Molefi Kete Asante
Tradução: Renato Noguera, Marcelo J. D. Moraes e Aline Carmo
Resumo
Ao enfatizar os africanos como agentes de ação, mudança, transformação, ideias e cultura, o autor expõe como a Afrocentricidade rejeita a marginalidade e a alteridade impostas pelo eurocentrismo, a fim de demonstrar a centralidade da África na história mundial. Dessa forma, ele indica como características da Afrocentricidade: a crítica à dominação cultural e econômica europeia, a correção no reposicionamento do africano como sujeito de sua própria história e a fundamentação desse conceito no pensamento cultural da África clássica, cujas principais fontes estão nas primeiras civilizações do Vale do Nilo. Além disso, o autor oferece importantes referências de desenvolvimento e aplicação do paradigma da Afrocentricidade em diversas áreas, tais como educação, ciência política, psicologia e egiptologia.
Abstract
By emphasizing Africans as agents of action, change, transformation, ideas and culture, the author exposes how the Afrocentricity rejects the marginality and the alterity imposed by Eurocentrism in order to demonstrate the centrality of Africa in world history. In this way, he indicates as characteristics of Afrocentricity: the critique of European cultural and economic domination, the correction in the repositioning of the African as subject of his own historyand the foundation of this concept in the cultural thought of classical Africa, whose main sources are in the early civilizations of the Nile Valley. In addition, the author offers important references on the development and application of the Afrocentricity paradigm in several areas, such as education, political science, psychology and Egyptology.
Ao longo das últimas décadas, o aparecimento da Afrocentricidade como um paradigma profundamente novo tem mudado as perspectivas sobre as ciências sociais, a natureza das investigações científicas, das humanidades e o caráter das narrativas históricas. A Afrocentricidade emergiu como um repensar da caixa conceitual que tinha aprisionado os africanos no paradigma ocidental. Isso foi um Eurocentrismo que tinha finalmente esgotado a si mesmo. Eu escrevi o livro Afrocentricity: The Theory of Social Change [Afrocentricidade: A teoria de mudança social] em 1980 como uma lança no ventre do eurocentrismo que tinha estrangulado a criatividade intelectual dos povos africanos em uma gaiola do pensamento imperial ocidental (Asante, 1980). Tentei enfatizar o lugar dos africanos como agentes de ação, mudança, transformação, ideias e cultura. Por causa do deslocamento físico dos africanos durante o comércio europeu de escravos, fomos afastados de nossos centros culturais, psicológicos, econômicos e espirituais e colocados à força na cosmovisão e no contexto europeus.
Africanos haviam sido expulsos ou arrancados de nossos próprios lugares de sujeitos na história pelas políticas da Europa de escravização e colonização, e essas condições criaram os problemas políticos, conceituais, culturais e sociais encontrados em muitas sociedades africanas no Ocidente. Assim, a Afrocentricidade é uma afirmação do lugar de sujeito dos africanos dentro de sua própria história e experiências, sendo ao mesmo tempo uma rejeição da marginalidade e da alteridade, frequentemente expressas nos paradigmas comuns da dominação conceitual europeia (Mazama, 2003). Afrocentristas rejeitaram a noção de alteridade que privilegia a cosmovisão europeia como normativa e universal.
A Afrocentricidade é uma crítica da dominação cultural e econômica e um ato de presença psicológica e social diante da hegemonia eurocêntrica. Meu livro, The Afrocentric Idea [A Ideia Afrocêntrica], foi publicado para explicar ainda mais a afirmação da cultura africana como a base para uma nova abordagem do conhecimento. Livros adicionais, tais como Kemet, Afrocentricity, and Knowledge, An Afrocentric Manifesto [Kemet, Afrocentricidade e Conhecimento, Um Manifesto Afrocêntrico], e The African Pyramids of Knowledge [As Pirâmides Africanas do Conhecimento], estabelecem o caminho para uma reconsideração da forma como africanos veem a si mesmos e têm sido vistos no mundo ocidental. O que foi necessário para a pessoa africana deslocada pelo tempo e lugar no mundo europeu, seja através da agência de escravizadores portugueses, espanhóis ou ingleses, foi reafirmar a centralidade do mundo africano na história humana. Para o afrocentrista, o praticante da Afrocentricidade, começa-se com a presença, isto é, o direito de africanos a estar onde quer que estejam e a reivindicar a agência na localização, no espaço, na orientação e na perspectiva. Historicamente isso significou confronto com estruturas e epistemologias opressivas. Tal desafio cultural, no entanto, desafia muito do quadro conceitual recebido que vê os africanos e, de fato, a África como marginais para a criação da realidade.
