• Nalu Faria (1958 –2023)

  • Voltar
15 de maio de 2024 por 

Psicóloga, pesquisadora e militante feminista.

Nalu Faria é uma das mais importantes ativistas feministas brasileiras. Ela é reconhecida internacionalmente por estar à frente da MMM – Marcha Mundial de Mulheres desde sua criação aqui no Brasil, por volta do ano 2000. Ela foi uma inspiradora e aguerrida liderança da MMM, desde então. Na entrevista Sobre a Marcha Mundial das Mulheres: entrevista com Nalu Faria, concedida a Carmen Susana Tornquist e Soraya Resende Fleischer, em 2012, Nalu revela que atou na SOF – Sempreviva Organização Feminista desde 1986, desenvolvendo atividades de assessoria e formação feminista com grupos de mulheres, ONGs e gestores públicos. Inclusive, Nalu coordenou diversas publicações da SOF como (i) o boletim Mulher e Saúde, lançado entre 1993 e 2002, (ii) a coleção Cadernos Sempreviva, lançados desde 1997 até hoje, e (iii) o boletim Folha Feminista, lançado desde 1999.

Nalu nasceu em 01 de dezembro de 1958, em Água Comprida, município a 40km de Uberaba, no Triângulo Mineiro, onde viveu até a conclusão do ensino fundamental. Seu ensino médio e seu curso superior foram feitos em Uberaba. Logo no primeiro ano de sua graduação em Psicologia na FIUBE – Faculdades Integradas de Uberaba (atualmente UNIUBE), ela começou a participar do movimento estudantil a partir da luta pelo passe estudantil no transporte público. Logo em seguida, ela ingressou no DCE – Diretório Central dos Estudantes e no Centro Acadêmico de seu curso.

Na entrevista concedida a Carmen e Soraya, supracitada, Nalu revela que participou do PT desde a sua fundação. Nalu veio a São Paulo no final de 1983, nessa época, ela começou a militar na DS – Democracia Socialista, tendência interna do PT. Também passou a participar de um debate mais estruturado sobre o feminismo, desenvolvendo sua militância no trabalho de mulheres nos sindicatos e na CUT – Central Única dos Trabalhadores. Com o início de sua atuação na SOF, em 1986, Nalu atuou na formação feminista e socialista de milhares de militantes do passou a ter muita presença no movimento popular.

Sua trajetória demonstra como ela se envolveu apaixonadamente, de forma entregada, às lutas das mulheres, das estudantes, das trabalhadoras. Nalu Faria construía pontes para a articulação política efetiva, seja na luta de classes, seja no feminismo popular, sua objetividade e irreverência ajudou muito na formação de uma geração de mulheres comprometidas com a transformação social e uma vida digna para todas as pessoas e povos.

No texto Feminismo em marcha para mudar o mundo, Nalu Farias descreve a MMM como um movimento internacional inspirado na manifestação realizada em Quebec, em 1995. 850 mulheres marcharam 200km pedindo, simbolicamente, “Pão e Rosas”. Ela descreve: “A motivação dessa Marcha foi a avaliação de que o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta) estava significando mais empobrecimento entre as mulheres e, ao mesmo tempo, que em mundo globalizado se deveria construir uma resistência mundial. Assim, a Marcha propôs a construção de uma mobilização global de mulheres com uma agenda própria e independente da lógica das Nações Unidas, hegemônica nos anos 1990. A preocupação era justamente como construir uma resposta a partir do movimento social para a ofensiva conservadora que se estabeleceu com as vitórias do neoliberalismo, no momento em que patriarcado e o capitalismo se reforçavam mutuamente.”

Nalu informa que a primeira ação internacional da MMM foi caracterizada como um chamado de longo alcance, visando construir a MMM como um movimento internacional. A Marcha mobilizou milhares de grupos de mulheres em mais de 150 países e territórios em atividades de educação popular e manifestações públicas de apoio às 17 reivindicações mundiais contra a pobreza e a violência. A MMM entregou 5 milhões de assinaturas à ONU – Organização das Nações Unidas, todas coletadas em apoio às 17 reivindicações. Isso ocorreu em 17 de outubro de 2000. Naquele dia, 10 mil mulheres de 80 países marchavam pelas ruas de Nova York. Outras manifestações ocorriam em 40 países, simultaneamente. No dia 16 de outubro de 2000, uma delegação da MMM já havia denunciado as políticas de ajuste estrutural e seus efeitos devastadores sobre a vida das mulheres, frente aos dirigentes do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional.

A MMM é a crítica à mercantilização dos corpos e da vida das mulheres. Ela possibilitou a reflexão sobre conexões entre globalização, empresas transnacionais e o controle sobre o trabalho, os corpos e os territórios. No texto supracitado, no capítulo A MMM na América Latina, Nalu nos informa: “Por exemplo, as mesmas transnacionais que atuam em tecnologias baseadas no controle do corpo e da reprodução também atuam na produção de sementes transgênicas. Da mesma forma, há a conexão entre incremento da militarização e controle dos territórios e bens naturais e a violência contra as mulheres e sua utilização como despojos de guerra.”

