Professora, primeira senadora do Brasil
Eunice Michiles é uma pioneira na política brasileira, reconhecida especialmente enquanto a primeira mulher a assumir uma cadeira no Senado Federal do Brasil. Em tal oportunidade, Eunice desempenhou papel crucial no desenvolvimento de políticas públicas voltadas à população brasileira, especialmente s mulheres. Schuma Schumaher e Érico Vital Brazil, em Dicionário Mulheres do Brasil – de 1500 até a atualidade – biográfico e ilustrado, revela algumas das principais conquistas de seu mandato através de seus projetos: (i) supressão do art. 219 do Código Civil – CC, desobrigando a mulher do dever da virgindade; (ii) adição do art. 373 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, assegurando às empregadas com filhos o direito a optar por uma jornada de trabalho com salário proporcional, sob a condição da manutenção do vínculo empregatício; e (iii) a permissão de contração de empréstimos por mulheres casadas sem a necessidade do aval do marido.
Filha de Edith Berger e Theófilo Berger, nasceu em 10 de julho de 1929, em Santo Amaro, periferia da cidade de São Paulo. Cursou a Escola Normal e formou-se atendente de enfermagem, exercendo ambas as profissões em favor de pessoas em estado de vulnerabilidade social e da sociedade como um todo. Em 1950, casou-se com Darci Augusto Michiles. Conforme expõe Schuma e Érico, o casal se mudou para Maués, Amazonas, “onde Eunice foi professora e diretora do Ginásio, da Escola Normal e do Serviço Municipal de Educação.” Não obstante, Eunice também exerceu na cidade “intensa atividade assistencial, sobretudo na área da saúde, beneficiando toda a população carente da região.” O texto ainda nos revela que Eunice Michiles foi nomeada secretária de Educação e Serviços Sociais de Maués após a eleição de Darci Augusto Michiles ao cargo de prefeito e “Levou para a administração municipal sua larga experiência anterior e seu trabalho à frente das secretarias teve uma grande repercussão”.
O casamento de Eunice e Darci terminou em 1966, após terem tido 4 filhos e anos de parceria. Eunice logo mudou-se para Manaus, trabalhando na cidade como gerente de uma empresa comercial. Já em 1974, retornou à sua atividade política formal, procurando o diretório da aliança Nacional Renovadora – Arena para “solicitar uma legenda nas eleições daquele ano e assim concorrer a uma vaga na Assembleia Legislativa do Amazonas”, nas palavras de Schuma. O partido se interessou pela proposta de Eunice. A candidata representava modernidade nas eleições em benefício do partido. Destaca-se que era relevante para a disputa eleitoral a apresentação de mulheres nas eleições estaduais em função das articulações de movimentos de mulheres, incentivando a sociedade à promoção de igualdade de gênero em todos os níveis sociais. Eunice venceu as eleições.
Eunice se preparava para a reeleição em 1978. Porém, a convite da Arena, concorreu ao Senado Federal. Através do estatuto da sublegenda para os cargos majoritários vigente à época, Eunice participou da chapa encabeçada pelo então vice-governador do Amazonas, João Bosco Ramos de Lima. A chapa empolgou eleitores e saiu vitoriosa. Logo após, João Bosco veio a falecer. Desta forma, em 31 de maio de 1979, Eunice Michiles assumiu a cadeira no Senado Federal, a primeira mulher no Brasil a ocupar o cargo. Durante seu mandato, a senadora Eunice Michiles defendeu a Amazônia e a cidadania feminina.
Eunice Michiles e seu mandato inicialmente não foram levados a sério por alguns cidadãos brasileiros. Contudo, sua atuação provou que estavam errados. Conforme exposto por Henrianne Barbosa em seu trabalho Jornalismo e memória: Eunice Michiles, a primeira senadora do Brasil, o jornal Folha de São Paulo admitiu seu pré-julgamento em relação à senadora, expondo a relevância de seu trabalho político. Vide: “A senadora Eunice Michiles (PDS – AM) ainda não deu nenhum sinal de que sua presença na Câmara Alta provocasse mais do que um interesse devido a sua condição feminina. Isto porque seu perfil de carreira, à sombra da antiga administração arenista em Manaus, não deixava prever mais do que um político governista tradicional, embora de saias. Até mesmo suas ideias sobre os direitos da mulher soavam tradicionais, não indo além do reconhecimento de algumas discriminações, aparentemente sem esposar as teses mais conhecidas dos movimentos feministas.
A condição feminina, com tudo o que ela implica de opressão na nossa sociedade, parece, entretanto, ter falado mais alto. E a senadora acaba de apresentar projeto extinguindo mais uma discriminação odiosa contra as mulheres, a qual, se não tem o mesmo peso que outras desigualdades de alcance mais fundamental, como as de caráter econômico, tem valor simbólico.” Henrianne destaca que o jornal ignorou as contribuições de Eunice Michiles na educação e na saúde do Amazonas na elaboração de sua análise política, reduzindo a ativista à sua legenda.