De fato, uma orientação para a Afrocentricidade começa com as primeiras civilizações do Vale do Nilo, as culturas Núbia e Kemética, e demonstra que um ponto de partida diferente na história, além da Grécia e Roma, trará ao leitor ou estudante uma conclusão diferente sobre o papel dos africanos na história mundial. No Brasil e nos Estados Unidos, milhões de pessoas de herança africana crescem acreditando que a África é uma realidade marginal na civilização humana quando, de fato, África é o continente onde os seres humanos ergueram-se pela primeira vez e onde os seres humanos primeiro nomearam Deus. As implicações para tal reorientação são encontradas na comunicação, linguística, história, sociologia, arte, filosofia, ciência, medicina e matemática.
A Afrocentricidade como ideia articula uma poderosa visão contra-hegemônica que questiona ideias epistemológicas que estão simplesmente enraizadas nas experiências culturais de uma Europa particularista e patriarcal. Existe uma ética assertiva entre os afrocentristas para deslocar o discurso em direção a uma abordagem mais orientada para a agência para análise, exames, investigações e fenômenos. Portanto, para demonstrar a ideia de culturas ao lado umas das outras, ao invés da ideia de culturas sendo adotadas por uma ideia particular abrangente.
Como uma ideia intelectual, a Afrocentricidade também se anuncia como uma forma de ideologia antirracista, antiburguesa e antissexista que é nova, inovadora, desafiadora e capaz de criar formas excitantes de adquirir conhecimento baseado no restabelecimento da localização de um texto, uma fala ou um fenômeno. Assim, pode-se argumentar pela utilidade de uma interpretação afrocêntrica dos quilombos como Abdias do Nascimento fez ao criar uma nova perspectiva na história. Não é simplesmente um fenômeno, no sentido afrocêntrico, que pode ser visto apenas a partir da perspectiva dos europeus. Perguntamos o que pensavam os africanos sobre a criação dos quilombos? Portanto, a interrogação de um fenômeno baseado em perspectivas ou atitudes ou valores ou filosofia africanas irá gerar novas informações, padrões de comportamento e percepções.
A negação da expressão exploradora de raça, gênero e classe encontrada na construção europeia do conhecimento é, ao mesmo tempo, controversa e uma parte do processo de desenvolvimento paradigmático. A Afrocentricidade gira em torno da cooperação, da coletividade, da comunhão, das massas oprimidas, da continuidade cultural, da justiça restaurativa, dos valores e da memória como termos para a exploração e o avanço da comunidade humana. Estes valores baseiam-se numa plena compreensão das ideias culturais africanas e baseiam-se no estudo e reflexão de sociedades africanas específicas, de modo transgeracional e transcontinental.
Iniciação do Conceito
A origem da Afrocentricidade como uma ideia intelectual remonta até a publicação do meu livro Afrocentricity: The Theory of Social Change [Afrocentricidade: A teoria de mudança social], entretanto, eu não criei a palavra. A palavra “Afro-cêntrico” havia sido usada por Kwame Nkrumah, líder de Gana, em 1961 em um discurso na Universidade de Gana, em Legon. No entanto, foi com a publicação do livro Afrocentricity:The Theory of Social Change que a perspectiva que buscou privilegiar a identidade, os conceitos, os pensamentos e as ações africanas foi nomeada ao falar para ou sobre o povo africano no contexto da história. Outros autores, especialmente Linda James Myers, C. Tsehloane Keto, Maulana Karenga, Ama Mazama, Daudi Azibo e outros rapidamente expandiram a ideia e introduziram o trabalho em outras áreas de erudição. Jerome Schiele e Mekada Graham escreveram sobre Afrocentricidade e trabalho social; David Hughes escreveu sobre arquitetura Afrocêntrica; Wade Nobles e Na’im Akbar foram pioneiros na psicologia Afrocêntrica; Nilgun Anadolu- Okur escreveu sobre Afrocentricidade e Teatro Afro-Americano; e Marimba Ani assumiu a tarefa de fazer uma crítica completa da cultura eurocêntrica e civilização a partir de uma perspectiva afrocêntrica. Centenas de teses de doutorado assumiram a tarefa de definir a Afrocentricidade ou usá-la como uma crítica de vários aspectos da cultura ocidental. No entanto, foi o trabalho clássico de Ama Mazama, The Afrocentric Paradigm [O Paradigma Afrocêntrico], que solidificou o movimento como uma importante escola teórica de pensamento no campo da Africologia. Além de sua introdução seminal o livro introduziu muitos estudiosos que estavam considerando maneiras de escrever sobre Afrocentricidade e civilização, mas não tinham encontrado a saída adequada para suas energias intelectuais. Com efeito, Mazama organizou um grupo de estudiosos em uma escola de pensamento que avançou a Afrocentricidade tanto como uma teoria cultural e prática para a transformação coletiva do povo Africano. Os estudiosos que assumiram a causa da agência africana escreveram sobre Afrocentricidade e educação, ciência política, psicologia e egiptologia. Livros e artigos adicionais ajudaram a criar o discurso que impulsionou o conceito no público em geral e no mundo acadêmico como uma perspectiva cujo núcleo é a interpretação e explicação dos fenômenos do ponto de vista dos africanos como sujeitos, em vez de vítimas
ou objetos.
