Médica e primeira deputada federal do Brasil e da América Latina
Carlota Pereira de Queirós foi uma educadora, médica, filantropa e política brasileira. Nasceu em São Paulo em 13 de fevereiro de 1892, filha de Maria Vicentina de Azevedo Pereira de Queirós e José Pereira de Queirós. Carlota fez o curso Normal, foi inspetora de escola e, depois, tornou-se professora. Sua família materna era composta por políticos. Sua família paterna era composta por fazendeiros economicamente influentes. Cresceu com forte senso identitário paulista – qual seja, a identidade Bandeirante.
Após receber o diploma de professora pela Escola Normal da Praça da República, em 1909, Carlota trabalhou na referida instituição como inspetora primária, a convite do diretor da Escola. Em 1912, tornou-se professora do jardim de infância. Após manter o cargo por 10 anos, ingressou na Faculdade de Medicina de São Paulo, em 1920. No entanto, concluiu a graduação na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1926, com a tese “Estudos sobre o câncer”, tendo recebido o Prêmio Miguel Couto por seu trabalho.
No ano em que se formou, Carlota assumiu a direção do laboratório da clínica pediátrica da Faculdade de Medicina em São Paulo. Em 1928, viajou à Suíça para estudar sobre dietética infantil, comissionada pelo governo paulista.
Seu envolvimento com a política se deu durante a Revolução Constitucionalista de 1932, quando o estado de São Paulo se mobilizou contra o governo provisório de Getúlio Vargas. Carlota organizou, juntamente com a seção paulista da Cruz Vermelha, um grupo de setecentas mulheres para prestar assistência aos feridos.
Apesar do fracasso da Revolução Constitucionalista de 1932, o então presidente Getúlio Vargas acatou algumas reivindicações do movimento paulista. Houve eleições em 1933 – estabelecendo a Assembleia Constituinte – e em 1934 – elegendo deputados segundo as regras da nova Constituição Federal.
Pelo prestígio conquistado com o trabalho assistencial, a Federação dos Voluntários incluiu Carlota na relação dos vinte e dois candidatos da Chapa Única por São Paulo Unido. Na época, tanto o Partido Republicano Paulista (PRP) como o Partido Democrático (PD) estavam com suas principais lideranças paulistas exiladas. Embora não estivessem impedidos de concorrer, os dois partidos decidiram se unir e apresentar uma chapa única. Assim, elegeram 17 dos 22 integrantes da bancada paulista na Assembleia Nacional Constituinte.
Além de Carlota, mais 18 mulheres foram candidatas a deputas constituintes, em 1933: Almerinda de Farias Gama, Alzira Reis Vieira Ferreira, Anna Vieira Cesar, Bertha Lutz, Catharina Valentim Santanna, Edith Dinorah da Costa Braga, Edwiges Sá Pereira, Edith Mendes de Gama e Abreu, Georgina de Araujo Azevedo Lima, Ilka Labarthe, Julitta Monteiro Soares da Gama, Leolinda Figueiredo Daltro, Lucília Wilson Coelho de Souza, Lydia de Oliveira, Maria Pereira das Neves, Maria Rita Burnier Pessoa de Mello Coelho, Martha de Hollanda Cavalcanti de Albuquerque, Natércia da Cunha Silveira e Theresa Rabello de Macedo.
Em maio de 1933, Carlota Pereira de Queirós foi a única e primeira mulher eleita deputada no Brasil e na América Latina. Em decorrência de sua posição enquanto deputada, foi a única mulher eleita a assinar a Constituinte de 1934, de um total de 254 constituintes. Como parlamentar constituinte, elaborou o primeiro projeto brasileiro sobre a criação de serviços sociais no país. Sua iniciativa abriu espaço para o estabelecimento da obrigatoriedade de verbas destinadas à assistência social. Com a consignação obrigatória de verbas à assistência social foi possível a construção da Casa do Jornaleiro e do laboratório de biologia infantil, anexo ao Serviço de Menores.
Com a promulgação da nova Carta Constitucional e a eleição do Presidente da República dias depois, a 17 de julho de 1934, os mandatos dos deputados foram prorrogados até maio de 1935. Deste modo, Carlota conseguiu ser eleita deputada federal nas eleições gerais de 14 de outubro de 1934, pela legenda do Partido Constitucionalista de São Paulo. Ainda neste ano ingressou no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, instituição que hoje abriga seu acervo de documentos pessoais.