Segundo Nalu, a MMM trouxe um debate crítico às causas estruturais da pobreza e também a possibilidade de construir um posicionamento e uma articulação das mulheres sobre a economia. A nível de América Latina, o Brasil deu uma contribuição importante nesse processo ao construir uma abordagem que permitiu a relação entre a questão da globalização com o cotidiano das mulheres de todas as idades. A nível global, esse questionamento permitiu a retomada do debate de classe, consolidando uma crítica anticapitalista que simultaneamente analisa a imbricação entre capitalismo e patriarcado. Importante reafirmar que a construção dessas críticas a nível internacional contou com a atuação de Nalu Farias e suas companheiras que construíram a MMM desde o início.

Nalu é autora de diversos artigos sobre o movimento de mulheres. Alguns deles são (i) O feminismo latino-americano e caribenho: perspectivas diante do neoliberalismo, de 2005, (ii) Feminismo em resistência: crítica ao capitalismo neoliberal, de 2019, e (iii) Feminismo em movimento: temas e processos organizativos da marcha mundial das mulheres no fórum social mundial, de 2003, co-escrito com Miriam Nobre, (iv) Gênero nas políticas públicas: impasses, desafios e perspectivas para a ação feminista, de 2000, co-organizado com Maria Lucia Silveira e Miriam Nobre, (v) Trabalho como produção do viver: conseqüências políticas para o feminismo, de 2020, co-escrito com Renata Moreno e Tatau Godinho, e (vi) Mulher e política: Gênero e feminismo no Partido dos Trabalhadores, co-organizado com Ângela Borba e Tatau Godinho. Nalu também organizou o dossiê Feminismos no Fórum Social Mundial para a Revista Estudos Feministas, de 2003.

Na reportagem Morre Nalu Faria, símbolo da luta feminista no Brasil, do Cfemea – Centro Feminista de Estudos e Assessoria, Nalu faleceu no dia 6 de outubro de 2023. Ultimamente ela estava envolvida na coordenação da MMM, sendo também integrante da SOF. A publicação informa que o Movimento de Mulheres Brasileiras está em luto pela partida da companheira. O Cfemea assim se expressou: “Nesta oportunidade deixamos nosso sincero agradecimento pela luta incansável, pelo legado deixado por Nalu intenso e extenso que fica para a luta. Sua busca por equidade de gênero e pelo fim da violência contra as mulheres neste país segue como inspiração. Abraços nossas companheiras, familiares e pessoas que sintam essa partida conosco.” A publicação

também traz na íntegra 2 textos produzidos por Nara Lacerda para o Brasil de Fato: (i) uma reportagem homônima; e (ii) a matéria Nalu presente: velório de uma das principais feministas do Brasil foi marcado por emoção e homenagens.

Centenas de mensagens de companheiras do feminismo, de movimentos sociais, sindicais, organismos governamentais, partidos invadiram as redes sociais falando da perda irreparável dessa incansável transgressora e lutadora feminista. A Redeh foi uma delas que publicou um card em sua homenagem onde dizia “Nalu Faria, símbolo de luta do movimento feminista no Brasil, já deixa saudade, mas também um extenso legado que nos inspira a seguirmos adiante, com determinação e força!”

A quem sente saudades da pensadora, recomendamos assistir o vídeo Nalu Faria – Ato contra a redução da maioridade penal, do canal do YouTube Fundação Perseu Abramo. Nele, tanto aprendemos com a perspectiva da feminista quanto também nos inspiramos em sua postura combativa em favor dos Direitos Humanos. Seu impacto cultural é ainda imensurável, mas podemos vislumbrá-lo através da publicação Nota de Pesar Pelo Falecimento de Nalu Faria, da Secretária-geral da Presidência da República. Nela, Márcio Macêdo relembra que ela atuou em 2023 como integrante da coordenação-executiva do Conselho de Participação Social da Presidência da República enquanto também atuava como dirigente feminista da MMM. O Ministro da Secretaria-geral relembra de sua importante liderança no PT, destacando que Nalu formou gerações no feminismo popular.

Ela se tornou uma liderança reconhecida por atuar na representação da MMM na construção de políticas públicas para as mulheres, como conselheira do CNDM – Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres, na construção do Fórum Social Mundial e da Marcha das Margaridas, entre outras ações. Neste ano de 2023, com a posse do Governo Lula, passou a integrar o Conselho de Participação Social do governo federal.

Nalu Faria esteve internada durante os últimos meses para tratamento por insuficiência cardíaca. Embora relatos de amigas, companheiras de luta e da família – ela deixou um casal de filhos, contam que ela mantinha o ânimo e a esperança de poder reagir a esse infortúnio. Infelizmente Nalu veio a falecer no dia 06 de outubro de 2023, aos 64 anos.

As inúmeras manifestações recebidas e as homenagens prestadas durante seu velório, na capital paulista, nos mostra a dimensão de Nalu Farias e seu legado de lutas em defesa das mulheres para o cenário nacional e internacional a partir dos sentimentos gerados por sua perda.

