• Danda Prado (1929 – 2023)

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15 de maio de 2024 by 

Ativista feminista, editora, pesquisadora.

Yolanda Prado foi uma grande ativista feminista e intelectual brasileira. Danda Prado, como ficou conhecida, nasceu em São Paulo, em 24 de outubro de 1929, filha de Hermínia F. Cerquinho e Caio Prado Júnior, um intelectual formado em História que foi militante do Partido Comunista nos anos 1930. Danda seguiu uma carreira similar à do pai. Segundo publicação do Fundo Social Elas, em 1960, recebeu, em São Paulo, o famoso casal Simone de Beauvoir e Sartre. Nessa época, Simone já havia publicado o mais conhecido livro feminista – “O Segundo Sexo”. Já Sartre era famoso por diversas obras, como “A Náusea” e “O Existencialismo é um Humanismo”.

Caio Prado, o pai, ficou 2 anos preso no Brasil nos anos 1930, quando era militante do Partido Comunista. Liberto, exilou-se em Paris por liderar a Aliança Libertadora Nacional contra o Estado Novo. Nesse contexto, Carla Rodrigues cita o fato de Danda ter integrado a Federação de Mulheres do Partido Comunista Brasileiro, influenciada pela madrasta. Envolvida na política, Danda escreveu uma carta a Simone de Beauvoir, propondo-se a acompanhar a visita do casal em sua passagem por São Paulo, em 1960. Conforme escreve Susel Oliveira da Rosa, em Da coragem feminista à coragem lésbica, nessa época Danda estava casada e tinha três filhos. No encontro estavam os dois filhos mais velhos Cláudia e Nelson – e conta que arrumou-os dizendo a eles que naquele dia conheceriam pessoas especiais das quais muito ouviriam falar quando crescessem. No entanto, ela diz que ficou um pouco frustrada, “porque quando saímos de carro, ela ficava ouvindo o que os homens conversavam, muito atenta. E eu não imaginava assim”. Para Danda o livro de Beauvoir era “um livro que criticava o casamento, criticava a posição clássica da esposa se ocupando do marido e de repente ela está centrando aquele encontro nas preocupações dela com ele”. A crítica ao casamento e ao papel da esposa que Danda havia lido em O Segundo Sexo e que não encontrou tanta ressalva na observação do contato pessoal, tornou-se o tema de sua tese de doutorado defendida anos mais tarde. No artigo, Adivinhe quem veio para jantar de Carla Rodrigues, publicado pela primeira vez em 1984, ela revela detalhes sobre este encontro, que não foi o único entre Danda Prado e Simone de Beauvoir. Danda também não se esqueceu do encontro. Guardou na memória a francesa elegante que quis conversar com as empregadas na cozinha, o jeito maternal com que cuidava de Sartre. Sua agenda na passagem pelo Brasil foi condicionada às atividades do marido– e seu interesse pelo cardápio do jantar. “Simone quis ver como a comida era preparada e o que seria servido a ele, que tinha o estômago muito frágil”.

Passados 10 anos do primeiro encontro, Danda voltou a procurar Simone. Danda Prado, separada do marido, estava exilada em Paris, acompanhada da filha caçula, quando Simone e Sartre visitavam São Paulo. Segundo Carla Rodrigues a motivação da conversa de Danda com Simone foi política. Caio Prado havia escrito na cadeia um artigo, e ela levou o texto para pedir a Beauvoir que intercedesse a publicação na revista La Nouvelle Question, fundada por Sartre. Outro objetivo de Danda era pedir orientação a Simone sobre os locais de dos encontros de feministas francesas. Neste sentido, Simone apresentou sua assistente, Anne Zelensky, a Danda Prado. Acompanhada por Anne, a brasileira passou a acompanhar as reuniões feministas que tinham como pautas principais a legalização do aborto e violência contra mulheres. Bom lembrarmos que o casamento foi tema tanto de sua tese de doutorado quanto no livro Ser Esposa – A Mais Antiga Profissão, de 1979, discutindo questões clássicas do feminismo.

