• Mariana: mulheres são as principais atingidas pelo colapso da barragem de 2015

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13 de maio de 2024 por 

  Emilson Gomes Junior

As multinacionais BHP Billiton e Vale hoje respondem judicialmente pela reparação de danos aos mais de 700.000 indivíduos vítimas do rompimento da barragem da Mina de Fundão. Em 18 de abril de 2024, tornou-se notícia em todo o mundo que o ex-chefe de divisão da BHP e ex-integrante do conselho de administração da Samarco, Marcus Randolph, enviou a seguinte mensagem a Andrew Mackenzie (então diretor executivo) e Jimmy Wilson (então diretor de minério de ferro): “Fico muito triste ao ler sobre o rompimento da barragem de rejeitos da Samarco. Há cerca de 3 a 4 anos, a pedido da BHP, o conselho da Samarco fez um relatório independente sobre a segurança da barragem. Seus resultados foram apresentados no conselho da Samarco.”

O trecho acima, traduzido por Léo Rodrigues da Agência Brasil, deixa claro que a BHP sabia das chances reais do rompimento da  barragem Mina de Fundão. Provavelmente, compreenderam que seria mais caro fazer algo a respeito do que deixar a barragem colapsar. Assim, 19 pessoas faleceram, mais de 360 famílias se deslocaram e a lama tóxica arrasou com casas, plantações e animais. Destaca-se que as empresas Vale e BHP, processadas pelo escritório de advocacia Pogust Goodhead no Reino Unido, propuseram em maio de 2024 um acordo ao governo brasileiro, sem reparação às vítimas. A União e o estado do Espírito Santo prontamente recusaram o acordo, enquanto Minas Gerais pediu sua revisão. Em todo o caso, fica evidente o descaso das empresas com as famílias atingidas, especialmente às mulheres, frente aos dados descritos a seguir.

A Dra Claudia Débora Diana da Rosa, psicóloga, relembra que este episódio – fruto da apatia das empresas perante os riscos de morte e destruição, em 2015 concretizados – é reconhecido como o maior crime socioambiental do Brasil. Houve o despejo de mais de 80 milhões de toneladas de resíduos de minério de ferro na bacia do Rio Doce. Esse território, sagrado há milênios para incontáveis nações indígenas, foi brutalmente devastado por BHP, Vale e Samarco. Foram 663 km de rios atingidos, com 77 km de assoreamento dramático e destruição de 1.469 hectares de vegetação, inclusive APPs – Áreas de Preservação Permanente. A lama das empresas BHP, Vale e Samarco também causaram danos irreparáveis aos corais do Parque Nacional de Abrolhos, na Bahia, sendo este o recife de corais mais importante do Atlântico Sul. A UFMG produziu reportagem sobre a tese de doutorado da psicóloga, revelando ao público como as mulheres são as mais atingidas pelas ações de BHP, Vale e Samarco.

Há uma série de violências que impactam de forma machista as mulheres vítimas das atividades econômicas destrutivas da BHP, da Vale e da Samarco. Além de sofrer com a destruição dos territórios e modos de vida de suas populações, as mulheres foram são desde 2015 sobrecarregadas com a economia do cuidado. As empresas geraram novos afazeres domésticos para elas, agora incumbidas de cuidas das pessoas que adoeceram em razão do rompimento da barragem. Aliás, pesquisa da UFMG demonstra que 13,9% das mulheres vítimas de BHP, Vale e Samarco têm o diagnóstico de Transtorno de Estresse Pós-Traumático. A prevalência do transtorno é de 8,6% em homens. Mesmo tamanha devastação atingindo a todos imensuravelmente, mulheres ainda assim experienciam maior adoecimento.

Para a UFMG, a Dra Claudia Débora Diana da Rosa relata que o machismo atingiu as mulheres até mesmo na concessão de cartões de auxílio financeiro mensal, concecidos para inicialmente compensar as vítimas, segundo o discurso empresarial. A pesquisadora revela que os cartões foram prioritariamente entregues aos homens. Similarmente, as atividades informais exercidas por muitas mulheres – como corte de cabelo, produção de doces, artesanato, tarefas na lavoura e pesca – não foram reconhecidas como perda de trabalho e renda para efeito desta indenização. Nesse sentido, Thomas Goodhead, CEO e sócio administrador global do escritório de advocacia Pogust Goodhead, assim afirmou no evento O Longo Caminho para a (In)Justiça e Reparações, realizado na prestigiada Universidade de Harvard: “Eu diria que houve dois crimes em Mariana: há o crime do dia 5 de novembro de 2015 e há o crime em curso há oito anos e meio sobre a vitimização, discriminação e insulto às vítimas. E ainda estão de lado o meio ambiente.” Pogust Goodhead move hoje processos no Reino Unido e na Holanda em busca de reparação pelos danos causados pelas multinacionais BHP e Vale.

