
Ativista, teóloga, professora e ex-deputada federal pelo Piauí.
Francisca das Chagas Trindade, nasceu no bairro Água Mineral, em Teresina (PI), em 26 de março de 1966, filha de Lídia Maria Trindade, carinhosamente conhecida como Dona Preta, e de seu Raimundo Pereira da Trindade. Francisca cresceu entre a Igreja Católica, o cheiro do beiju e os ecos da pobreza. Menina negra em um Brasil racista, cresceu para se tornar uma mulher consciente das opressões vividas em uma sociedade patriarcal e especialmente por testemunhar a pobreza em um sistema classista. Contra qualquer expectativa social, Francisca escolheu lutar. Seus campos de batalha foram tanto a teologia quanto a política institucional, e ela saiu vitoriosa em ambos.
Segundo a edição de 2023 da Guia Indica: “Atuou como professora, iniciou sua participação na militância católica, na Pastoral de Juventude do Meio Popular (PJMP) da Arquidiocese de Teresina e na sua comunidade, onde fundou e presidiu a Associação de Moradores do Bairro Água Mineral. Posteriormente atuou na criação da Federação de Associações de Moradores e Conselhos Comunitários do Piauí-FAMCC, resultando em ativa atuação na organização da Articulação Nacional do Solo Urbano, onde foi representante do estado na Central Nacional de Movimentos Populares.”
Aos 13 anos, pensou em ser freira. Foi na própria Igreja Católica, porém, que uma freira percebeu em Francisca um espírito de ação e transformação que não cabia nos muros do convento. Assim, Francisca deixou o sonho de viver no altar para vivenciar o evangelho nas ruas, construindo política para as pessoas mais pobres de sua região. Das ruas para o parlamento, Francisca levou consigo a alma do povo e o coração das periferias. Um pouco de sua personalidade pode ser vista a partir de sua resposta em uma entrevista, quando a perguntaram: “Por que uma mulher tão bonita como você escolheu a política?” Respondeu brilhantemente: “Desde os 14 anos de idade, fui percebendo que as coisas no Brasil estavam erradas, que precisavam ser transformadas. Então, me perguntava o como que eu poderia contribuir para essa mudança! É a participação efetiva de todo o povo independente de ser feio ou bonito, branco ou preto, participando ativamente do processo de libertação, que vai mudar o país”, completa. “Eu já senti discriminação. Isso se apresenta de várias formas. Com olhar de subestimação, de comentários. Porque no Brasil tem o racismo disfarçado de uma democracia racial.”
Formada em Teologia pela UFPI – Universidade Federal do Piauí, Francisca chegou a estudar Filosofia, mas não concluiu a faculdade. Já em sua atuação política, destaca-se que foi uma das fundadoras da FAMCC – Federação das Associações de Moradores e Conselhos Comunitários. Foram dessas ocupações de terras que surgiram grandes comunidades como as Vilas Risoleta Neves, Irmã Dulce e da Paz. Francisca era conhecida por todos em Teresina, como podemos extrair da revista Guia Indica: “Todas as pessoas entrevistadas pela reportagem e que conviveram com Trindade em diferentes momentos de sua trajetória, guardam na memória a percepção de que aquela mulher alegre e intensa era uma predestinada. ‘Na época fiquei impactada em conhecer pois ela era muito empoderada!’, recorda a enfermeira Sandra Beatriz Dourado, a Sandra Bia, que conheceu Trindade no final dos anos de 1980. ‘Ela tinha um carro, um fusquinha, que dirigia por toda a cidade. Na época, para uma jovem, isso me emocionou. Era uma mulher negra em uma sociedade machista, extremamente racista. Hoje, isso é natural, mas há 36 anos, não!’, completa. ‘Ela era A Francisca Trindade, a vereadora, que tinha uma batalha muito grande pela frente’, afirma.” Seus passos inegavelmente marcaram os movimentos negro e de mulheres de seu território, sendo Francisca uma das fundadoras do Grupo Afro Cultural Coisa de Nêgo, em Teresina, 1990. Sua voz inegavelmente contribuiu para gerar visibilidade às questões de gênero e raça no Piauí, impulsionando outras lideranças negras em sua região.
