• Maria Quitéria de Jesus (1792 – 1853)

  • Voltar
11 de julho de 2025 por 

Heroína da Independência e primeira mulher militar do Brasil

Maria Quitéria de Jesus nasceu a 27 de julho de 1792, no sítio Licurizeiro em São José das Itapororoca, município de Cachoeira, Bahia. Alguns historiadores divergem quanto a sua filiação; é mais provável que tenha sido a filha primogênita dos brasileiros Quitéria Maria de Jesus e Gonçalo Alves de Almeida. Ficou órfã de mãe aos 9 anos, em fevereiro de 1802, quando assumiu o comando da casa e o cuidado de seus dois irmãos menores. Seu pai, preocupado com o amparo das crianças, se casou pela segunda vez, unindo-se logo com Eugênia Maria dos Santos. Infelizmente, Eugênia logo faleceu, deixando saudades nos enteados com quem tão bem se relacionou. Tornando-se viúvo pela segunda vez em tão pouco tempo, Gonçalo vendeu o sítio, comprando a fazenda Serra da Agulha, onde acomodou a família e prosperou na criação de gado e no plantio de algodão. Ali se casou pela terceira vez, com Maria Rosa de Brito, e teve mais três filhos. À essa altura, Maria Quitéria já era uma mulher bonita, que montava, caçava, manejava armas de fogo e dançava lundus com os escravos.

Segundo o historiador Bernardino José de Souza, no dia 6 de setembro de 1822, instalou-se na Vila de Cachoeira, na Bahia, a 80km da Serra da Agulha, o Conselho Interino do Governo da Província, composto de representantes de várias localidades vizinhas. Esse grupo tratou de enviar mensageiros pela região para informar o que se passava no movimento pró-independência na Bahia, visando obter adesões voluntárias para engrossar as tropas que lutavam pela causa. Um desses emissários visitou a fazenda de Gonçalo, que o escutou atenciosamente, lastimando não ter filhos homens em idade para os combates. Maria Quitéria, ouvindo toda a conversa, solicitou ao pai a permissão para se alistar, tendo como resposta a advertência de que as mulheres fiam, tecem, bordam, e não vão à guerra. Determinada, mesmo diante da recusa paterna, deixou a fazenda e foi procurar auxílio na casa de sua irmã Teresa, que a socorreu, providenciando o corte dos cabelos e fazendo com que seu marido, José Cordeiro de Medeiros, lhe emprestasse a farda, levando-a em seguida para Cachoeira, onde os batalhões aguardavam as ordens para lutar.

Adotou então o nome de seu cunhado, soldado Medeiros, e ingressou no Regimento de Artilharia, porém poucas semanas depois foi descoberta, pois seu pai estava a sua procura em todos os cantos daquela região. Com o fim do disfarce, Maria Quitéria foi transferida para o Batalhão dos Periquitos, apelido dado pelo verde dos punhos e golas do uniforme utilizado, e à sua farda acrescentaram um saiote. Maria Quitéria bravamente lutou na Primeira Divisão, atacou trincheiras inimigas e fez prisioneiros nas localidades de Conceição, Pituba e Itapuã, em Salvador, liderando um grupo de mulheres.

Destacou-se desde o começo por sua bravura e destreza no manejo das armas. Seu batismo de fogo aconteceu no combate da Pituba e, em fevereiro de 1823, no confronto em Itapuã, foi citada na ordem do dia por ter atacado uma trincheira inimiga e feito muitos prisioneiros. Segundo a historiadora Consuelo Pondé de Sena, após esse embate foi promovida a 1ª cadete e, em abril do mesmo ano, foi mais uma vez reconhecida por sua coragem, pois na barra do Paraguaçu, ao lado de outras mulheres, com as águas na altura dos seios, avançou em direção a uma barca portuguesa, impedindo o desembarque dos adversários. Pouco antes, no dia 31 de março de 1823, o Conselho Interino do governo da Província havia entregado-lhe uma espada e seus acessórios, simbolizando o reconhecimento por sua atuação como soldado.

A 2 de julho de 1823, o Exército Libertador entrou na cidade de Salvador, sendo aclamado pela população, que prestou homenagens aos comandantes e à heroína Maria Quitéria de Jesus. Logo depois, a brava combatente embarcou para o Rio de Janeiro, onde foi receber cumprimentos do imperador, que a condecorou com a insígnia dos Cavaleiros da Imperial Ordem do Cruzeiro, concedendo-lhe também o título de Alferes e o direito a um soldo de alferes de linha. Nessa mesma ocasião, Maria Quitéria pediu a D. Pedro I uma carta solicitando ao pai que a perdoasse pela desobediência. Durante a sua estada na corte, encontrou-se com a escritora inglesa Maria Graham, tutora das princesas, que traçou posteriormente uma minuciosa descrição dela: “Maria de Jesus é iletrada, mas viva. Tem a inteligência clara e a percepção aguda. Penso que se a educassem, viria a ser uma personalidade notável. Nada se nota de masculino nos seus modos, antes os possuía gentis e amáveis. (…) Nada notei de peculiar no seu procedimento à mesa, (…) e que fume um cigarro após cada refeição. No mais, muito moderada.”

