tinha aproximadamente 13 anos quando viu Ayres Câmara Cunha. Conforme relato do próprio, no livro A História da Índia Diacuí, publicado em 1976, ele conta que a indígena passava por um ritual de passagem para a vida adulta e não poderia ser vista ou tocada por ninguém durante aquele período. Contudo, encantado por ela, teria tido permissão do cacique para interromper o isolamento da garota e conhecê-la. Ele ainda relata que fez várias viagens para a região e continuou mantendo encontros com Diacuí, até que, em 1952, pediu-a em casamento ao cacique local, uma vez que o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) proibia o casamento entre brancos e indígenas.
Apesar de o SPI ter inicialmente negado a autorização para o casamento, alegando riscos em função do choque cultural que Diacuí poderia experienciar, o casamento foi realizado através do aval do então Ministro da Agricultura, João Cleofas, com a influência de Assis Chateaubriand, sócio majoritário da sociedade empresária detentora da revista O Cruzeiro (Costa, 2020).
Conforme a primeira reportagem sobre o tema, veiculada pela revista O Cruzeiro, Ayres teria sido ameaçado de demissão em função do relacionamento. A cobertura fotojornalística foi bem-sucedida tanto para viabilizar o casamento quanto para evitar punições. Na época, o casamento era símbolo de status e ocupava lugar relevante na vida de mulheres jovens. Assim, a história de Diacuí foi transformada em um episódio midiático que instigou o imaginário nacional. Chateaubriand fretou um avião e enviou uma comitiva de jornalistas e fotógrafos com Ayres para buscar Diacuí, resultando em várias reportagens, muitas delas sexualizando a nudez da jovem indígena.
Diacuí tinha 19 anos quando embarcou para o Rio de Janeiro, acompanhada de Ayres, de fotógrafos, do cacique e de dois irmãos. Ao chegar, foi recebida por uma multidão e travestida de “mulher branca”, usando vestidos de luxo, maquiagem e sapatos de salto. O Cruzeiro publicou que seus traços ganharam “um refinamento que até então desconhecera” e que, após a transformação, ela poderia ser confundida com “qualquer grã-fina de Copacabana”.
O casamento foi realizado na Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro, em 29 de novembro de 1952, com a presença de 10 mil pessoas. Chateaubriand viabilizou a cerimônia e foi padrinho do casamento, evidenciando interesses comerciais e midiáticos no matrimônio. Diacuí foi retratada como heroína nacional, abandonando sua cultura em prol do casamento, conforme era esperado das mulheres na época.
Em 9 de agosto de 1953, quando Diacuí estava grávida, Ayres foi convocado para trabalhar em Aragarças, encontrando-se com o presidente da Fundação Central. Segundo Silva (2019), Diacuí protestou contra a viagem. Ayres partiu, e Diacuí deu à luz sozinha, seguindo os costumes de seu povo, como observado por Schumaher e Vital Brazil (2000). Contudo, Diacuí faleceu logo após o parto.
Conforme Silva (2019), as tentativas de etnocídio contra Diacuí falharam, pois ela manteve sua identidade Kalapalo até o fim. Ela viveu compreendendo-se enquanto uma mulher Kalapó, à despeito da expectativa social de que era seu dever se forçar a negar sua identidade. Diacuí foi enterrada segundo os costumes de sua nação, com o corpo pintado de urucum, envolto em uma rede, e com seus pertences pessoais – exceto o vestido de noiva.
À época, a imprensa buscou culpabilizar Ayres por não estar próximo de sua esposa ao nascimento de sua filha. Logo após, Diacuí foi esquecida do imaginário social. Conforme ensina Janaína, tal possivelmente ocorreu em função dos espectadores terem sofrido com a notícia da morte de sua heroína. Similarmente, poderia ter sido em função da compreensão de que o público foi manipulado pelos interesses midiáticos para enxergar o relacionamento de Diacuí e Ayres como ideal romântico. Seja como for, fato é que sua história demonstra como era o imaginário brasileiro da época. Vide a grande repercussão do caso na época, tendo inclusive levado Zé Fontoura & Pitangueira a escrever a música Índia Diacuí, em 1953.