Em muitos de seus discursos e entrevistas, ela elogiava e expressava gratidão às mulheres paulistas, grupo do qual demonstrava publicamente sentir orgulho de pertencer. Esse comportamento não foi bem aceito por outras mulheres, especialmente as que não eram paulistas. Nesse contexto, Bertha Lutz, uma ativista com quem Carlota não apenas se articulou politicamente, mas também cultivou amizade antes das eleições de 1933, questionou a deputada em cartas sobre sua posição política. Isso porque as declarações públicas de Carlota negavam que ela fosse feminista, embora exaltassem as mulheres, e não reconhecia a luta sufragista que viabilizou sua candidatura com a conquista do voto feminino em 1932. Pelo contrário, ela expressava sua gratidão aos homens por estar no Parlamento, como no discurso proferido por ela em 13 de março de 1934, como registrado pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Faculdade Getúlio Vargas: “Além de representante feminina, única nesta Assembleia, sou, como todos os que aqui se encontram, uma brasileira, integrada nos destinos do seu país e identificada para sempre com os seus problemas. (…) Acolhe-nos, sempre, um ambiente amigo. Esta é a impressão que me deixa o convívio desta Casa. Nem um só momento me senti na presença de adversários. Porque nós, mulheres, precisamos ter sempre em mente que foi por decisão dos homens que nos foi concedido o direito de voto. E, se assim nos tratam eles hoje, é porque a mulher brasileira já demonstrou o quanto vale e o que é capaz de fazer pela sua gente. Num momento como este, em que se trata de refazer o arcabouço das nossas leis, era justo, portanto, que ela também fosse chamada a colaborar. (…) Quem observar a evolução da mulher na vida, não deixará por certo de compreender esta conquista, resultante da grande evolução industrial que se operou no mundo e que já repercutiu no nosso país. Não há muitos anos, o lar era a unidade produtora da sociedade. Tudo se fabricava ali: o açúcar, o azeite, a farinha, o pão, o tecido. E, como única operária, a mulher nele imperava, empregando todas as suas atividades. Mas, as condições de vida mudaram. As máquinas, a eletricidade, substituindo o trabalho do homem, deram novo aspecto à vida. As condições financeiras da família exigiram da mulher nova adaptação. Através do funcionalismo e da indústria, ela passou a colaborar na esfera econômica. E, o resultado dessa mudança, foi a necessidade que ela sentiu de uma educação mais completa. As moças passaram a estudar nas mesmas escolas que os rapazes, para obter as mesmas oportunidades na vida. E assim foi que ingressaram nas carreiras liberais. Essa nova situação despertou-lhes o interesse pelas questões políticas e administrativas, pelas questões sociais. O lugar que ocupo neste momento nada mais significa, portanto, do que o fruto dessa evolução”.
Como deputada, posicionou-se contrariamente à proposta da então deputada Bertha Lutz, sobre a criação de um Departamento Nacional da Mulher, em 1936. Alegava, em oposição à proposta, que o departamento representaria um ato de discriminação sexual. Exerceu o seu mandato até a decretação do Estado Novo e o consequente fechamento do Congresso Nacional em novembro de 1937. Em 1942, foi eleita membro da Academia Nacional de Medicina.
Com a redemocratização do país, tentou voltar à Câmara, candidatando-se em 1945, 1950 e 1954, pela União Democrática Nacional – UDN, mas não se elegeu, que presidiu por vários anos. Com a deflagração do golpe militar de 1964, Carlota posicionou-se a favor dos militares.
Vale destacar sua atuação profissional enquanto médica. Em 1941, tornou-se membro titular da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo – atual Academia de Medicina de São Paulo. Também integrou a Association Française pour l’Étude du Cancer e a Academia Nacional de Medicina de Buenos Aires. Em 1950, fundou a Academia Brasileira de Mulheres Médicas, presidindo a entidade por alguns anos.
Anos mais tarde, segundo escritos pessoais de Carlota Pereira de Queirós, sua experiência enquanto deputada eleita foi marcada por claras tentativas de excluí-la de eventos políticos relevantes. A médica chegou a relatar em seu diário que decidiu não tornar públicas suas queixas em função de sua estratégia política. Carlota compreendia que as reclamações da primeira mulher eleita do Brasil seriam vistas como mera característica feminina – portanto, seria uma profecia autorrealizável que afetaria negativamente o seu objetivo: a entrada de mais mulheres na política institucional.