O fato de que africanos foram transferidos fisicamente da África para as Américas e escravizados criou um deslocamento intelectual, filosófico e cultural que durou quase 500 anos nas Américas. O fato de que a África foi invadida e conquistada e governada por nações árabes e depois europeias por centenas de anos significou que a descoberta da agência africana, mesmo no continente, se tornou uma tarefa complexa. A projeção das culturas árabes e europeias como superiores em virtude da agressividade e dominação de suas doutrinas religiosas acompanhou a ideologia da inferioridade da negritude 2 . Nos tempos modernos, uma hegemonia europeia de ideias, informações, conceitos e valores invadiu os africanos de uma maneira tão violenta física e intelectual que nós, africanos, muitas vezes perdemos o sentido de nosso próprio centro cultural. A fim de retornar a uma consciência autêntica, os afrocentristas argumentaram que era necessário aos povos africanos que eles vissem a si mesmos no meio de sua própria história e não nas margens da Europa. Isso significava que era essencial retornar às civilizações clássicas da África antiga para inspiração e orientação.
Esta reorientação em direção às civilizações do Egito e da Núbia foi essencial para uma apreciação do papel que os africanos e a África desempenharam na história mundial. Monomatapa, Mapungubwe, Kongo, Borno, Khart-Haddas, Gana, Mali, Songhay, Axum, Nubia e Kemet se tornaram as fontes para uma nova historiografia com africanos no centro de sua própria história. Poderia agora tornar-se claro que quando a Núbia tinha 42 rainhas como governantes que a África estava muito além de outras sociedades no papel das mulheres como líderes. Seria entendido que a longevidade de Gana, Axum e Egito constituiu uma notável história de coerência ocidental com os gregos foi uma falsificação do passado humano destinado a tornar invisível os milhares de anos da história africana antes da aparição de Homero.
O Peraa da História Africana
O falecido Cheikh Anta Diop do Senegal fez mais do que qualquer outra pessoa para reintroduzir o africano como tema no contexto da história e da cultura africanas. Foi a ambição singular de Diop como um erudito de reordenar a história da África e reposicionar o africano no centro de sua própria história (1998). Este foi um grande avanço durante o tempo em que tantos escritores e estudiosos africanos estavam correndo atrás da Europa para provar o próprio ponto de vista da Europa sobre o resto do mundo. Diop estava confiante de que a história da África não poderia ser escrita sem lançar fora as falsificações da Europa. Fazer isso não era apenas politicamente e profissionalmente perigoso, mas era considerado impossível, dadas as centenas de anos de informações acumuladas nas bibliotecas do Ocidente.
Em primeiro lugar, Diop teve que desafiar os principais estudiosos da Europa, conhecê-los em sua arena doméstica intelectual, derrotar seus argumentos com a ciência e estabelecer o próprio caminho da África para a sua história. Seu livro, The African Origin of Civilization [A Origem Africana da Civilização], era como um punhal no coração da ignorância. O fato de ter alcançado seu objetivo significou que os estudiosos que se declararam afrocentristas o fizeram com o exemplo de Diop como peraa, isto é, líder de originalidade intelectual. Ele foi capaz de demonstrar que a tentativa da Europa de tirar pessoas negras para fora do Egito e o Egito para fora da África foi o cerne da falsificação europeia das contribuições da África para a história mundial. Sua principal argumentação era que os antigos egípcios lançaram as bases da civilização africana e europeia e que os antigos egípcios não eram nem árabes nem europeus, mas como Diop diria “Negros Africanos” para enfatizar que não deveria haver erro. Esses “Negros Africanos” do Vale do Nilo deram ao mundo a astronomia, a geometria, o
direito, a arquitetura, a arte, a matemática, a medicina e a filosofia. O antigo termo egípcio africano “seba” encontrado pela primeira vez em uma inscrição no túmulo de Antef I de 2052 a.C. tinha como principal significado no ciKam 4 , o “estilo de raciocínio do povo”. Era a fonte da raiz “sophia” na palavra “filosofia”.
