• Maria Felipa de Oliveira (1940 – 2009)

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11 de julho de 2025 por 

Lider popular, heroína da Independência  

Maria Felipa de Oliveira, possivelmente descendente de sudaneses, nasceu na Ilha de Itaparica (BA), em 04 de setembro de 1940. Atuando com as mulheres dessa ilha, Maria Felipa transformou a maré da luta pela Independência do Brasil com coragem, astúcia e resistência popular. No ano de 1823, por volta dos vinte anos de idade, Maria Felipa liderou um levante inusitado e poderoso. À frente de cerca de quarenta mulheres conhecidas como “vedetas”, ao lado de pescadores, lavadeiras, homens livres e indígenas, ela sabotou embarcações de guerra portuguesas atracadas na Praia do Convento, em Itaparica. Utilizando galhos de cansanção — planta nativa que provoca ardência intensa e queimaduras —, emboscadas nos manguezais e táticas de guerrilha aprendidas com o cotidiano das marés, Maria Felipa não apenas resistiu, mas infligiu derrotas simbólicas e materiais ao projeto colonial português. Foram ao todo 42 embarcações incendiadas, desmantelando a ofensiva lusitana que tentava reassumir o controle de Salvador.

Segundo Schuma Schumaher “Ali, liderou a luta do povo, atacou barcos portugueses ancorados no local, atraiu e desmoralizou tropas inimigas liderando homens e mulheres, negros e indígenas nas batalhas contra o ocupante. As armas que usavam eram quase sempre seus instrumentos de trabalho – facas de cortar baleia e peixeiras – ou pedaços de pau e galhos com espinhos. As mulheres seduziam os portugueses, levavam pra uma praia, faziam com que eles bebessem, os despiam e davam uma surra de cansanção”.

Ao longo dos séculos, seu nome foi sistematicamente apagado dos livros de história, não por acaso, mas por um projeto político de apagamento das mulheres negras e do protagonismo popular nos grandes feitos da nação. Maria Felipa é um símbolo radical da insurgência contra o racismo, o colonialismo e o patriarcado. Schuma explica como seu nome sobreviveu a despeito da tentativa sistemática de apagar mulheres negras da história nacional: “Entretanto, Maria Felipa resistiu, principalmente graças a tradição oral das mulheres afrodescendentes da Ilha, que buscaram formas de reconhecimento, valorização e propagação de sua contribuição na derrota e expulsão dos portugueses de Itaparica e da Bahia.”

Sua ação é uma das mais emblemáticas da guerra de independência na Bahia. Porém, diferentemente dos heróis exaltados nos monumentos oficiais, Maria Felipa representava tudo o que o Brasil escravocrata e patriarcal queria esconder: uma mulher negra, do povo, sem posses ou cargos, cuja luta não era conduzida por discursos, mas por prática, suor, estratégia e solidariedade. Assim, hoje vivemos o resgate de sua memória e de seu legado, assim como a memória e o legado de suas companheiras de Itaparica.

O historiador Ubiratan Castro de Araújo lembra que sua participação “foi bastante ativa, não se limitando a discursos inflamados”, sendo marcada pelo uso da “inteligência, coragem e solidariedade” — qualidades fundamentais para uma liderança popular feminina que desafiasse tanto o domínio colonial quanto os limites impostos ao corpo e à voz das mulheres negras da época. Sua ação foi um marco de insubordinação política e estratégica contra a ordem vigente. Sua arma mais poderosa foi o uso dos saberes tradicionais e comunitários, a articulação entre mulheres, a coragem de enfrentar os militares com o corpo e com a terra, com os instrumentos disponíveis na luta cotidiana das trabalhadoras das marés. Em vez de fuzis, cansanção; em vez de cavalaria, redes e marés. Em sua homenagem, o MAST – Museu de Astronomia e Ciências Afins publicou em 2022 texto reflexivo sobre o papel crucial de Maria Felipa e outras mulheres para a conquista da independência brasileira.

Ao morrer em 1873, Maria Felipa já havia sido relegada ao esquecimento por uma história que se queria branca, masculina e elitista. Mas a oralidade afrobrasileira e os ventos da memória popular, das lutas feministas negras e da historiografia crítica vêm corrigindo essa injustiça. Nota-se esse movimento através da criação da Escola Afro-Brasileira Maria Felipa, idealizada por Bárbara Carine, doutora em química e diretora do colégio.

