• Jane Di Castro (1947 – 2020)

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15 de maio de 2024 por 

Artista e ativista política da luta LGBTQIA+

Jane Di Castro foi uma cantora, atriz e cabeleireira brasileira, célebre por suas contribuições às artes e à sociedade. Nascida em 7 de abril de 1947, cresceu no Rio de Janeiro, no bairro Oswaldo Cruz. Desde a infância sofreu com a cisheteronormatividade de um Brasil sobrevivente da ditadura de Getúlio Vargas. Foi casada por cinquenta anos com Otávio Bonfim, tendo celebrado o casamento civil em 2014, através de um casamento coletivo composto por 160 casais LGBT (sigla da época). Em 2001, fundou seu próprio salão de beleza próximo ao Copacabana Palace.

Na década de 1960, Jane Di Castro começou a trabalhar enquanto cabeleireira, em Copacabana. Na mesma época, passou a se apresentar em casas noturnas do bairro. Destaca-se que Jane Di Castro manteve suas profissões paralelamente, ainda que em contexto de repressão política, que começou assolar o país no período. Conforme ensina Marcelo Saldanha das Neves em Performance, porrada e purpurina: histórias e memórias LGBT+ em recentes documentários brasileiros, de 2019: “Apesar de realizarem seus espetáculos, tudo deveria passar pela avaliação e autorização da censura. Jane di Castro fala sobre a dificuldade que existia em trabalhar naquele contexto. Segundo ela, aceitação que recebiam no teatro não era a mesma na televisão, nas revistas ou quaisquer outros meios de comunicação”.

Apesar do controle do estado, Jane Di Castro revelou em entrevista a Marcio Caprica e James Cimino, que ela e outras artistas conseguiam driblar a censura através de estratégias. Segundo ela, em geral, os espetáculos não eram censurados em função de seu cunho artístico descolado de verbalizações políticas. Segundo Thiago Barcelos Soliva, em Sobre o talento de ser fabulosa: os ‘shows de travesti’ e a invenção da travesti profissional, de 2018, Jane di Castro detalhou: “Os militares não se metiam com a gente não, viu? A censura… tinha aquele problema de assistir [a]o espetáculo, e como nosso espetáculo não tinha nenhuma conotação política, então, nós nunca tivemos problemas com a polícia, com os militares. Porque eles sabiam que o nosso show era um show muito de frescura. E quando tinha censura, porque tinha aquelas três ou quatro cadeiras da censura, o empresário avisava: ‘oh tem o censor aí!’ Aí nós tirávamos todos os cacos, porque a gente brincava, claro, também em cima. Mas como tinha sempre um censor no teatro, um olheiro vinha avisar no camarim para todo mundo cortar aquele texto assim e ficava uma coisa mais suave. Então, nós nunca tivemos esse problema. Nós tivemos problema com um delegado, que se chamava Padilha, que num certo dia veio proibir o show de travesti, mas tinha uma censora com o nome de Dona Marina que adorava… que ela adorava os travestis, né? E sempre tem um anjo bom, né? E ele [o delegado] falava: ‘não, não vai não!’ [a censora replicava] ‘Eles vão continuar. O senhor não vai fechar o Rival, porque elas são artistas’. Ela vinha ao censor, e lutava contra esse delegado”.

Dois grandes espetáculos se destacam na trajetória teatral de Jane: o “Gay Fantasy”, dirigido por Bibi Ferreira, tendo no elenco Ney Matogrosso, Marlene Casanova e Rogéria e o “Divinas Divas”, um musical de grande sucesso que retratava a trajetória de travestis em Copacabana. O sucesso era tanto que o espetáculo ficou em cartaz entre 2004 e 2014 no Teatro Rival, estrelando Rogéria, Divina Valéria, Camille K, Marquesa Brigitte de Búzios e Fujika da Halliday. Todas as protagonistas fizeram parte do movimento cultural de mulheres transsexuais ou travestis, que realizavam performances artísticas na região da Cinelândia, no Rio de Janeiro, nas décadas de 1960 e 1970. A peça de teatro musical explorava as memórias das artistas, bem como proporcionava ao público uma experiência fantástica de imersão em suas vidas no século XXI.  