O que Cheikh Anta Diop ensinou a seus estudantes e leitores foi que a Europa pronunciou a si mesma como a cultura superior categórica e, portanto, seu raciocínio frequentemente serviu às funções burocráticas de bloquear africanos em um casulo conceitual que parece, à primeira vista, inofensivo o suficiente. No entanto, as posições prevalecentes, frequentemente anti-africanas, foram apoiadas por esta lógica burocrática. Como pode um africano libertar-se dessas estruturas racistas? Afrocentristas assumem a posição de que isso é possível e, de fato, essencial, mas pode apenas acontecer se buscarmos por respostas nas categorias de espaço-tempo que são anti-hegemônicas. Estas são categorias que colocam a África no centro da análise das questões africanas e dos povos africanos como agentes nos nossos próprios contextos. Do contrário, como poderemos levantar questões práticas para melhorar nossa situação no mundo? Os judeus do Antigo Testamento perguntavam: “Como você pode cantar uma música nova em uma terra estranha?” Os afrocentristas perguntam: “Como o africano pode criar uma filosofia libertadora a partir dos ícones da escravidão mental?”
A Afrocentricidade é crítica e corretiva
A política tornou-se uma forma de garantir um lugar do qual se manter, desimpedido pelas intervenções de ideias decadentes que perderam o propósito ao chegar a escravizar e despojar outras pessoas. Isto não é dizer que toda a Europa é má e toda a África é boa. Mesmo pensar ou colocar a questão dessa maneira é perder o ponto da Afrocentricidade. No entanto, a promoção da cultura europeia como normativa e universal é totalmente inaceitável e nunca mais será imposta aos africanos e outros povos como a única forma de examinar a vida e as experiências.
Afrocentristas acreditam que a alma de um povo está morta quando não pode mais respirar seu próprio ar cultural ou espiritual, falar sua própria língua, e quando o ar de uma outra cultura parece cheirar mais doce. Afrocentristas afirmam que povos africanos nos Estados Unidos, no Caribe, no Brasil, na Colômbia, na Jamaica, em Cuba, no Haiti e na África devem recuperar um sentido de posição de sujeito dentro de sua própria história para afirmar a agência em um sentido individual e coletivo.
Portanto, a Afrocentricidade é tanto um corretivo como uma crítica. A estudiosa portuguesa Ana Monteiro-Ferreira escreveu The Demise of the Inhuman: Afrocentricity, Modernism and Postmodernism O falecimento do desumano: Afrocentricidade, Modernismo e Pós- modernismo para demonstrar que a Afrocentricidade poderia de fato criticar os principais ideais europeus. Sempre que os povos africanos que sofrem coletivamente a experiência do deslocamento, são realocados em um lugar centrado, isto é, com agência e responsabilidade nós temos um corretivo. Ao recentralizar a pessoa africana como agente, a Afrocentricidade força a hegemonia europeia a liberar seu poder de situar os africanos como marginais. Assim, a Afrocentricidade torna-se uma crítica da dominação que nega o poder da hegemonia cultural. Insiste em que a comunicação, o comportamento e as atitudes africanas devem ser examinadas dentro do contexto da cultura africana, não como parte da empresa europeia. Por um lado, a Afrocentricidade procura corrigir o sentido de lugar do africano e, por outro lado, fazer uma crítica do processo e extensão do deslocamento causado pela dominação cultural, econômica e política europeia da África e dos povos africanos. É possível fazer uma exploração dessa dimensão crítica observando a maneira como os escritores europeus definiram a África e os africanos na história, na ciência política, na antropologia e na sociologia. O impacto mais importante da Afrocentricidade tem sido no campo da Africologia. Como o estudo afrocêntrico de fenômenos africanos, a Africologia assume o papel de uma disciplina para estudos referidos como Afro-Americanos, Africana, ou Estudos Negros. O que a disciplina capta é o fato de que os oprimidos devem resistir a todas as formas de escravização, e os fundadores do Movimento dos Estudos Negros nos anos 1960 foram claros de que o “Establishment” não estava prestes a abandonar sua posição de domínio sem luta, neste caso, uma luta intelectual. Aceitar a definição de africanos como marginais e marginalizados nos processos históricos do mundo, incluindo o mundo africano, é abandonar toda a esperança de reverter a degradação dos oprimidos.