Sobrecarregadas com a economia do cuidado, as mulheres enfrentam desafios particulares para enfrentar vitimização, discriminação e insulto contra elas, suas famílias e suas comunidades. A Dra Claudia Débora Diana da Rosa relembra que a participação em qualquer reunião relacionada à disputa judicial sobrecarrega a mulher, pois a urgência de batalhar por seus direitos gera afazeres acumulados. Inegável também reconhecer a dificuldade dessas mulheres em relembrar e reviver esses traumas, especialmente diante de novas provas demonstrando que seus maridos, filhos e amigos faleceram por apatia das empresas responsáveis pelo rompimento da barragem. Mesmo assim, essas mulheres não param, e lutam por justiça para elas e todos os sobreviventes da catástrofe causada por BHP, Vale e Samarco. Portanto, em honra à luta de todas elas, e em honra da vida de todas as mulheres que vieram antes, devemos somar forças para garantir que as ações dessas empresas não saiam impunes. Há o luto pelas vidas inestimáveis que estão ausentes; há o luto pelos danos às matas e águas tão bem cuidadas pelas nações indígenas há milênios; e há a luta necessária para defendermos os direitos de toda a população atingida. Afinal, esta é uma luta feminista, uma luta pelo acesso a direitos humanos para todos.

Palavras-Chave/TAG: #mariana #direitoambiental #saudemental #meioambiente #classismo #antirracismo #lutadeclasse

ROSA, Débora Diana da. Violências e resistências: impactos do rompimento da barragem da Samarco, Vale e BHP Billiton sobre a vida das mulheres atingidas em Mariana/MG. UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais: Belo Horizonte, 2019. Disponível em: Repositório Institucional da UFMG: Violências e resistências: impactos do rompimento da barragem da Samarco, Vale e BHP Billiton sobre a vida das mulheres atingidas em Mariana/MG.. Acesso em 6 mai 2024.

Sites

Ação de R£ 3 bilhões movida contra Vale e Samarco por causa do desastre da barragem de Mariana. Pogust Goodhead Brasil: 19 de março de 2024. Disponível em: Ação de £ 3 bilhões movida contra Vale e Samarco sobre o desastre da barragem de Mariana – Pogust Goodhead. Acesso em 6 mai 2024.

Oito anos depois do desastre da barragem de Mariana. Pogust Goodhead Brasil: 5 de novembro de 2023. Disponível em: Oito anos depois do desastre da barragem de Mariana – Pogust Goodhead. Acesso em 6 mai 2024.

OLIVEIRA, Nielmar de. Lama da Samarco contaminou corais do Parque dos Abrolhos na Bahia. Agência Brasil: Rio de Janeiro, 5 de março de 2019. Disponível em: Lama da Samarco contaminou corais do Parque dos Abrolhos na Bahia | Agência Brasil (ebc.com.br). Acesso em 6 mai 2024.

pogustgoodhead_br. Instagram: 6 de maio de 2024. Disponível em: Pogust Goodhead – Brasil (@pogustgoodhead_br) • Fotos e vídeos do Instagram. Acesso em 6 mai 2024

RODRIGUES, Léo. Depressão atinge 28,9% de vítimas de tragédia em Mariana, diz UFMG. Agência Brasil: Rio de Janeiro, 13 de abril de 2018. Disponível em: Depressão atinge 28,9% de vítimas de tragédia em Mariana, diz UFMG | Agência Brasil (ebc.com.br). Acesso em 6 mai 2024.

RODRIGUES, Léo. Caso Samarco: e-mail revelado em Londres indica que BHP avaliou riscos.

Tragédia de Mariana: União e ES rejeitam proposta de acordo de Vale e BHP. Exame: 3 de maio de 2024. Disponível em: Tragédia de Mariana: União e ES rejeitam proposta de acordo de Vale e BHP | Exame. Acesso em 6 mai 2024.

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