Segundo Elizabeth Cardoso no artigo Nosotras: imprensa feminista no exílio e a descoberta do gênero, Danda fundou o Grupo Latino-Americano de Mulheres em Paris, em 1972, ainda em exílio na França. Este grupo editou o periódico Nosostras, e o relato de Danda Prado permite acompanhar toda a complexidade das propostas feministas e da importância de veículos de comunicação como ferramentas de organização de idéias, articulação de pessoas, formação de lideranças, construção de espaços políticos e preservação da memória. Elizabeth Cardoso afrima que o Nosotras surgiu a partir do contato inicial de Danda com as feministas francesas. A construção do periódico se tornou a principal atividade do Grupo Latino-Americano de Mulheres em Paris, que chegou a reunir cerca de 200 mulheres.

Para muitas integrantes, essa foi a primeira oportunidade de refletir sobre a condição da mulher, defender uma argumentação em público, ter contato com os principais textos feministas da época e criar uma rede de auto-ajuda no exílio. O grupo editava pequenos boletins e folhetos ocasionais, com tradução de textos sobre feminismo, chamadas para reuniões e posicionamentos teóricos desde 1972; a primeira edição da revista foi publicada em janeiro de 1974. Elizabeth informa sobre a composição do grupo: “Além de Danda Prado, o Nosotras também contou com intensa colaboração de Nathalie Stern, Clélia Piza, Lúcia Tosi, Cristina Martinez, Marcela Olavarrieta, Marisa Figueiredo e Mareya Gutierrez.”.

A jornalista Carla Rodrigues também narra a trajetória da mãe de Danda, a senhora Hermínia. Descrita como uma mulher rica, bonita e independente, ela trocou São Paulo pelo Rio de Janeiro após se separar de Caio. O casamento teria acabado após anos de prisão e exílio de Caio Prado. Danda descreve: “Vivi numa família muito exótica”. De fato, essa configuração familiar, com sua mãe levando todos os seus filhos para criá-los sozinha no Rio de Janeiro, foi um cenário inovador para os anos 1940. Podem-se refletir se a experiência de Danda desde criança – passando pelo ativismo comunista de seu pai e a postura revolucionária de sua mãe impactou o desenvolvimento intelectual e emocional da autora. Esses aspectos podem ter levado a autora a produzir especificamente sobre os temas feminismo e desigualdade social.

No contexto de retomada das lutas de resistência no Brasil contra a ditadura, que envolveram diversos setores da sociedade civil e a aprovação da Lei de Anistia, em 28 de agosto de 1979, muitas pessoas exiladas começaram a retornar ao país. Danda foi uma delas. Instalada no Rio de Janeiro, logo se envolveu num amplo debate sobre o caso de uma menina de 13 anos que havia sido estuprada pelo pai e, diante da gravidez, lutava para conseguir a realização do aborto, conforme previsto no Código Penal Brasileiro. O caso tornou-se público e gerou grande polêmica, pois apesar da legislação garantir a realização do aborto nesses casos, a mãe da menina, Cícera, negra, trabalhadora têxtil, estava encontrando senões. Cícera ao procurar ajuda, contou com o apoio de Danda e outras feministas cariocas, que acompanharam Cícera em sua peregrinação para conseguir a autorização judicial exigida pelo Conselho Regional de Medicina que, na época, já ostentava uma posição bastante conservadora. Infelizmente a batalha não foi vitoriosa e a menina teve que enfrentar o parto. Mesmo em casos previstos por lei, as barreiras para acessar a interrupção da gravidez tornavam praticamente impossível realizar o aborto. Toda essa movimentação resultou no livro Cícera, um destino de mulher: autobiografia duma imigrante nordestina, operária têxtil, publicado em 1981, com autoria de Cícera e Danda. Numas das entrevistas Danda afirmou: “Cícera me impressionou enquanto personagem representativo da luta vã e sem perspectiva que é a nossa – de todas as mulheres – nesta cultura patriarcal.

