Médica, escritora e feminista emancipacionista antirracista.
Fátima de Oliveira foi uma médica científica e publicamente reconhecida enquanto pensadora e ativista a favor da saúde da população brasileira, da liberdade sexual e reprodutiva, do feminismo e do antirracismo. Nasceu em Bacabal, Maranhão, em 1954, no seio de uma família simples e com poucos recursos. Com muito esforço e sempre perseguindo seus sonhos, Fátima conseguiu romper com as dificuldades impostas por sua condição de classe. Tinha 19 anos quando prestou vestibular para medicina, na Universidade Federal do Maranhão e foi aprovada.
No artigo Médica Fátima de Oliveira deixou legado de uma saúde pública antirracista, escrito por Ubiraci Matildes ela nos informa que, em São Luís, Fátima integrou um trabalho denominado Ninho – atual Pastoral da Mulher Marginalizada, cujo objetivo era aproximação com prostitutas para conversar sobre cuidados com a saúde delas e dos filhos, com encaminhamentos de consultas, remédios, alimentação, roupas, etc.
Anos mais tarde veio viver em Belo Horizonte, Minas Gerais, onde exerceu por muitos anos sua profissão de médica. Uma médica ativista podemos chamar, pois Fátima, além do atendimento prático nos consultórios e hospitais, era envolvida com a política de saúde, especialmente das mulheres negras. É inegável sua contribuição acadêmica sobre bioética, saúde da população negra, anemia falciforme, dentre outros assuntos.
Dentre os lugares nos quais trabalhou, destaca-se sua atuação no Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte. A doutora também contribuiu com várias organizações, como uma das fundadoras da Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Sexuais Reprodutivos (RNFSDSR), da qual foi Secretaria Executiva no período de 2002 a 2006, como integrante do Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução (CCR) e do Conselho Consultivo da Rede de Saúde das Mulheres Latino-Americanas e do Caribe (RSMLAC). Fátima Oliveira também era credenciada pelo INAMPS e pela FUNAI, participando do Projeto Barco da Saúde e auxiliando moradores das regiões ribeirinhas do Tocantins através de serviços médicos, odontológicos e laboratoriais gratuitos.
Litza Mattos reflete sobre Fátima Oliveira em sua reportagem Morre a médica e ex-colunista de O TEMPO Fátima de Oliveira, destacando que a cientista “foi fundadora de um campo de pensamento no Brasil, ao elaborar teses sobre bioética feminista, não racista e não sexista. O texto menciona comentário feito pela ex-deputada federal Jô Moraes sobre a médica: “enfrentou o debate da bioética em um momento em que havia o pensamento de praticamente monitorar a reprodução humana”.
Conforme revela Flávia Costa em Doutora Fátima de Oliveira, presente em nossa história e nossa luta, Fátima de Oliveira foi grande defensora do Sistema Único de Saúde (SUS). Ela “reivindicava o conceito de integralidade do atendimento da saúde da mulher, estando na fronte das defesas da materialidade da criação do SUS – Lei. 8080/88 e posteriores até os dias de hoje, continuou agregando energia, artigos, participações e protagonismo, para a sua manutenção e aplicação integral”. A estudiosa iniciou sua jornada acadêmica em favor do feminismo e do antirracismo através das preparatórias da I Conferência Nacional de Saúde e Direitos da Mulher, ocorrida entre 10 e 16 de outubro de 1986.
Autora dos seguintes livros de divulgação e popularização da ciência: Engenharia genética: o sétimo dia da criação (Moderna, 1995 – 14a. impressão, atualizada em 2004); Bioética: uma face da cidadania (Moderna, 1997 – 8a. impressão atualizada, 2004); Oficinas Mulher Negra e Saúde (Mazza Edições, 1998); Transgênicos: o direito de saber e a liberdade de escolher (Mazza Edições, 2000); O estado da arte da Reprodução Humana Assistida, em 2002, e Clonagem e manipulação genética humana: mitos, realidade, perspectivas e delírios (CNDM/MJ, 2002); Saúde da população Negra, Brasil 2001 (OMS-OPS, 2002); . Dossiê Bioética e as Mulheres: Por uma bioética não sexista, antirracista e libertária, publicado pela Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos. E também autora dos seguintes romances: A hora do Angelus (Mazza Edições, 2005); Reencontros na travessia: a tradição das carpideiras (Mazza Edições, 2008); e Então, deixa chover (no prelo). Foi, em 2005, uma das 52 brasileiras indicadas ao Nobel da Paz, pelo projeto 1000 Mulheres para o Nobel da Paz 2005.