Conforme reportagem da Prefeitura Municipal de Uruguaiana/RS, Ayres viveu em Uruguaiana desde a morte de sua esposa, tendo retornado às selvas do Xingu após décadas para trazer os restos mortais de Diacuí. Ayres recebeu do Governo Federal o reconhecimento aos seus serviços prestados, concedendo-lhe uma pensão vitalícia. O município de Uruguaiana também lhe concedeu a Medalha de Ouro e o título de Comendador. Faleceu aos 82 anos, em 1997.
A reportagem também destaca que Diacuí Cunha Dutra, filha de Diacuí e de Ayres Câmara Dutra, concretizou seu desejo de visitar a aldeia de sua mãe em 17 de setembro de 2018, através da Expedição Xingu 2015.
Destaca-se, contudo, a importância de não romantizar a relação entre Diacuí e Ayres, que ocorreu em um contexto complexo de violência colonial, racismo e sexismo. Relações entre homens brancos e mulheres indígenas, frequentemente romantizadas, invisibilizam as violências coloniais e buscam a adaptação forçada das mulheres indígenas aos padrões hegemônicos, reforçando o mito da democracia racial e omitindo as histórias de resistência e opressão vividas por esses povos.
Palavras-Chave/TAG: #povosoriginários #colonialidade #kalapalo #etnocidio #
Elaboração: Emilson Gomes Junior e Schuma Schumaher
Referências Bibliograficas:
SCHUMAHER, Schuma; VITAL BRAZIL, Érico. Dicionário Mulheres do Brasil, de 1500 até a atualidade: biográfico e ilustrado. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
Revista O Cruzeiro ano de 1952 e ano de 1953
COSTA, Heloise. Diacuí: a fotorreportagem como projeto etnocida. Anais do Simpósio Internacional de Jornalismo e Comunicação, 2020.
SILVA, Janaína Ferreira dos Santos da. A morte da identidade e o nascimento do trauma brasileiro: Diacuí. 30º Simpósio Nacional de História, Recife, 2019.
SCHUMAHER, Schuma; BRAZIL, Erico Vital. Dicionário Mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
CUNHA, Ayres Câmara. A História da Índia Diacuí. São Paulo: Clube do Livro, 1976.
Sites:
PREFEITURA DE URUGUAIANA. A morte da identidade e o nascimento do trauma brasileiro: Diacuí. Disponível em: https://www.uruguaiana.rs.gov.br/noticia/view/4091. Acesso em: 28 ago. 2024.
MACHADO, Roger Baigorra. A vida e morte de Diacuí. Rede Sina. Disponível em: link não fornecido. Acesso em: 28 ago. 2024.
VIX. Diacuí, a Cinderela dos Trópicos. VIX Brasil TV. Disponível em: https://vixbrasiltv.com. Acesso em: 28 ago. 2024.
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS. Diacuí: a fotorreportagem como projeto etnocida. Disponível em: https://unicamp.br. Acesso em: 28 ago. 2024.
MOURA, Amanda Costa. Um romance sensacional: um estudo das representações sobre o casamento da indígena Diacuí Canualo Aiwute (1946 – 1953). Biblioteca Digital de Teses e Dissertações. Universidade Federal de Goiás, 2019. Disponível em: https://ufg.br. Acesso em: 28 ago. 2024.
TERRAS INDÍGENAS NO BRASIL. Filha de Diacuí casa-se no Sul. Disponível em: https://terrasindigenas.org.br. Acesso em: 28 ago. 2024.
DYPE. Fazendo Gênero 12 – A monumentalização de Diacuí. Disponível em: https://dype.com.br. Acesso em: 28 ago. 2024.
JORNALISTAS LIVRES. Expedição Xingu 2015 – Diacuí Kalapalo/Diacuí Cunha Dutra. Medium, 2015. Disponível em: https://medium.com. Acesso em: 28 ago. 2024.