O Dia dos Pais é uma data criada para supostamente celebrar e reconhecer os pais. Ainda que amplamente celebrada no Brasil e em muitos países, é uma data controversa em função de suas origens e do complexo contexto da figura da paternidade.
As origens dessa data variam ao redor do mundo. No Brasil, em 1953, o publicitário Sylvio Bhering, diretor do Jornal O Globo, teve a ideia de criar o Dia dos Pais para alavancar as vendas do segundo semestre. Portanto, mais do que uma iniciativa social foi uma iniciativa mercadológica. Em um primeiro momento, a data escolhida foi o dia 16 de agosto, dia de São Joaquim, pai de Maria, mãe de Jesus Cristo, para atrelar a data ao calendário litúrgico da Igreja Católica.
Nos Estados Unidos, a comemoração é atribuída a Sonora Smart Dodd, que em 1909 propôs um dia para homenagear os pais, inspirada pelo Dia das Mães. Sonora Louise, filha de um veterano da guerra civil, que ao ouvir um sermão dedicado às mães, teve a ideia de celebrar o Dia dos Pais. A inspiração de Sonora foi o próprio pai, que viu sua esposa falecer no parto do sexto filho e que teve de criar o recém-nascido e seus outros cinco filhos sozinho. Nesse mesmo ano Sonora procurou autoridades de sua cidade no estado de Washington (USA) pedindo a comemoração do dia. O primeiro Dia dos Pais estadunidense foi comemorado em 19 de junho, data do aniversário do pai de Sonora, mas, em 1966, a data foi oficializada pelo presidente Lyndon Johnson, que declarou o terceiro domingo de junho como o Dia dos Pais.
O Dia dos Pais surgiu, portanto, na modernidade. No Brasil, foi claramente motivado por objetivos comerciais e capitalistas. Portanto, não devemos enxergá-lo como uma data desconectada do contexto histórico: ela foi criada com a intenção de incentivar o consumo, ponto. Ainda assim, é importante aproveitarmos a data para realizar uma reflexão sobre a paternidade, a figura paterna em nossa sociedade e as desigualdades de gênero.
A celebração do dia dos pais levanta diversos questionamentos. Há uma comercialização excessiva em torno da data com a promoção de uma cultura consumista e nada sustentável, desviando o foco da valorização da figura paterna. Além disso, a data pode perpetuar ideias estereotipadas de gênero e excluir outras configurações familiares. Nesse quesito, mesmo para quem atende aos padrões hegemônicos, a celebração do dia dos pais pode gerar uma pressão adicional para que performance dentro dos moldes de uma masculinidade capitalista, especialmente para os pais que enfrentam dificuldades financeiras. A data também pode causar mais tristeza e dor para um grande número de famílias que perderam ou nunca tiveram a figura paterna presente. Ademais, trata-se de uma data recente, com baixa representatividade histórica e cultural.
Nesse contexto, é importante destacar que a maioria das famílias no Brasil são monoparentais femininas, com mães solo cuidando de suas crianças. A ausência paterna é chocante: em 2023, houve um aumento de 5% no número de crianças nascidas no Brasil sem o nome do pai na certidão de nascimento em comparação com 2022. De 2,5 milhões de nascidos, 172 mil crianças foram registradas sem o nome paterno, segundo a Arpen-Brasil – Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais do Brasil. Essa ausência pode significar menor renda, maior sobrecarga para as mulheres na economia do cuidado e danos ao desenvolvimento psicossocial e pessoal das crianças, representando uma violação dos direitos humanos das crianças ao não reconhecimento da filiação por parte de seus pais legítimos. Portanto, muitas vezes, a figura paterna é desempenhada por casal de mulheres, casal de homens, pelas mães solo, pelas avós/avôs, por padrastos, tios, etc.
A celebração do Dia dos Pais pode ser uma oportunidade significativa para refletir sobre os modelos de masculinidade que queremos construir para o futuro, desconstruindo estereótipos tradicionais de gênero e promovendo uma visão mais inclusiva e saudável da masculinidade e da paternidade responsável.
Este momento especial pode servir como um convite para os pais reavaliar e fortalecer o compromisso dos pais com uma presença ativa e significativa na vida de suas crianças. Ao celebrar o Dia dos Pais, é essencial reconhecer e promover práticas que vão além da do reconhecimento básico à paternidade ou da provisão material, englobando cuidado emocional, participação na educação e a promoção de um ambiente familiar de igualdade e respeito. Essa reflexão enriquece a celebração e contribui para o desenvolvimento de crianças mais saudáveis e para a construção de uma sociedade mais justa, empática e igualitária.
Nesse contexto, o Dia dos Pais pode servir como um momento de diálogo para pensarmos enquanto sociedade a figura da paternidade responsável, onde os pais são incentivados a exemplificar e discutir valores de igualdade, empatia e respeito, preparando assim as crianças de hoje para se tornarem pessoas conscientes e responsáveis de amanhã.
Texto escrito por: Ana Laura Becker, Emilson Gomes Junior e Schuma Schumaher.
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REFERÊNCIAS:
- Sites:
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LISBOA, Luana. Brasil registrou mais de 172,2 mil crianças sem nome do pai em 2023. Conjur: 2 de janeiro de 2024. Disponível em: Brasil registrou mais de 172,2 mil crianças sem nome do pai em 2023 (conjur.com.br). Acesso em 5 ago 2024.