O reconhecimento ao trabalho e ativismo de Fátima também é exposto por Ubiraci Matildes em Médica Fátima Oliveira deixou legado de uma saúde pública antirracista, afirmando que a doutora publicou livros e pesquisas pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), “onde contribuiu com textos sobre as doenças prevalentes na população negra.” Ainda, Fátima trouxe visibilidade às questões das mulheres negras ao participar da fase preparatória da IV Conferência Mundial sobre as Mulheres, em 1995, em Beijing, na China. Neste evento internacional, a pensadora trouxe atenção internacional à saúde das mulheres negras periféricas e propôs a melhoria do acesso dessa parcela populacional às unidades de saúde. Defensora da autonomia reprodutiva das mulheres e preocupada com a violência que elas sofriam na saúde, combatia abertamente a violência obstetrícia e defendia a legalização do aborto, “enaltecendo a linha de uma sociedade igualitária, sem machismo e sem homofobia ou ódio religioso”.
Fátima de Oliveira faleceu em 05 de novembro de 2017, aos 63 anos, vítima de câncer. Em nota de pesar, a ONU mulheres a descreveu como uma “feminista negra incansável por sua luta” que nos deixou um “legado feminista valoroso”. Sua última publicação abordou um tema relevante e tabu na história do Brasil: seu romance trata sobre aborto em relações de mulheres e padres. Não à toa, a autora foi colunista do Jornal O TEMPO, no caderno Opinião, às terças-feiras: “Foi uma pessoa muito preocupada com a justiça social. Ela tinha um desempenho na parte política muito saliente e fazia isso com muita determinação e ênfase”, disse Victor Almeida, editor de Opinião do O TEMPO. O interesse da pensadora em promover saúde e justiça no Brasil está impresso em todo o trabalho de Fátima de Oliveira. Também era colunista de outros veículos de comunicação, inclusive o Portal Vermelho e do Portal Geledés. “Urge banir o fascismo da sociedade brasileira”, defendeu Fátima em um de seus artigos em que tratou das declarações do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) durante uma palestra na sede paulista da Hebraica.
Fátima de Oliveira foi mãe de Maria, Débora, Lívia, Gabriel e Arthur, e avó de Maria Clara, Luana e Lucas. Decidiu voltar a São Luís, Maranhão, para viver seus últimos anos em sua cidade natal. Após uma vida dedicada à medicina, à bioética, ao feminismo e ao antirracismo, participando de incontáveis atividades no Brasil e em outros países, Fátima de Oliveira partiu. Ficam conosco a sua trajetória inspiradora, o impacto positivo que causou em toda a saúde brasileira e sua inovadora produção científica sobre a bioética feminista antirracista. Escreveu em um de seus artigos “É melhor morrer em pé do que viver de joelhos”.
Palavras-Chave/TAG: #fatimaoliveira #medicina #liberdadesexual #feminismo #antirracismo #direitossexuais #saúde #sus #direitosreprodutivos
Elaborado por: Emilson Gomes Junior e Schuma Schumaher
REFERÊNCIAS
- Sites:
COSTA, Flávia. Doutora Fátima de Oliveira, presente em nossa história e nossa luta. São Paulo: Portal Geledés, 2017. Disponível em: Doutora Fátima de Oliveira, presente em nossa história e nossa luta (geledes.org.br)
MATTOS, Litza. Morre a médica e ex-colunista de O TEMPO Fátima de Oliveira. Belo Horizonte: Jornal O TEMPO, 2017. Disponível em: Morre a médica e ex-colunista de O TEMPO Fátima de Oliveira | O TEMPO
MATILDES, Ubiraci. Médica Fátima Oliveira deixou legado de uma saúde pública antirracista. São Paulo: Portal Geledés, 2021. Disponível em: Médica Fátima Oliveira deixou legado de uma saúde pública antirracista (geledes.org.br)
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