Susel Oliveira da Rosa em Danda Prado e o devir-nômade-feminista nos relata que Danda foi uma das primeiras feministas brasileiras a levantar publicamente a discussão sobre o aborto – desvinculada das organizações partidárias, dos interesses dos partidos políticos que se reorganizavam no período pós-ditadura –, a defender o direito das mulheres de gerirem seu próprio corpo. Passados mais de vinte anos das discussões iniciais sobre a legalização do aborto no Brasil, os argumentos se repetem e o aborto continua proibido.

No texto Da coragem feminista à coragem lésbica, Susel Oliveira Rosa relata que “combatendo essa estratégia biopolítica de controle e gestão da vida que produz corpos heterossexuais e legitima o direito sexual de acesso dos homens ao corpo das mulheres, Danda adotou o feminismo lesbiano enquanto prática pessoal e política. Posição que sustentou abertamente, como percebemos numa das cartas enviadas a sua mãe”, em 03 de novembro de 1976, ela diz: Querida mamãe,[…] Como conversamos dessa vez! Acho que começo a compreender um pouco de você e suas reações, o que não é fácil. Por outro lado, acho que você começa a perceber que minhas atitudes são fundamentadas em decisões profundas e irreversíveis […] não me parece ter tempo para retomar outroscaminhos, e me parece que estou certa em minha visão das coisas. Isto é, refiro-me a entrar no páreo de procurar um homem a todo pano para conviver ou ter vida “social” no sentido convencional. Esses trá-la-ás para mim não têm o mínimo significado e não é deste lado que espero reforço e aceitação na vida. E os exemplos que assisto à minha volta de forma alguma me desestimulam a seguir meu caminho, pelo contrário!!! Indiferente às convenções sociais e à aceitação pública, Danda, nesse trecho, descarta qualquer possibilidade de manter relações afetivas heteronormativas com homens, mesmo que apenas para manter certo tipo de vida social – como parece ter sugerido sua mãe –, da qual ela já estava distante.

Importante destacar que Danda Prado foi autora de outros livros: O que é Família, de 1981; O que é aborto? em 1985. Vale a pena mencionar também alguns trabalhos que citam Danda Prado, como (i) Nosotras: feminismo latino-americano em Paris, de Maria Abreu, (ii) “Homem ao lado da razão e mulher ao lado de todos os perigos”: o conceito de família ao longo da história, de Etevaldo da Silveira Caldas e Valdimir Pereira Reis, (iii) “Nosotras” e invenção de novos espaços-tempos, de Susel Oliveira da Rosa, (iv) Processos de didatização: noções de família e desigualdades de gênero para estudantes do Ensino Médio, de Alexandre Zarias e Elizabete Maria de Oliveira, e (v) A integração entre pais e escola: a influência da família na educação infantil, de Regina Maria Araújo Virginio. Schuma Schumaher e Érico Vital Brazil em Dicionário Mulheres do Brasil, de 1500 até a atualidade: biográfico e ilustrado também citam Danda como organizadora do livro Cícera, um destino de Mulher, de 1981. Tais produções demonstram a contribuição de Danda nas discussões acadêmicas e na militância, especialmente sobre feminismo.

Danda Prado faleceu em 1º de outubro de 2023, deixando um grande legado sobre sua inquietação diante das convenções impostas às mulheres, de reflexão e luta no movimento feminista.

Palavras-Chave/TAG: #mulheres #feminismo #ativismo #movimentodemulheres #igualdade #pedagogia #doutorado #familia #pesquisa #politica

Elaborado por: Emilson Gomes Junior e Schuma Schumaher.

