• Almerinda Farias Gama (1899 – 1999)

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5 de junho de 2025 por 

Almerinda Farias Gama (1899 – 1999)

Almerinda Farias Gama, uma das primeiras mulheres negras na política no Brasil, nasceu em 16 de maio de 1899, em Maceió, Alagoas, filha de Eulália da Rocha Gama e José Antônio Gama. Seu pai trabalhava com o gerenciamento de imóveis populares, alugando-os; por sua vez, sua mãe era professora. Infelizmente, o pai de Almerinda faleceu em 14 de maio de 1907, logo após o aniversário de 8 anos de Almerinda. Sem condições de manter seus filhos naquela cidade, Eulália levou pelo menos 2 de suas crianças para serem criados por uma tia em Belém do Pará. Assim Almerinda saiu de Maceió, permanecendo seu estudar até 1916. Possível deduzir que a vida financeira de sua tia também não era boa, considerando a falta de acesso à educação. Apesar disso, para além de aprender corte, costura e música, Almerinda driblou o fato de não frequentar uma escola formal através de estudos com sua tia e muita leitura. Foi assim que nasceu a paixão de Almerinda pelas letras, levando-a a escrever contos e poesias nos jornais de Belém anos depois.

Muito jovem, e enfrentando as barreiras da cor, começou a publicar crônicas no jornal A Província, de Belém. Tornou-se datilógrafa profissional e, em 1919, com apenas 20 anos, teve seu texto O Milagre de Natal premiado com 3º lugar no concurso Um Conto de Natal, do jornal Estado do Pará. Quando ainda cursava o 3º ano da Escola Prática de Comércio de Belém, em 7 de março de 1921, o jornal Estado do Pará informou que Almerinda havia sido premiada por sua dedicação aos estudos. Este desempenho se nota pelo fato de que Almerinda já trabalhava como monitora da Escola quando ainda estava no 2º ano – o que lhe permitia pagar seus estudos, algo necessário mesmo após receber a herança de seu pai. Na mesma época, em março de 1923, casou-se com o escritor, poeta e jornalista Benigno Farias Gama. Benigno era um primo de Almerinda que também era alagoano, mas o casal provavelmente se formou por conta dos 2 morarem no Pará – antes disso, em 1921, Benigno era professor na Escola 7 de Setembro, em Xapuri, Acre. Almerinda teve um filho com Benigno, mas este morreu ainda pequeno, vitimado por doença desconhecida na época; logo a seguir, Benigno faleceu, vítima de tuberculose.

Almerinda saiu pela cidade de Belém em busca de emprego e encontrou um que oferecia a remuneração de 300 réis para o cargo de datilógrafo. Descobriu, no entanto, que o salário destinado a uma mulher no mesmo cargo era apenas de 200 réis, um terço menor do que receberia um homem, desempenhando as mesmas atividades. Indignada e diante das dificuldades de um trabalho digno na cidade, decidiu, em fevereiro de 1929, mudar-se para a capital, o Rio de Janeiro, onde logo se inseriu no mercado de trabalho.

Como líder sindical – foi a primeira presidente do Sindicato dos Datilógrafos e Taquígrafos, contando com a eficaz estratégia de Bertha Lutz, presidente da FBPF – Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, associação da qual Almerinda também foi filiada. À época, em 1931, participou do II Congresso Internacional Feminista, organizado pela FBPPF no Rio de Janeiro. Neste mesmo ano, em 23 de setembro, o Diário de Notícias publicou que Almerinda havia sido eleita como assessora de imprensa da União Infantil Protetora dos Animais. Apesar de estar vivendo há apenas 4 anos no Rio, a intelectual já tinha consolidado sua reputação de ativista feminista e sindical.  Numa estratégia bem sucedida a FBPF conseguiu indicar uma delegada eleitora para escolher a representação classista dos trabalhadores na Assembleia Nacional Constituinte. A escolhida foi a advogada alagoana, negra, Almerinda Farias Gama, que na ocasião representava o Sindicato das Datilógrafas e Taquígrafas do Distrito Federal, tornando-se a única mulher a votar como delegada na eleição dos representantes classistas para a Assembleia Nacional Constituinte, realizada em 20 de julho de 1933.

Empolgada com a política, Almerinda candidatou-se pelo Distrito Federal nas eleições regulares para a Câmara Federal e o Senado, no pleito de 14 de outubro de 1934. Como representante dos trabalhadores, seu panfleto assim a apresentava: “Advogada consciente dos direitos das classes trabalhadoras, jornalista combativa e feminista de ação. Lutando pela independência econômica da mulher, pela garantia legal do trabalhador e pelo ensino obrigatório e gratuito de todos os brasileiros em todos os graus.” Sua legenda se chamava “Decreto do Direito ao Trabalho, Congresso Master” Almerinda não conseguiu se eleger, mas marcou com sua tenacidade um lugar na história da construção da cidadania feminina, abrindo espaço para a mulher negra participar do cenário político nacional. Ainda, permaneceu na política enquanto presidente do Partido Socialista Proletário do Brasil, deixando o cargo apenas em 1937, com a extinção do partido pelo golpe do Estado Novo. Por essa época, em 1935, uniu-se a um engenheiro carioca com quem teve o seu segundo filho. Ambos morreram, porém, algum tempo depois.