Jane di Castro foi uma figura importante na geração de artistas transsexuais dos anos 1960. Na época, Jane di Castro era vista como transformista, não ainda reconhecida como uma artista travesti.

Enquanto atriz, Jane Di Castro participou de diversas produções. Dentre elas, realizou participação especial nas seguintes produções, através da Rede Globo: Explode Coração, de 1995; Paraíso Tropical, de 2007; Faça Sua História, de 2008; Aquele Beijo, 2012, Salve Jorge, de 2013; e Força do Querer, de 2017. A atriz também interpretou Patrícia Swanson no seriado Pé na Cova, da emissora. Em relação a seus trabalhos, inclusive, já havia afirmado em entrevista ao jornal Extra que sonhava em interpretar uma “vilã ordinária numa novela”. Grata por sua carreira, Jane Di Castro comentou: “Glória Perez foi maravilhosa por me convidar para três novelas, mas sempre representei eu mesma. As pessoas acham que eu, por ser bonita, não tenho talento para fazer um papel desglamourizado. Mas tenho!”.

Além de seus papéis na Rede Globo, Jane Di Castro interpretou a personagem Lana da série televisiva Rua do Sobe e Desce, Número que Desaparece, de 2020. A série de comédia foi exibida pelo Canal Brasil em coprodução com a Matinê Filmes. Em relação ao cinema, Jane di Castro interpretou Geralda Maltêz, uma personagem com cargo de chefia no INSS, em De Perto Ela Não é Normal, longa-metragem de 2020. Também interpretou Cristina no curta-metragem A Inevitável História De Letícia Diniz, de 2012. Menciona-se também sua participação no filme O Sexomaníaco, longa-metragem de 1976, do gênero pornochanchada.

Em relação a suas participações em documentários, integrou o elenco dos seguintes:  Rogéria, Senhor Astolfo Barroso Pinto, longa-metragem de 2018; O País do Cinema, série documental de 2016; e o musical Divinas Divas, longa-metragem de 2017 sobre a peça de teatro. Jane Di Castro também protagonizou o espetáculo Divinas Divas – Verão Sem Censura, no Teatro Municipal de São Paulo, em 2020. Também participaram do elenco Divina Valéria, Camille K, Marcia Dailyn e Divina Núbia.

Indiscutível que a trajetória de Jane Di Castro era reconhecida nos círculos acadêmicos brasileiros. A título de exemplo, foi convidada para a mesa Travestilidade e transexualidade – a luta por visibilidade, da Semana Rainbow da UFJF, de 2017. No mesmo evento, apresentou o show Divas da Canção. Também foi convidada para o bate papo sobre Memórias e afetos ao lado de Anyky Lima no II Seminário Velhices LGBT: expressões da violência contra pessoas idosas, construído em 2018 pela organização não governamental EternamenteSOU.

Sua relevância cultural também é observável através de seus trabalhos publicitários. Neste sentido, mencionamos a divulgação da exibição do longa-metragem Priscilla, A Rainha do Deserto pelo Shell Open Air, em homenagem aos 25 anos do filme. A ação publicitária convidou Jane Di Castro, Eloína dos Leopardos, Waléria Araújo e Rita Cadillac, em 2019, para sair do Rio de Janeiro em uma van com o intuito convidar pessoas à exibição do filme em São Paulo, no maior cinema a céu aberto do mundo.

Importa mencionar mais um de seus diversos trabalhos, desta vez em parceria com o Programa Rio Sem Homofobia. Em 2010, Jane Di Castro percorreu mais de 25 municípios do estado do Rio de Janeiro para o lançamento e a divulgação da campanha Um lugar tão maravilhoso como o Rio não combina com Discriminação. Conforme descrito na Justificativa do Projeto de Resolução no. 610, de 13 de março de 2018, com o intuito de conceder a Medalha Tiradentes à atriz, Jane Di Castro teria contribuído “emprestando a sua voz para a causa da cidadania LGBTI, cantando desde Blues da Piedade (de Cazuza) a La Vie en Rose (de Edith Piaf), sem deixar de entoar o símbolo- pátrio, que, em sua interpretação singular, toma um lugar material de afetividade e força.” O Projeto foi convertido na Resolução no 570/2018, concedendo a Medalha Tiradentes e seu respectivo diploma à ilustríssima cantora e atriz brasileira Jane Di Castro.