Retornou à fazenda Serra da Agulha, onde foi recebida orgulhosamente por seu pai e que em pouco tempo se transformou em um local de peregrinação, pois a população estava ansiosa para conhecer a heroína do sertão. Meses depois, casou-se com o modesto lavrador Gabriel Pereira de Brito, que, como dote, recebeu um “escravo” e dois animais. O casal teve uma única filha, Luísa Maria da Conceição, e viveram durante anos naquela região com maior simplicidade. Maria Quitéria, já viúva, em 1835, mudou-se para Feira de Santana, a fim de intervir no inventário de seu pai, porém nunca chegou a usufruir de sua parte na herança, pois esse processo só foi concluído após sua morte.

Anos depois, devido à enorme morosidade da Justiça, decidiu ir para Salvador, onde morou pelo resto de sua vida com sua filha, sobrevivendo exclusivamente do seu soldo de alferes. Faleceu quase cega aos 61 anos, no dia 21 de agosto de 1853, em Salvador.

Ao longo desses anos, inúmeras homenagens foram prestadas a essa mulher soldado: diversas ruas, praças e avenidas em várias cidades brasileiras foram chamadas de Maria Quitéria. Existem, uma medalha militar e uma comenda da Câmara Municipal de Salvador com seu nome e, por determinação ministerial, sua imagem figura em todos os quartéis, estabelecimentos e repartições militares do país. Destaca-se que a Comenda Maria Quitéria tem sido conferida em linha com a memória de Maria Quitéria, como em 2023, quando a honraria foi entregue a mulheres destaques na defesa da cidadania feminina. Além da Comenda, há também a Medalha Maria Quitéria, condecoração do Senado Federal destinada a homenagear mulheres que se destacam na luta pela igualdade de gênero, instituída através da Resolução do Senado Federal nº 40, de 16 de novembro de 2022, celebrando o Bicentenário da Independência do Brasil. Maria Quitéria faz parte do panteão da história como a heroína da Independência do Brasil e Patrona do Quadro Complementar de Oficiais do Exército Brasileiro, segundo o decreto presidencial de 28 de junho de 1996.

Hoje, Maria Quitéria é celebrada em diversas ocasiões, especialmente no dia 2 de julho. Em sua cidade natal, Feira de Santana, Maria recebe anualmente inúmeras homenagens de seus conterrâneos. Há até mesmo o distrito de Maria Quitéria na cidade, onde em 2025 há programação especial nesse dia 02 de julho de celebração ao legado de Maria Quitéria de Jesus e a Independência do Brasil, com atividades em parceria entre a Prefeitura de Santana, o Instituto Histórico e Geográfico do Município e o 35º BI – Batalhão da Infantaria, além da população do distrito de Maria Quitéria.

Ainda em julho de 2025, a SPM – Secretaria de Políticas para as Mulheres da Bahia utilizou artes plásticas para homenagear as heroínas da independência Maria Quitéria, Maria Felipa, Joana Angélica e Catarina Paraguaçu – conhecida como A Cabocla. Já no Dia Internacional da Mulher de 2023, o CNOR – Conselho Nacional de Oficiais da Reserva celebrou a data homenageando Maria Quitéria. Uma homenagem curiosa é percebida com as irmãs de Feira de Santana chamadas Maria Quitéria, Joana Angélica e Ana Nery – sendo as 2 primeiras homenagens a heroínas da independência e a última sendo uma homenagem à mulher pioneira na enfermagem no Brasil.

Notável que sua popularização hoje a faz ser chamada popularmente de “Mulan baiana”, em referência à personagem da Disney. Segundo o historiador Ricardo Carvalho: “(É) a Mulan brasileira. Mesmo à revelia dos pais, ela consegue se disfarçar de homem, usar a farda de um cunhado e adotar o nome fictício de soldado Medeiros.” Podemos, ainda, refletir a semelhança entre Maria Quitéria com outra militar, essa da vida real: Joana D’Arc, líder militar que teve papel crucial na Guerra dos Cem Anos, infelizmente queimada viva como bruxa e posteriormente beatificada pela Igreja Católica Apostólica Romana como santa padroeira da França. Felizmente, diferente de Mulan, Maria Quitéria é uma heroína da vida real – e, diferente de Joana D’Arc, Maria Quitéria foi reconhecida desde quando atuava na Independência até o final de sua vida.

Celebremos, então, essa mulher que transgrediu convenções sociais e regras militares para realizar seu desejo de ocupar espaços incomuns para as mulheres e se tornar uma das chamadas heroínas da Independência do Brasil.