Em 1992, Francisca disputou as eleições para vereadora a partir do PT – Partido dos Trabalhadores, legenda à qual era filiada desde 1985. Francisca não venceu naquela ocasião, mas como suplente, se tornou vereadora, em 1995, pois Wellington Dias, que era vereador saiu candidato a deputado estadual, e ela assumiu seu lugar. No ano seguinte, Francisca Trindade se elegeu vereadora através das eleições de 1996. A dupla dinâmica formada por Francisca e Wellington fez logo outro gol de placa: quando Wellington se tornou candidato a deputado federal, Francisca se elegeu deputada estadual como a mais votada em Teresina e a quinta mais votada do estado nas eleições de 1998. Tudo isso sem nunca se afastar do povo, das comunidades, da rua. Política, para ela, era chão batido, era prestação de contas na praça, era fusquinha rodando os bairros, era abraço apertado e escuta atenta. Sua atuação era profundamente coletiva — um mandato partilhado, não um cargo de poder. Não à toa, Francisca foi presidente da Comissão de Direitos Humanos na Assembleia Legislativa entre 1999 e 2000. Após esta série de sucessos, Francisca foi candidata a vice-prefeita de Teresina na chapa encabeçada por Wellington Dias. Dessa vez, no entanto, a dupla não venceu. Francisca Trindade retornou triunfalmente em 2002 como deputada federal, se elegendo com 165.190 votos, sendo a então maior votação da história do Piauí, considerando candidaturas de todos os gêneros.
Chegou na Câmara Federal ocupando espaços e logo se tornou a primeira vice-presidente da Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior. Infelizmente, Francisca tomou posse em fevereiro de 2003 e faleceu logo em seguida, em 26 de julho de 2003, em São Paulo, exercendo seu mandato. No dia seguinte, a família descobriu que Francisca partiu em decorrência de uma morte causada pela ruptura do aneurisma cerebral. A jornalista e historiadora Wilma Rocha, amiga de Francisca, relembra: “Foi muito difícil, eu e Dudu, voltamos para Teresina com o corpo […] Ela virou um mito. Mas poderia ser muito mais”. Francisca viveu e morreu com pressa. Como toda mulher negra ativista no Brasil, sabia que a vida podia ser curta — e foi, já que sua trajetória foi interrompida aos 38 anos, no alto de sua carreira política institucional, quando era deputada federal e uma das principais vozes do PT no Piauí.
Lembremos, porém, que sua partida não apagou sua presença. Ela ancestralizou — tornou-se mito, semente, farol. Francisca deixou 2 filhos, Camila Kissy e Yan Kalid, frutos de seu casamento com Edilberto Borges. Ambos eram crianças quando a mãe deixou este mundo. Apesar da dor do luto, eles cresceram com a lembrança viva de que Francisca era uma mulher forte, destemida, alegre e comprometida com seus ideais. Em sua homenagem, foi realizada a exposição fotográfica Trindade Vive, no mês da Consciência Negra, em novembro de 2023, contando com a presença de autoridades públicas do estado e movimento social. Ainda em 2023, no dia 11 de setembro, foi realizada sessão solene em homenagem a Francisca Trindade na Câmara Municipal de Teresina.
Também em sua homenagem, em 2024 a Prefeitura de Teresina instituiu a Medalha Mérito Francisca Trindade, condecoração anual concedida a indivíduos, grupos e organizações que se destacam em ações e iniciativas em prol da justiça social e da igualdade de gênero, seguindo os passos da notável ativista. Considerando o impacto de Francisca Trindade no Piauí, podemos afirmar que ela foi, e continua sendo, um símbolo poderoso do feminismo antirracista e popular, uma mulher que enfrentou as estruturas de opressão com coragem, inteligência e ternura, sem jamais se descolar de suas raízes. Seu legado é mais do que biográfico; é político, é pedagógico, é revolucionário.
Texto escrito por: Emilson Gomes Junior e Schuma Schumaher.
Palavras-Chave/TAG: #feminismo #antirracismo #politica #deputadafederal #direitoshumanos #teresina #piaui
REFERÊNCIAS:
- Produções acadêmicas:
SCHUMAHER, Schuma; VITAL BRAZIL, Érico. Mulheres Negras do Brasil. Senac Editora: Rio de Janeiro, 2006.
- Sites:
Dr. Pessoa lança a Medalha Mérito Francisca Trindade para homenagear defensores da justiça social e igualdade de gênero. Prefeitura de Teresina,6 de março de 2024. Disponível em: Dr. Pessoa lança a Medalha Mérito Francisca Trindade para homenagear defensores da justiça social e igualdade de gênero | Prefeitura Municipal de Teresina. Acesso em 15 mai 2025.
Especial Francisca Trindade. Teresina: Guia Indica, 2023.
Exposição homenageia a ex-deputada Francisca Trindade. Teresina: TV Assembleia PI, YouTube, 20 de novembro de 2023. Disponível em: Exposição homenageia a ex-deputada Francisca Trindade. Acesso em 15 mai 2025.
Governo do Estado dá início à exposição em homenagem à Francisca Trindade, no Palácio de Karnak. Governo do Estado do Piauí, 20 de novembro de 2023. Disponível em: Governo do Estado dá início à exposição em homenagem à Francisca Trindade, no Palácio de Karnak – pi.gov. Acesso em 15 mai 2025.
Sessão solene em homenagem à Deputada Francisca Trindade. Câmara Municipal de Teresina, 11 de setembro de 2023. Disponível em: Sessão solene em homenagem à Deputada Francisca Trindade. Acesso em 15 mai 2025.