Palavras-Chave/TAG: #mulheres #mmm #ativismo #movimentodemulheres #igualdade #pt #feminismo #anticapitalismo #cristianismo #politica #SOF #

Elaborado por: Emilson Gomes Junior e Schuma Schumaher.

REFERÊNCIAS:

  • Produções acadêmicas:

BORBA, Ângela; FARIA, Nalu; GODINHO, Tatau (org.). Mulher e política: Gênero e feminismo no Partido dos Trabalhadores. Editora Fundação Perseu Abramo: São Paulo, 1998. Disponível em: iniciais (fpabramo.org.br). Acesso em 30 out 2023.

FARIA, Nalu. Desafios feministas frente à ofensiva neoliberal. In: MORENO, Renata; ZELIC, Helena (org.). Feminismo em resistência: crítica ao capitalismo neoliberal. Sempreviva Organização Feminista: São Paulo, 2019. Disponível em: Cadernos_Sempreviva_Miolo2019_web.pdf (boell.org). Acesso em 30 out 2023.

FARIA, Nalu. Feminismo em marcha para mudar o mundo. SOF – Sempreviva Organização Feminista: São Paulo, 2005. Disponível em: Feminismo em marcha para mudar o mundo (sof.org.br). Acesso em 30 out 2023.

FARIA, NALU. O feminismo latino-americano e caribenho: perspectivas diante do neoliberalismo. In: FARIA, Nalu. POULIN, Richard. Desafios do livre-mercado para o feminismo. Cadernos Sempreviva, Desafios do Livre Mercado para o Feminismo: São Paulo, 2005. Disponível em: Apresentação | Novos Rumos Sociológicos (ufpel.edu.br). Acesso em 30 out 2023.

FARIA, Nalu; SILVEIRA, Maria Lucia; NOBRE, Miriam (org.). Gênero nas políticas públicas: impasses, desafios e perspectivas para a ação feminista. Sempreviva Organização Feminista: São Paulo, 2000. Disponível em: C:\Áreas\Comunicação\Caderno Gênero e Pol.Pub-Ok\genpp.pdf (sof.org.br). Acesso em 30 out 2023.

MORENO, Renata; MARINHO, Tatau; FARIA, Nalu. Trabalho como produção do viver: conseqüências políticas para o feminismo. Revista de Ciências Sociais, nº 53, p. 129-143: São Paulo, junho a dezembro de 2020. Disponível em: Vista do TRABALHO COMO PRODUÇÃO DO VIVER (ufpb.br). Acesso em 30 out 2023.

NOBRE, Miriam; FARIA, Nalu. Feminismo em movimento: temas e processos organizativos da Marcha Mundial das Mulheres no Fórum Social Mundial. Estudos Feministas: Florianópolis, julho a dezembro de 2003. Disponível em: miriamenalu.pmd (scielo.br). Acesso em 30 out 2023.

SCHUMAHER, Schuma; VITAL BRAZIL, Érico. Dicionário Mulheres do Brasil, de 1500 até a atualidade: biográfico e ilustrado. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

TORNQUIST, Carmen Susana; FLEISCHER, Soraya Resende. Sobre a Marcha Mundial das Mulheres: entrevista com Nalu Faria. Revista Estudos Feministas, nº 20(1), p 291-312: Florianópolis, janeiro a abril de 2012. Disponível em: SciELO – Brasil – Sobre a marcha mundial das mulheres: entrevista com Nalu Faria Sobre a marcha mundial das mulheres: entrevista com Nalu Faria. Acesso em 30 out 2023.

  • Sites:

LACERDA, Nara. Morre Nalu Faria, símbolo da luta feminista no Brasil. Brasil de Fato: São Paulo, 6 de outubro de 2023. Disponível em: Morre Nalu Faria, símbolo da luta feminista no Brasil | Geral (brasildefato.com.br). Acesso em 30 out 2023.

LACERDA, Nara. Nalu presente: velório de uma das principais feministas do Brasil foi marcado por emoção e homenagens. Brasil de Fato: São Paulo, 8 de outubro de 2023. Nalu presente: velório de uma das principais feministas do | Geral (brasildefato.com.br). Acesso em 30 out 2023.

MACÊDO, Márcio. Nota de Pesar Pelo Falecimento de Nalu Faria. Secretaria-Geral da Presidência da República: Brasília, 6 de outubro de 2023. Disponível em: Nota de Pesar Pelo Falecimento de Nalu Faria — Secretaria-Geral (www.gov.br). Acesso em 30 out 2023.

Morre Nalu Faria, símbolo da luta feminista no Brasil. Cfemea – Centro de Estudos Feministas e Assessoria: Brasília, 6 de outubro de 2023. Disponível em: Morre Nalu Faria, símbolo da luta feminista no Brasil (cfemea.org.br). Acesso em 30 out 2023.

Nalu Faria – Ato contra a redução da maioridade penal. YouTube, Fundação Perseu Abramo: 18 de junho de 2015. Disponível em: (19) Nalu Faria – Ato contra a redução da maioridade penal – YouTube. Acesso em 30 out 2023.

Categoria: Biografias - Comentários: Comentários desativados em Nalu Faria (1958 –2023)