REFERÊNCIAS:

  • Produções acadêmicas:

ABREU, Maria. Nosotras: feminismo latino-americano em Paris. Estudos Feministas, nº 21, vol. 2, p. 553-572: Florianópolis, maio a agosto de 2013. Disponível em: p 553-572 Abreu.pmd (scielo.br). Acesso em 1 nov 2023.

CALDAS, Etevaldo da Silveira; REIS, Valdimir Pereira. “Homem ao lado da razão e mulher ao lado de todos os perigos”: o conceito de família ao longo da história. Minerva, nº 7, vol. 1: Rio de Janeiro, 2019. Disponível em: Minerva Magazine of Science. Acesso em 1 nov 2023.

CARDOSO, Elizabeth da P. Nosotras: imprensa feminista no exílio e a descoberta do gênero. Portcom – Portal de Livre Acesso à Produção em Ciências da Comunicação. Disponível em: R0361-1.PDF (intercom.org.br). Acesso em 1 nov 2023.

ROSA, Susel Oliveira da. Danda Prado e o devir-nômade-feminista. ANPUH – Associação Nacional de História, XXV Simpósio Nacional de História: Fortaleza, 2009. Disponível em: 1548772005_9970f6f5d7705d428f0727bc8563757e.pdf (anpuh.org.br). Acesso em 1 nov 2023.

ROSA, Susel Oliveira da. Danda Prado: por uma estética feminista. In: RAGO, Margareth (org.). Foucault e as Estéticas da Existência. Revista Aulas, nº 7: Campinas, 2010. Disponível em: Revista Aulas – Unicamp – Foucault e as estéticas da existência. Acesso em 1 nov 2023.

ROSA, Susel Oliveira da. Nosotras” e invenção de novos espaços-tempos. ANPUH – Associação Nacional de História, XXVI Simpósio Nacional de História: São Paulo, 2011. Disponível em: 1300660088_ARQUIVO_nosotrastextoanpuh.pdf. Acesso em 1 nov 2023.

SCHUMAHER, Schuma; VITAL BRAZIL, Érico. Dicionário Mulheres do Brasil, de 1500 até a atualidade: biográfico e ilustrado. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

VIRGINIO, Regina Maria Araújo. A integração entre pais e escola: a influência da familia na educação infantil. Anais Educação e Formação Continuada na Contemporaneidade: 2020. Disponível em: A Integração Entre Pais E Escola: A Influência Da Família Na Educação Infantil | Even3 Publicações. Acesso em 1 nov 2023.

ZARIAS, Alexandre; OLIVEIRA, Elizabete Maria de. Processos de didatização: noções de família e desigualdades de gênero para estudantes do Ensino Médio. Revista Diversidade e Educação, vol. 5, nº 2: Rio Grande, 2018. Disponível em: Processos de didatização: noções de família e desigualdades de gênero para estudantes do Ensino Médio | Diversidade e Educação (furg.br). Acesso em 1 nov 2023.

  • Sites:

Danda Prado. Wikipédia. Disponível em: Danda Prado – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org). Acesso em 1 nov 2023.

Danda Prado recebe homenagens de feministas. Fundo Social Elas: Rio de Janeiro. Disponível em:  Danda Prado recebe homenagens de feministas – Elas+ Doar para Transformar (fundosocialelas.org). Acesso em 1 nov 2023.

Home. Brasiliense: São Paulo. Disponível em: Editora Brasiliense. Acesso em 1 nov 2023.

Postagem da Redeh no Instagram. Instagram, Redeh – Rede de Desenvolvimento Humano: Rio de Janeiro, 3 de outubro de 2023. Disponível em: Rede de Desenvolvimento Humano (@redeh_org) • Instagram photos and videos. Acesso em 1 nov 2023.

RODRIGUES, Carla. Adivinhe quem veio para jantar. Folha de S. Pailo, Serafina: 31 de maio de 2009. Disponível em: Folha de S.Paulo – Serafina 13 – 26/04/2009 (uol.com.br). Acesso em 1 nov 2023.

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