• Mulheres Negras Não Só Cantam e Dançam, Elas Também Escrevem: Uma Análise Sobre o Racismo e Sexismo na Literatura

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7 de fevereiro de 2025 por 

Ana Caroline Macedo Cruz, Erica Cabral de Oliveira, Laysa Gabriele Motta Gomes da Silva

Introdução

Tivemos como referência a questão norteadora: Como os conceitos de racismo e sexismo, a partir de Lélia Gonzalez, influenciam na construção social da mulher negra na sociedade brasileira?

Assim, problematizar, discutir e refletir sobre o que trouxemos como pergunta ao longo do artigo. Lélia Gonzalez foi uma mulher negra, que contribuiu aos montes com suas obras sobre racismo, sexismo e interseccionalidade, destacando a importância de descolonizar o conhecimento, reconhecendo suas diferentes formas e valorizando o papel da mulher negra também nesses espaços.

Discussão Teórica

Ao explorar o universo literário, é vital romper com estereótipos que por muito tempo impuseram as mulheres negras apenas aos papéis de cantoras, dançarinas ou figuras de entretenimento. A voz das mulheres negras na literatura é potente, entretanto, foi historicamente abafada por um sistema opressor, onde o racismo e o sexismo se entrelaçam, perpetuando uma exclusão que extingue a diversidade no mundo dos romances e aniquila quase que totalitariamente o espaço de autoras, e em especial as negras. Até o século XX, não era comum que os livros publicados indiferentemente dos gêneros fossem escritos por mulheres, os postos das mulheres era sempre os mesmos, mães e donas de casa, era comum dissociar intelectualidade do gênero feminino, por isso diversos direitos foram negados a elas, inclusive a do voto que só virá a ser concebido na década de 1930.

Além do direito ao voto, historicamente encontramos as mulheres negras na maior parcela da sociedade que não teve acesso à políticas públicas mínimas, como uma educação de qualidade, saúde, segurança e moradia digna. Tudo isso como parte de um plano premeditado que mantenha essas mulheres nos lugares onde estão, para não terem expectativas de alcançarem os lugares que lhes foram negados a vida toda. Apesar disso, conseguimos encontrar grandes nomes da literatura que conseguiram desenvolver melhor os conceitos para analisarmos todo esse sistema construído sob as pilastras do racismo e do sexismo, como Lélia Gonzalez, Conceição Evaristo, Djamila Ribeiro, entre outras.

Em “Quem tem medo do feminismo negro?” livro publicado pela autora, filosofa e mestra, Djamila Ribeiro, nos deparamos com infelizes ocorrencias vivenciadas e relatadas pela mesma, onde claramente conseguimos enxergar os reflexos de uma estrutura social totalmente inerente ao patriarcado. Logo na introdução de sua obra, RIBEIRO, Djamila (2018); conta como o racismo e o sexismo cruelmente a manteve silenciada por décadas, e quando iniciou sua vida acadêmica, sua família e quase tudo e todos a sua volta não concordavam com o fato de uma mulher preta, mãe de uma criança pequena e faxineira pudesse ocupar esse lugar que sempre pareceu distante e apenas para pessoas bem-sucedidas economicamente.

Essa posição pré estabelecida da mulher como um ser inferior ao homem tanto intelectualmente como fisicamente e moralmente, começou a se propagar pelo mundo a partir de obras de Aristóteles, quando a única função vista como apropriada designada a elas era a procriação. Os homens eram naturalmente virtuosos e dominadores, segundo os estudos da historiadora Gerda Lerner, o filósofo acreditava que as mulheres não evoluíam pelo fato delas terem um sangue mais frio e sujo comparado ao dos homens, e que era impossível um ser tão subalterno como o ser feminino pudesse executar atributos relevantes e importantes para a sociedade.

Esse pensamento antiquado permeou a história, influenciando a construção social das mulheres, em especial as negras. Djamila Ribeiro e outras autoras contemporâneas desafiam essas narrativas opressoras, dando voz às experiências das mulheres negras e desconstruindo estigmas. A literatura, assim, torna-se uma ferramenta de resistência, possibilitando a redefinição de identidades e a quebra de barreiras impostas. Não só isso, torna-se um instrumento de empoderamento, permitindo que as mulheres negras recontem suas histórias e desafiem as narrativas discriminatórias que as mantiveram à margem por tanto tempo. Lélia Gonzalez, por exemplo, abordou a interseccionalidade ao discutir o conceito de “Lugar de Fala”, destacando como as mulheres negras têm suas vozes historicamente silenciadas e marginalizadas.

Nos últimos anos, a literatura brasileira vem sendo enriquecida e ao mesmo tempo confrontada por uma potência chamada Conceição Evaristo, uma mulher preta, professora, escritora, mestra e doutora em letras-literatura, nascida no estado de Minas Gerais, teve uma infância muito humilde e uma família numerosa, onde era a segunda irmã mais velha de nove irmãos. Evaristo, sempre enfrentou diversas dificuldades para ter acesso ao ensino, sua mãe foi a peça chave para que a intelectual afro-brasileira não desistisse de estudar.

Se formou no curso normal aos vinte e cinco anos e desde os seus oito anos de idade já trabalhava como empregada doméstica. Migrou para o Rio de Janeiro em 1973, onde passou em seu primeiro concurso público como professora municipal e quatorze anos mais tarde ingressou na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pensar vida de Conceição Evaristo é pensar vida de mais de 67 milhões de brasileiros que vivem na linha da pobreza atualmente no Brasil segundo o IBGE.