Jane Di Castro faleceu, viúva, em 22 de outubro de 2020, em decorrência de complicações do câncer. Conforme entrevista ao programa Atos, da TV Brasil, encerrou sua vida satisfeita com sua trajetória, ainda que tenha enfrentado dificuldades no início. Para a Agência Brasil, Jane relatou que: “Na época, era uma ferida aberta. Demorou muito a cicatrizar, mas não tem marca nenhuma. Ela cicatrizou totalmente. Hoje, eu sou feliz, porque a felicidade é a realização. Eu me realizei. Eu viajei o mundo como artista. A arte me trouxe essa possibilidade de conhecer o mundo, o Brasil”.

A artista definitivamente deixa saudades aos que a conheciam através de sua arte, sua atuação política e sua vida pessoal. Destaca-se que era querida pelo movimento LGBTQIA+ carioca, contribuindo ativamente ao longo de sua vida. Conforme exposto pela reportagem da Agência Brasil: “a atriz transexual tinha papel de destaque na Parada LGBTI de Copacabana, sendo responsável por cantar o Hino Nacional todos os anos a convite do Grupo Arco-Íris (GAI), organizador da manifestação. O coordenador do grupo, Cláudio Nascimento, lamentou que ’morreu a grande diva da Cidadania e Cultura LGBT’”.

Em sua homenagem, o antigo Teatro Café Pequeno foi renomeado Teatro Jane Di Castro, localizado no Leblon, Rio de Janeiro. A alteração ocorreu através da Lei no. 6.983, de 5 de julho de 2021, fruto da conversão do Projeto de Lei no. 1.978, de 5 de novembro de 2020, proposta pelo Vereador Jorge Felippe, do partido União Brasil.

Jane Di Castro também foi homenageada em 6 de abril de 2022 através da cerimônia de entrega da Medalha Tiradentes e do Prêmio Cidadania, Direito e Respeito à Diversidade a artistas e profissionais que promovem os direitos de cidadania e cultura LGBTQI+ no Rio de Janeiro. Conforme publicação da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), divulgando a homenagem de sua Comissão de Combate às Discriminações: “A solenidade será dedicada in memoriam a Jane Di Castro, cantora e atriz trans que idealizou a premiação com o amigo e presidente do Grupo Arco-Íris, Cláudio Nascimento. A iniciativa é do deputado Carlos Minc (PSB).”

Palavras-Chave/TAG: #travesti #política #teatro #cinema #trans

Elaborado por: Emilson Gomes Junior

REFERÊNCIAS

  • Produções acadêmicas:

LION, Antonio de. Corpo e corporeidade nas performances de transformistas no Brasil – do teatro de revista para boates. História e Democracia: precisamos falar disso. XXIV Encontro Estadual da Associação Nacional de História – Seção São Paulo, ANPUH/SP. Guarulhos. 2018.

NEVES, Marcelo Saldanha das. Performance, porrada e purpurina: histórias e memórias LGBT+ em recentes documentários brasileiros. Programa de Pós-Gradução em Ciências Sociais, Universidade Estadual de Maringá. Maringá. 2019. Disponível em: www.pgc.uem.br/arquivos-dissertacoes/marcelo-saldanha-das-neves_compressed.pdf. Acesso em 17 jun de 2023.

SOLIVA, Thiago Barcelos. Sobre o talento de ser fabulosa: os “shows de travesti” e a invenção da “travesti profissional”. Cadernos Pagu n. 53. São Paulo. 2018. Disponível em: n53a14 (scielo.br). Acesso em 17 jun de 2023.

  • Sites:

Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Projeto de Resolução no. 610/2018. Ementa: concede a Medalha Tiradentes e seu respectivo diploma a ilustríssima cantora e atriz brasileira Jane Di Castro. Autor: Deputado Carlos Minc. Disponível em: ALERJ – Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Acesso em 17 jun de 2023.

BRAGA, Lauriberto Carneiro. Morre cantora Jane di Castro. Blog do Lauriberto. 2020. Disponível em: Morre cantora Jane di Castro (blogdolauriberto.com). Acesso em 17 jun de 2023.

Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Lei no. 6.983, de 5 julho de 2021. Dá o nome de Jane Di Castro (atriz, cantora, ativista – 1947/2020) ao Teatro Café Pequeno, localizado no Bairro do Leblon, no Município do Rio de Janeiro. Autor: Vereador Jorge Felippe. Rio de Janeiro, 2021. Disponível em:  Lei Ordinária (camara.rj.gov.br). Acesso em 17 jun de 2023.

Extra. Morre Jane di Castro, aos 73 anos de idade. 2020. Disponível em: Morre Jane di Castro, aos 73 anos de idade (globo.com). Acesso em 17 jun de 2023.

Famosos Que Partiram. Jane Di Castro. 2020. Disponível em: Famosos Que Partiram: Jane di Castro. Acesso em 17 jun de 2023.

Grupo Arco-Íris Perfil I. AGORA JANE DI CASTRO É TEATRO. 2021. Disponível em: Grupo Arco-Íris Perfil I – AGORA JANE DI CASTRO É TEATRO É o primeiro teatro do país que terá o nome de uma artista trans. Nesta terça (13/07) Ontem (13/07), integrantes da diretoria do Grupo Arco-Íris de Cidadania LGBTI+ se reuniu com o @vereadorjorgefelippe O vereador é autor da Lei que alterou o nome do Teatro Café Pequeno para Teatro Jane Di Castro. Na conversa, a diretoria do Grupo agradeceu ao vereador pela iniciativa e também propôs ações envolvendo a própria lei e apresentou propostas de leis e outras possibilidades legislativas. Para Cláudio Nascimento, presidente do Grupo Arco-Íris, “a iniciativa do vereador em homenagem a artista, cantora e ativista Jane Di Castro e a aprovação da Câmara Municipal do Rio da lei foi recebida por nós do Grupo Arco-Íris, classe artística, amigos e familiares com enorme alegria e satisfação. Jane Di Castro, foi uma grande diva nos palcos e na vida. Ela sempre usou a sua voz para valorizar as artes e se posicionar contra a discriminação. Sempre defendeu a cultura e arte LGBTI+ e foi muito presente nas ações de nossa entidade. Com essa homenagem, a diva agora é teatro. Viva o Teatro Jane Di Castro”. A reunião aconteceu no gabinete do vereador na Camara Municipal do Rio. Na foto, Cristina Furst @cristinafurst.escritora , Patricia Esteves, Alexandre Castilho @castilho_ale | Facebook. Acesso em 17 jun de 2023.

LISBOA, Vinícius. Morre atriz e cantora Jane di Castro, no Rio de Janeiro. Agência Brasil: Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: Morre atriz e cantora Jane di Castro, no Rio de Janeiro (ebc.com.br). Acesso em 18 jun 2023.

MORATELLI, Valmir. Casada por mais de cinco décadas, Jane de Castro ficou viúva. Veja. 2018. Disponível em: Casada por mais de cinco décadas, Jane de Castro ficou viúva | VEJA (abril.com.br). Acesso em 17 jun de 2023.

Museu da TV. Jane Di Castro. 2020. Disponível em: JANE DI CASTRO – Museu da TV, Rádio & Cinema. Acesso em 17 jun de 2023.

OLIVEIRA, Fábia. Van tresloucada. O Dia. 2019. Disponível em: rjd190004.indd (crc.org.br). Acesso em 17 jun de 2023.

O Tempo. Biografia de Jane di Castro revelará que atriz teve romance com militar. 2020. Disponível em: Biografia de Jane di Castro revelará que atriz teve romance com militar | O TEMPO. Acesso em 17 jun de 2023.

Semana Rainbow da UFJF 2017. Travestilidade e transexualidade – a luta por visibilidade; Jane Di Castro no show Divas da Canção. 2017. Disponível em: Microsoft Word – SEMANA RAINBOW – UFJF.docx. Acesso em 17 jun de 2023.

TV Saudades. Jane Di Castro (73 anos). 2020. Disponível em:  TV SAUDADES : JANE DI CASTRO (73 anos). Acesso em 17 jun de 2023.

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