Texto Adaptado do verbete contido no Dicionário Mulheres do Brasil por: Emilson Gomes Junior e Schuma Schumaher.

Palavras-Chave/TAG: #independencia #liberdade #exercito #politica #heroinadaindependência #heroina #mulhersoldado # mulanbrasileira

REFERÊNCIAS:

  • Produções acadêmicas:

SCHUMAHER, Schuma; BRAZIL, Érico Vital. Dicionário Mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade, biográfico e ilustrado. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

  • Sites:

2 de julho e as heroínas: Maria Felipa, Maria Quitéria e Joana Angélica. Contee – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino, 2 de julho de 2025. Disponível em:  2 de julho e as heroínas: Maria Felipa, Maria Quitéria e Joana Angélica – CONTEEe. Acesso em 2 jul 2025.

ARTUR, Francisco. 2 de julho: como a “Mulan baiana” protegeu a independência do Brasil. Brasília, DF: Correio Brasiliense, 2 de julho de 2023. Disponível em: 2 de julho: como a “Mulan baiana” protegeu a independência do Brasil. Acesso em 2 jul 2025.

BRASIL. Senado Federal. Resolução do Senado Federal nº 40 de 16/11/2022. Brasília, DF, 16 de novembro de 2022. Disponível em: Legislação Federal – Senado Federal. Acesso em 2 jul 2025.

Conheça as homenagens dos feirenses para Maria Quitéria. Rede Globo, 3 de julho de 2023. Disponível em: Conheça as homenagens dos feirenses para Maria Quitéria | Conexão Bahia | Rede Globo. Acesso em 2 jul 2025.

Feira de Santana: Distrito de Maria Quitéria celebra Independência da Bahia com programação especial. Feira de Santana: Jornal Grande Bahia, 30 de junho de 2025. Disponível em: Feira de Santana: Distrito de Maria Quitéria celebra Independência da Bahia com programação especial – Jornal Grande Bahia (JGB). Acesso em 2 jul 2025.

FERREIRA, Vagner. 2 de Julho: Irmãs têm nomes em homenagem às heroínas da Independência; saiba detalhes. Salvador: B News, 2 de julho de 2025. Disponível em: 2 de Julho: Irmãs têm nomes em homenagem às heroínas da Independência; saiba detalhes. Acesso em 2 jul 2025.

MAGALHÃES, Jorge. Homenagens à Maria Quitéria marcam programação do Bicentenário da Independência da Bahia. Feira de Santana: Secretaria Municipal de Comunicação Social de Feira de Santana, 2 de julho de 2023. Disponível em: Homenagens à Maria Quitéria marcam programação do Bicentenário da Independência da Bahia. Acesso em 2 jul 2025.

Maior honraria concedida pela Câmara, Comenda Maria Quitéria é entregue a mulheres destaques na defesa da cidadania feminina. Feira de Santana: Câmara Municipal de Feira de Santana, 2 de agosto de 2023. Disponível em: Câmara Municipal de Feira de Santana. Acesso em 2 jul 2025.

Maria Quitéria. Mundo Educação. Disponível em: Maria Quitéria: quem é, história, importância – Mundo Educação. Acesso em 2 jul 2025.

MONTEIRO, Sérgio Pinto. Maria Quitéria – Homenagem ao Dia Internacional da Mulher. CNOR – Conselho Nacional de Oficiais da Reserva, 8 de março de 2023. Disponível em: Maria Quitéria – Homenagem ao Dia Internacional da Mulher – CNOR. Acesso em 2 jul 2025.

NUNES, Maylla. Cidade baiana onde nasceu Maria Quitéria, heroína nacional, preserva legado em memorial, monumentos e mais; veja lista. Feira de Santana: G1, 2 de julho de 2025. Disponível em: Cidade baiana onde nasceu Maria Quitéria, heroína nacional, preserva legado em memorial, monumentos e mais; veja lista | Feira de Santana e Região | G1. Acesso em 2 jul 2025.

Santa Joana d’Arc: camponesa, guerreira e santa. Santo do Dia, Cançao Nova. Disponível em: Santa Joana d’Arc: camponesa, guerreira e santa. Acesso em 2 jul 2025.

Senado vai homenagear mulheres com Medalha Maria Quitéria. Brasília, DF: Agência Senado, 8 de novembro de 2022. Disponível em: Senado vai homenagear mulheres com Medalha Maria Quitéria — Senado Notícias. Acesso em 2 jul 2025.

SPM leva artes plásticas ao 2 de julho em homenagem às heroínas da Independência. Salvador: Governo do Estado da Bahia, 1º de julho de 2025. Disponível em: SPM leva artes plásticas ao 2 de julho em homenagem às heroínas da Independência. Acesso em 2 jul 2025.

Categoria: Biografias - Comentários: Comentários desativados em Maria Quitéria de Jesus (1792 – 1853)