Ainda em relação às violências de gênero sofridas pela primeira deputada da América Latina, o jornalismo atacou a imagem de Carlota algumas vezes. Dentre elas, destaca-se a cometida pelo jornal humorístico A Manhã. Foi publicada foto da deputada acompanhada da frase “Dizem que São Paulo perdeu a revolução por falta de armas, mas estamos vendo que lá havia cada canhão!”. A principal mensagem é evidentemente misógina, além de mórbida, tendo em vista que faz humor baseado na morte de diversos paulistas em combate. Tal era a realidade social na qual Carlota estava inserida.
Apesar das violências misóginas, sofridas por Carlota nos âmbitos público e privado, a médica era politicamente influente. Tal fato se deve tanto às famílias tradicionais paulistas das quais faz parte quanto por seu prestígio profissional. Neste sentido, é possível compreender as violências misóginas de seus correligionários, acompanhadas de certo respeito público. Provavelmente Carlota Pereira de Queirós representava uma ameaça a todos os homens da política institucional.
Enquanto escritora e historiadora, publicou as seguintes obras: Sistema Froebel e Montessori (1920), Estudos sobre o Câncer (1926), Diário de um tropeiro (1937), Exame hematológico e Medicina Social, Exame de hemorragias nas tonsilectomias (1940), Das vantagens de generalização do exame hematológico e sua aplicação em medicina social (1941), Um fazendeiro paulista no século XIX (1965) e Vida e morte de um Capitão-mor (1969).
Carlota Pereira de Queirós faleceu na cidade de São Paulo em 14 de abril de 1982. É a patronesse da cadeira 71 da Academia de Medicina de São Paulo. No bairro de Pinheiros, São Paulo, há um monumento em homenagem à médica. Também é homenageada nomeando tanto uma avenida no distrito de Socorro quanto uma Escola Municipal de Educação Infantil no distrito Cidade Tiradentes, ambas em São Paulo. Da mesma forma, é homenageada nomeando uma rua do bairro Cajuru, em Curitiba, Paraná.
A Câmara dos Deputados homenageia Carlota Pereira de Queirós através do Diploma Mulher-Cidadã Carlota Pereira de Queirós, instituído pela Resolução no 3/2003. A condecoração é conferida anualmente a cinco mulheres em diferentes áreas de atuação em função de suas contribuições para o pleno exercício da cidadania, para a defesa dos direitos da mulher e para o combate às discriminações de gênero.
Palavras-Chave/TAG: #política #saúde #feminismo #educação
Elaborado por: Emilson Gomes Junior e Schuma Schumaher
REFERÊNCIAS
- Produções acadêmicas:
SCHPUN, Mônica Raisa. Entre feminino e masculino: a identidade política de Carlota Pereira de Queiroz. IV Congresso da BRASA – Brazilian Studies Association. Washington. 1997. Disponível em: Vista do Entre feminino e masculino: a identidade política de Carlota Pereira de Queiroz (unicamp.br)
CPDOC – FGV, Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Faculdade Getúlio Vargas. Disponível em: Carlota Pereira de Queirós | CPDOC (fgv.br)
ORIÁ, Ricardo. Uma Voz Feminina no Senado: Carlota Pereira Queirós. Agência Câmara de Notícias. 2021. Disponível em: A Conquista do Voto Feminino – Câmara dos Deputados (camara.leg.br)
LAWAND, Nicolau Diógenes; SANCHES, Felipe de Andrade; ZIN, Rafael Balseiro. Carlota Pereira de Queiroz: Uma vida dedicada aos Direitos das Mulheres no Brasil. Disponível em: carlota fotos.pdf (escoladeformacao.sp.gov.br)
TRICHES, Roberta. Carlota, a primeira deputada federal do Brasil. Ciência Hoje das Crianças. Disponível em: CHC | Carlota, a primeira deputada federal do Brasil
BEGLIOMINI, Helio. Carlota Pereira de Queiroz. Cadeira n.º 71 – Patronesse. Academia de Medicina de São Paulo. Disponível em: Carlota Pereira de Queiróz (academiamedicinasaopaulo.org.br)
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