Schuma Schumaher e Érico Vital Brazil, no Dicionário Mulheres do Brasil, revelam que Eunice Michiles foi membro titular da Comissão de Legislação Social, Educação, Assuntos Regionais, Salários e Demográficos no Senado Federal. À época dessa atuação, migrou para o Partido Democrático Social (PDS). Neste partido, organizou e dirigiu o Movimento da Mulher Democrata Social. Desta forma, em agosto de 1982, promoveu o encontro nacional para ampliar a participação política feminina.
Posteriormente, migrou para o Partido da Frente Liberal. Foi eleita deputada federal constituinte pela legenda, na legislatura 1986/90. Em seguida, em 1992, tornou-se conselheira do Tribunal de Contas do Amazonas. Schuma e Érico ressaltam o ineditismo de Eunice Michiles também neste aspecto: “Este cargo fez com que Eunice fosse mais uma vez pioneira, pois nenhuma outra mulher havia ainda ocupado uma vaga nesse Tribunal.” Michelle Rabelo de Souza em sua obra Eunice Michiles e a política – uma história para contar, informa que Eunice Michiles ficou no cargo até 1999, quando se aposentou. Informam, ainda, que Eunice se mudou para Brasília, é filiada à Associação da Mulher Profissional e de Negócios do Brasil (DF) e tem se engajado na Igreja Adventista local, desenvolvendo atividades através da instituição.
Importante ressaltar que, embora Eunice Michiles estivesse ligada a um partido liberal e conservador, sua trajetória foi marcada pela misoginia. Conforme exposto na reportagem ‘Não tinha nem banheiro feminino’, diz primeira mulher no Senado, de Paula Adamo Idoeta para a BBC Brasil em São Paulo, de 2013, Michiles cotidianamente se relacionava com o machismo de seus colegas. A exemplo, a ex-senadora relata: “Quando eu entrei no Senado, fui ‘muito bem recebida’, com flores, poesias – muita badalação. Mas percebi o seguinte: (para os congressistas) eu não era uma colega que estava chegando. Era uma senhora, uma dama. Era aquela história do homem que abre porta para a mulher. Mas não havia aquele sentimento de que eu era uma colega (com quem eles) iam trabalhar junto. Não era de igual para igual. Um dia, me atrasei no Senado, e um senador de dedo em riste me disse “não faça mais isso”. Fui murchando, como se tivesse (levado uma bronca) do meu pai. Um outro senador respondeu: “Minha filha, não permita que façam isso com você. Você é tão senadora quanto eles”. Me dei conta: era mesmo. A partir daí, senti que tinha a responsabilidade de me colocar à altura deles.”
Conforme exposto por Michelle em obra supramencionada, os impactos positivos de Eunice Michiles no Senado Federal podem ser observados principalmente através da aprovação de emendas à constituição. A autora revela: “Eunice não teve a maioria de seus projetos aprovados, mas conseguiu aprovação em quase todas as suas emendas constitucionais que favorecia a melhoria da condição feminina no Brasil. Sua luta pela emancipação das mulheres não era apenas quanto ao mercado de trabalho, na política, mas por direito a escolaridade porque na época, ou seja, em meados da década de 1980 o número de mulheres analfabetas era bem maior nas pequenas cidades do interior.” Após toda a sua trajetória em favor das mulheres, do povo brasileiro e da humanidade, Eunice Michiles permanece entusiasmada pela transformação social enquanto experiencia sua aposentadoria.
Dentre as homenagens a Eunice Michiles, mencionamos as seguintes: (i) o artigo A presença da mulher na política: o protagonismo de Eunice Michiles no Senado Federal, de Michelle de Souza Vale, estudo com foco na história da ex-senadora; (ii) a exposição originalmente produzida pela Biblioteca do Senado Federal Senadoras do Brasil: 90 anos do voto feminino, cobrindo a possa de Eunice Michiles e todos os fator relevantes posteriores; (iii) o livro Mulheres no poder: A trajetória política de Eunice Michiles, a primeira senadora do Brasil, de Michelle de Souza Vale; (iv) a exposição A Conquista do Voto Feminino, prestando homenagem e Eunice Michiles e outras; (v) a aprovação do Projeto de Lei nº. 414/19 concedeu o título de Cidadã do Amazonas à ex-senadora, 40 anos após a sua posse; (vi) a Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil – Coordenadoria Amazonas (AEJEB-AM) homenageou Eunice Michiles e outras 10 mulheres com o diploma Mulheres que Fazem a Diferença, em 26/08/2022 – Eunice Michiles é homenageada na Categoria Pioneirismo; (vii) a jornalista amazonense Malu Dacio retrata a trajetória política de Eunice Michiles no documentário Depois da Princesa, produzido através do Programa Cultura Criativa – 2020/Lei Aldir Blanc – Prêmio Feliciano Lana, do Governo do Estado do Amazonas, com apoio do Ministério do Turismo – Secretaria Especial da Cultura, Fundo Nacional de Cultura; (viii) o Prêmio Diploma Mulher-Cidadã Bertha Lutz foi entregue a Eunice Michiles e outras 25 constituintes, à época apelidadas de integrantes do “Lobby do Batom”, em sua 17ª edição, em 2018; (ix) em 2012, o presidente da Câmara Henrique Eduardo Alves, na Sessão Solene do Congresso Nacional em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, homenageou Eunice Michiles e outras destacadas mulheres, na Sessão Solene do Congresso Nacional.