Assim, os objetivos da Afrocentricidade no que diz respeito à ideia cultural não são hegemônicos. Os afrocentristas não expressaram nenhum interesse em uma raça ou cultura dominando outra. Expressam uma crença ardente na possibilidade de diversas populações vivendo na mesma terra sem abandonar suas tradições fundamentais, exceto quando essas tradições invadem o espaço de outros povos sem sua permissão. É precisamente por isso que a ideia afrocêntrica é essencial para a expansão da harmonia humana. A Afrocentricidade representa uma possibilidade de maturidade intelectual, uma forma de ver a realidade que abre novas e mais excitantes portas para a comunicação humana. É uma forma de consciência histórica, porém mais do que isso, é uma atitude, uma localização e orientação. Portanto, estar centrado é ficar em algum lugar e vir de algum lugar. Como uma ideia intelectual, o aspecto prático da Afrocentricidade é o contentamento de um sujeito, ativo, lugar de agente para as pessoas que interagem no contexto de suas narrativas (Asante, 1990).
Fundamentado no Pensamento Cultural
Afrocentristas foram os primeiros intelectuais a imaginar a destruição na mente africana da dominação europeia por um retorno à África clássica. Além da sua aceitação da África clássica, a Afrocentricidade foi fundamentada na realidade histórica do povo africano através da apresentação de ideias linguísticas, comunicativas e sociais derivadas da cultura africana. Por exemplo, o conceito de maat, a ideia de verdade, harmonia, ordem, equilíbrio, justiça, retidão e reciprocidade, foi projetado como um valor original africano, uma vez que foi o conceito mais antigo que emergiu das civilizações do Vale do Nilo. Nada precedia maat como um conceito espiritual para conter o caos na vida pessoal e coletiva. Era a busca do equilíbrio e da harmonia que estava à porta das relações humanas. Sem maat não poderíamos elevar nossas almas e não poderíamos criar uma ordem comunal que fosse funcional para o benefício de todos os seres humanos.
Os afrocentristas argumentaram que a visão eurocêntrica se tornou uma visão etnocêntrica porque ela derivou de um contexto particular, mas foi imposta como se fosse universal (Asante, 2014). Essa afirmação, de acordo com os afrocentristas, tinha que ser resistida ou então a Europa afirmaria que apenas sua visão de humanidade estava correta. Este tipo de argumento elevou a experiência europeia, mas rebaixou todas as outras. No entanto, a Afrocentricidade não representa um contraponto à eurocentricidade, mas é uma perspectiva particular para a análise que não procura ocupar todo o espaço e o tempo como o eurocentrismo tem feito com frequência. Por exemplo, dizer música clássica, teatro ou dança é geralmente uma referência à música, teatro ou dança europeus. A cultura europeia ocupou todos os assentos intelectuais e artísticos e não deixa espaço para os outros. Consequentemente, uma perspectiva revitalizada sobre a cultura é aquela em que se entende que todas as culturas podem produzir ideias clássicas de música, dança e arte. O pluralismo nas visões filosóficas sem hierarquia deve ser objetivo de toda interrogação madura. Todas as culturas humanas devem ser centradas, de fato, sujeitos das narrativas de suas realidades (Asante, 2007).
Referências Bibliográficas
ASANTE, Molefi Kete. Afrocentric Manifesto. Toward an African Renaissance. Cambridge: Polity Press, 2007.
ASANTE, Molefi Kete. Facing South to Africa: essays in an afrocentric orientation. New York: Lexington, 2014.
ASANTE, Molefi Kete. The Afrocentric Idea. Philadelphia: Temple University Press, 1988.
ASANTE, Molefi Kete. Afrocentricity. Trenton: Africa World Press, 2002.
ASANTE, Molefi Kete. Kemet, Afrocentricity and Knowledge. Trenton: Africa World Press, 1990.
MAZAMA, Ama. The Afrocentric Paradigm. Trenton: Africa World Press, 2003. Texto reproduzido de Ensaios Filosóficos, Volume XIV, dezembro de 2016. Fonte: 02_ASANTE_Ensaios_Filosoficos_Volume_XIV.pdf (ensaiosfilosoficos.com.br).
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