Há algumas produções artísticas que demonstram a relevância e atualidade de Maria Felipa, como o Maria Felipa Cast – podcast de Adriana Gouveia no Spotify –, o episódio Maria Felipa, a guerreira da independência – com Josyara, do podcast Calunguinha, e o sexto episódio da temporada do podcast Ciência para Ouvir!, da Casa da Ciência da UFRJ, na temporada Mulheres da Independência.

Hoje, Maria Felipa é reconhecida como símbolo da resistência anticolonial e da força das mulheres negras na construção da independência brasileira. Tal é observado também nas palavras de Ana Lúcia da Silva em sua tese de doutorado, relembrando que até mesmo a Mangueira homenageou Maria Felipa e outras heroínas negras no carnaval: “Por exemplo, os caboclos e as caboclas de 02 de julho, indígenas, negros, populares, mulheres como Maria Quitéria de Jesus (que se trajou como “homem-soldado” e posteriormente foi condecorada por D. Pedro I), Joana Angélica, Maria Felipa Oliveira, entre outros sujeitos anônimos que resistiram, lutaram e expulsaram as tropas portuguesas de Salvador – Bahia, em 1823, reafirmando a Independência do Brasil. […] Assim, a Mangueira com o enredo, o samba-enredo e a Arte carnavalesca apresentou outros olhares para a História do Brasil, ou seja, narrativas anticoloniais e decoloniais, dando visibilidade aos indígenas, ao povo negro, as mulheres, principalmente as mulheres negras, tais como Maria Felipa, Esperança Garcia, Luiza Mahin, Marielle Franco, entre outras.”

Resgatar Maria Felipa de Oliveira não é apenas um exercício de justiça histórica: é, sobretudo, um gesto político de afirmação da centralidade das mulheres negras na luta por liberdade, por soberania e por um Brasil mais justo. Maria Felipa não apenas fez história — ela desafiou, e desafia, o modo como a história é vivida e contada.

Texto Adaptado do verbete contido no livro Mulheres Negras do Brasil por: Emilson Gomes Junior e Schuma Schumaher.

Palavras-Chave/TAG: #racismo #classismo #antirracismo #lutadeclasse #independencia #historia #mulheresnegras #heroinadaindependencia

REFERÊNCIAS:

  • Produções acadêmicas:

SCHUMAHER, Schuma; VITAL BRASIL, Érico. Mulheres Negras do Brasil. Senac Editora: Rio de Janeiro, 2006. Disponível em: Mulheres Negras do Brasil 9788574582252 – DOKUMEN.PUB. Acesso em 08 dez 2022.

SILVA, Ana Lúcia da. A opinião pública sobre as vozes negras abolicionistas e as escrevivências de Maria Firmina dos Reis na perspectiva da nova história política. Maringá: UEM – Universidade Estadual de Maringá, 2023. Disponível em: ana-lucia-da-silva.pdf. Acesso em 2 jul 2025.

  • Sites:

2 de julho e as heroínas: Maria Felipa, Maria Quitéria e Joana Angélica. Contee – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino, 2 de julho de 2025. Disponível em:  2 de julho e as heroínas: Maria Felipa, Maria Quitéria e Joana Angélica – CONTEEe. Acesso em 2 jul 2025.

CALUNGUINHA. Maria Felipa, a guerreira da independência – com Josyara. Spotify, 28 de julho de 2023. Disponível em: Maria Felipa, a guerreira da independência – com Josyara – Calunguinha | Podcast on Spotify. Acesso em 2 jul 2025.

GOUVEIA, Adriana. Maria Felipa Cast. Spotify. Disponível em: Maria Felipa Cast | Podcast on Spotify. Acesso em 2 jul 2025.

Já estão disponíveis os últimos 3 episódios da temporada “Mulheres na Independência” do podcast Ciência para Ouvir! Instagram, casadacienciadaufrj, 23 de junho de 2022. Disponível em: Instagram. Acesso em 2 jul 2025.

Maria Felipa de Oliveira – Uma heroína da independência. MAST – Museu de Astronomia e Ciências Afins, 7 de maio de 2022. Disponível em: Maria Felipa de Oliveira – Uma heroína da independência — Museu de Astronomia e Ciências Afins – MAST. Acesso em 2 jul 2025.

Umbu Podcast recebe Bárbara Carine, a “Intelectual Diferentona”. Notícia Preta, 14 de junho de 2023. Disponível em: Umbu Podcast recebe Bárbara Carine, a “Intelectual Diferentona”. Acesso em 2 jul 2025.

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