Texto Adaptado do verbete contido no Dicionário Mulheres do Brasil por: Emilson Gomes Junior e Schuma Schumaher.
Palavras-Chave/TAG: #feminismo #educação #igualdade #intelectualidade #literatura #teatro
REFERÊNCIAS
- Produções acadêmicas:
BARBOSA, Henrianne. Jornalismo e memória: Eunice Michiles, a primeira senadora do Brasil. Revista Intercom: São Paulo, 2006. Disponível em: R0146-1 (intercom.org.br). Acesso em 20 jun 2023.
SCHUMAHER, Schuma; VITAL BRAZIL, Érico. Dicionário Mulheres do Brasil – de 1500 até a atualidade – biográfico e ilustrado. Editora Zahar: Rio de Janeiro, 2000. Acesso em 20 jun 2023.
SCHUMAHER, Schuma, CEVA, Antonia. Mulheres no Poder: Trajetórias na Política a partir das lutas sufragistas do Brasil. Rio de Janeiro. Edições de Janeiro, 2015. Acesso em 20 jun 2023.
Senadoras do Brasil: 90 anos do voto feminino. Senado Federal: Brasília, 2018. Disponível em: Senadoras do Brasil : 90 anos do voto feminino. Acesso em 20 jun 2023.
SOUZA, Michelle Rabelo. A Presença da Mulher na Política: o protagonismo de Eunice Michiles no Senado Federal. Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia, Universidade Federal do Amazonas: Manaus, 2016. Disponível em: Dissertação – Michelle R. Souza.pdf (ufam.edu.br). Acesso em 20 jun 2023.
SOUZA, Michelle Rabelo. Eunice Michiles e a política – uma história para contar. Editora da Universidade Federal do Amazonas – EDUA: Manaus, 2016. Disponível em: EUNICE MICHILES E A POLÍTICA – UMA HISTÓRIA PARA CONTAR – (ufam.edu.br). Acesso em 20 jun 2023.
VALE, Michele Souza. A presença da mulher na política: o protagonismo de Eunice Michiles no Senado Federal. Revista Relações Sociais – REVES: Manaus, 2016. Disponível em: A PRESENÇA DA MULHER NA POLÍTICA: O PROTAGONISMO DE EUNICE MICHILES NO SENADO FEDERAL | REVES – Revista Relações Sociais (ufv.br). Acesso em 20 jun 2023.
VALE, Michelle de Souza. Mulheres no poder: a trajetória política de Eunice Michiles, a primeira senadora do Brasil. Appris Editora: Curitiba, 2019. Disponível em: Mulheres no poder : a trajetória política de Eu… (tse.jus.br). Acesso em 20 jun 2023.
- Sites:
ALVES, Henrique Eduardo. 06/03/2012 – HOMENAGEM AO DIA INTERNACIONAL DA MULHER. Câmara dos Deputados: Brasília, 2012. Disponível em: 06/03/2012 – Homenagem ao Dia Internacional da Mulher — Portal da Câmara dos Deputados (camara.leg.br). Acesso em 20 jun 2023.
Diploma Bertha Lutz reconhece importância da bancada feminina na Constituinte. Agência Senado: Brasília, 2018. Disponível em: Diploma Bertha Lutz reconhece importância da bancada feminina na Constituinte — Senado Notícias. Acesso em 20 jun 2023.
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Jornalista produz documentário sobre trajetória da primeira senadora do Brasil. Jornal Em Tempo: Manaus, 2022. Disponível em: Jornalista produz documentário sobre trajetória da primeira senadora do Brasil – Portal Em Tempo. Acesso em 20 jun 2023.
OLIVEIRA, Isaías. Aleam vai homenagear a primeira mulher a participar do Senado Federal. Redação Informe Manaus: Manaus, 2019. Disponível em: Informe Manaus – Aleam vai homenagear a primeira mulher a participar do Senado Federal. Acesso em 20 jun 2023.
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Senadoras amazonenses são homenageadas no Senado. Jornal Vermelho: Brasília, 2011. Disponível em: Senadoras amazonenses são homenageadas no Senado – Vermelho. Acesso em 20 jun 2023.
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