Começou a escrever apenas na década de 1990, quando conheceu o coletivo Quilombhoje e seus companheiros a incentivaram a publicar seus poemas e contos na série Cadernos Negros.

Maria da Conceição Evaristo de Brito, percebe que suas experiências de vida e suas ficções precisam dialogar entre si, e é assim que a autora começa a escrever seus livros com as temáticas que lhe assombravam desde criança, temas esses que não faziam parte apenas de seu cotidiano mas como no cotidiano de milhares de pessoas pretas, faveladas, silenciadas em nossa sociedade. A ausência de protagonismo negro, as violações dos direitos dos indivíduos, a desumanização de um grupo social e o preconceito racial enraizado no nosso país fez com que Conceição Evaristo se visse no lugar de denunciar e escancarar essa crueldade que seu povo tem sido submetido a sobreviver desde a colonização de nossa pátria. Seus romances contemporâneos literários, sempre chegam aos leitores de um modo um tanto quanto impactante pelo fato dos acontecimentos sempre estarem presentes na nossa realidade. Em Ponciá Vicêncio, EVARISTO, Conceição elucida seu público a respeito dos reflexos da escravidão, dando inicio a sua denúncia social quando conta a história de uma jovem neta de ex escravo, de cor e desfavorecida economicamente que sai de casa e vai para a cidade grande em busca de oportunidades, por saber ler e escrever, Ponciá acreditava que teria ótimas oportunidades no mercado de trabalho. Seu irmão Luandi, sempre sonhou em ser soldado, logo após partida de Ponciá para a cidade, ele começa a crer que ao fazer o mesmo que sua irmã, conseguirá o cargo tão desejado. Já na cidade longe de sua mãe, que morria de tristeza pela ausência de seus filhos, Luandi, um homem não letrado e de pele escura, se vê desiludido e o que lhe resta é trabalhar como faxineiro numa delegacia de polícia para não morrer de fome.

Conceição Evaristo, em suas obras, explora a experiência da população marginalizada, e em destaque as vivências de uma mulher preta na sociedade brasileira, desafiando estereótipos e resgatando narrativas que rompem com a exclusão literária, ao narrar as trajetórias de suas personagens, oferece um olhar crítico sobre a relação das opressões enfrentadas por pessoas do gênero feminino e não brancas, com outros pontos da vida. Ao conectar seus conceitos à realidade da negritude no Brasil, Evaristo evidencia as lutas contra o racismo estrutural e a discriminação de gênero. Suas personagens frequentemente enfrentam desafios como a invisibilidade social, a violência e a dificuldade de acesso a oportunidades educacionais e profissionais. Assim, as obras de Conceição Evaristo proporcionam uma reflexão crítica sobre as condições enfrentadas pelas mulheres negras, contribuindo para o debate sobre igualdade e justiça social no contexto brasileiro.

É imperativo reconhecer que a luta dessas autoras vai além do campo literário, permeando a sociedade como um todo, estendendo-se à conquista de direitos básicos que foram historicamente negados. Ao compreendermos a importância de desmantelar preconceitos arraigados na literatura, contribuímos para a construção de uma narrativa mais inclusiva e representativa. Este é um chamado para a valorização e celebração das vozes das mulheres negras na literatura, que não só desafiam, mas também enriquecem a diversidade do universo literário.

Portanto, ao explorar as obras de bell hooks, Conceição Evaristo e autoras contemporâneas como Djamila Ribeiro e Carla Akotirene, deparamo-nos não apenas com a denúncia de desigualdades, mas também com a afirmação do poder transformador da literatura na desconstrução de preconceitos e na promoção da equidade de gênero e raça. Percebemos a capacidade transformadora da escrita como uma ferramenta de subversão. Essas autoras não apenas quebram estereótipos, mas também desmantelam estruturas profundamente enraizadas de racismo e sexismo, oferecendo perspectivas valiosas que desafiam a norma literária estabelecida.

Considerações Finais

Neste contexto, torna-se evidente que a literatura desempenha um papel crucial na desconstrução de estereótipos e na promoção da equidade de gênero e raça. As obras de Lélia Gonzalez, Djamila Ribeiro, e Conceição Evaristo, entre outras, destacam não apenas a denúncia das desigualdades, mas também a capacidade transformadora da escrita como uma ferramenta de quebra de paradigmas e resistência. A literatura dessas autoras desafia narrativas discriminatórias, proporcionando uma reflexão crítica sobre as condições enfrentadas pelas mulheres negras na sociedade brasileira. Conceição Evaristo, em particular, conecta suas experiências pessoais à realidade da negritude no Brasil. Suas obras não apenas resgatam narrativas marginalizadas, mas também contribuem para o debate sobre igualdade e justiça social.

Além do campo literário, a luta dessas autoras transcende, alcançando a conquista de direitos básicos historicamente negados. Ao discorrer sobre preconceitos intrínsecos na literatura, elas contribuem para uma narrativa mais inclusiva e representativa.

Portanto, ao celebrar e valorizar as vozes das mulheres negras na literatura, reconhecemos não apenas a denúncia de desigualdades, mas também a afirmação do poder transformador da escrita na desconstrução de estruturas profundamente enraizadas de racismo e sexismo. Essas autoras oferecem perspectivas valiosas que desafiam a norma literária estabelecida, abrindo caminho para uma sociedade mais justa e igualitária.

Referências

GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, São Paulo, Anuário, pp. 223-243, 1984

RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro? São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

EVARISTO, Conceição. Ponciá Vicêncio. 3° Edição. Brasil. Pallas, 1 de abril de 2017.

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