Almerinda ainda tentou atuar como jornalista, mas acabou desistindo e também se retirando da política partidária. Em 1942, publicou sua obra de maior sucesso, Zumbi. Seu nome então passou a figurar nos jornais sobre teatro, poesia, música e livros, como na cobertura de sua participação como tesoureira da diretoria do Curso Popular Chiquinha Gonzaga em 1947. Nessa época, Almerinda ainda participava da vida sindical como advogada e era membro da Associação dos Escreventes da Justiça do Distrito Federal. Nos anos de 1950, a jornalista ainda trabalhou no jornal O Dia, para além de ter trabalhado na instalação da Comissão de apoio à Conferência de Mulheres Trabalhadoras, na Associação Brasileira de Imprensa, em 1956. Infelizmente, a aguerrida Almerinda foi perseguida a partir do Golpe Militar de 1964 enquanto funcionária pública do Governo da Guanabara: um inquérito tramitando na Corregedoria levou à demissão de 33 funcionários, dentre os quais 11 foram aposentados compulsoriamente. Assim, graças ao combate à alegada subversão, Almerinda foi demitida pelo governador do estado da Guanabara em 15 de março de 1967, saindo de seu cargo de escrevente juramentada do Cartório do 9º Ofício de Notas. Almerinda era auxiliar do 9º Ofício de Notas em 1931, havia assumido interinamente a função em 14 de julho de 1933 e se efetivou no cargo em 1º de fevereiro de 1944.

Em 1991, foi entrevistada por Joel Zito, que posteriormente produziu, em parceria com o SOS Corpo de Pernambuco, um vídeo sobre sua vida e suas lutas; e em 1992, já doente, gravou uma pequena entrevista para a organização feminista ComMulher, de São Paulo. Almerinda morava, então, numa casa no subúrbio da cidade do Rio de Janeiro. Almerinda faleceu em 31 de março de 1999, no Rio de Janeiro, onde morava. Sua história está gerando um livro baseado na pesquisa de mestrado da também alagoana Cibele Tenório. Além da publicação deste livro, Cibele já publicou documentário sobre Almerinda com base em documentos raros disponibilizados pelo CPDOC/FGV – Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea da Fundação Getúlio Vargas. Então doutoranda, Cibele Tenório revelou ao Brasil de Fato sobre o impacto de Almerinda na FBPF: “A federação era uma entidade que reunia, naquele período, entre 80 e 100 mulheres. Ela não era uma pessoa que estava ali e assistia às palestras. Era completamente ativa naquele ambiente e a quem a Bertha Lutz (liderança sufragista que criou a federação) confiou muitas tarefas”. Hoje o município de Maceió busca resgatar a memória de Almerinda. A Coordenadora de Igualdade Racial de Maceió, Arísia Barros, lembra que foi criada uma praça chamada Parque da Mulher em Jaciúca, Maceió, onde 100 mulheres alagoanas são homenageadas – dentre elas, Almerinda.

Almerinda faleceu aos 99 anos de idade, em 31 de março de 1999, em São Paulo.

Na Câmara de Vereadores tramita a criação do Dia de Almerinda em 16 de maio, data de nascimento da sufragista e líder sindical. De fato, não há homenagens suficientes para exaltar a memória desta mulher de fibra, crucial para o desenvolvimento do feminismo enquanto política pública no Brasil.

Texto Adaptado do verbete contido no Dicionário Mulheres do Brasil por: Emilson Gomes Junior e Schuma Schumaher.

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REFERÊNCIAS:

  • Produções acadêmicas:

SCHUMAHER, Schuma; BRAZIL, Érico Vital. Dicionário Mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade, biográfico e ilustrado. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

SCHUMAHER, Schuma, CEVA, Antonia. Mulheres no Poder: Trajetórias na Política a partir das lutas sufragistas do Brasil. Rio de Janeiro. Edições de Janeiro, 2015.

SCHUMAHER, Schuma. Gogó de Emas: a participação das mulheres na história do Estado de Alagoas. Rio de Janeiro. Redeh e imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004.

  • Sites:

16 de maio de 1899: nasce Almerinda Farias Gama, pioneira na presença de mulheres negras no sindicalismo e na política brasileira. Democracia e Mundo do Trabalho em Debate, 14 de maio de 2022. Disponível em: 16 de maio de 1899: nasce Almerinda Farias Gama, pioneira na presença de mulheres negras no sindicalismo e na política brasileira. Acesso em 21 mai. 2025.

Almerinda Farias Gama (1899-?). Mulher: 500 anos atrás dos panos. Disponível em: Almerinda Farias Gama (1899-?) – Mulher 500 Anos Atrás dos Panos. Acesso em 21 maio 2025.

Almerinda Farias Gama: negritude e sindicalismo aliados à causa feminista. FGV – Fundação Getúlio Vargas, 8 de março de 2022. Disponível em: Almerinda Farias Gama: negritude e sindicalismo aliados à causa feminista . Acesso em 21 mai 2025.

FERREIRA, Luiz Claudio. Voto feminino faz 92 anos; ação de ativista alagoana marca luta. Agência Brasil, Brasil de Fato, 24 de fevereiro de 2024. Disponível em: Voto feminino faz 92 anos; ação de ativista alagoana marca luta – Brasil de Fato. Acesso em 21 mai. 2025.

TICIANELI. Trajetória da sufragista negra Almerinda Farias Gama. Histórias de Alagoas, 8 de março de 2021. Disponível em: Trajetória da sufragista negra Almerinda Farias Gama – História de Alagoas. Acesso em 21 mai. 2025.

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