
Poetisa, escritora, jornalista, comerciante, líder sindical e conferencista
Maria Conceição Arueira, nasceu em 07 de janeiro de 1916, na cidade de Campos dos Goytacazes (RJ), filha de Lino Arueira e Maria Magdalena Rocha e Silva. Marcou profundamente a sua cidade, mesmo que tenha desencarnado tão jovem, aos 19 anos. Quando Maria era criança seu apelido na família era Pequenina – que, por sua vó, se transformou em Nina, e assim ficou conhecida para sempre. Ela ditava poesias para seu pai anotar e algumas delas foram publicadas no periódico Rindo, assinados pela Princesa de Vera Cruz. Seu talento foi reconhecido já aos 8 anos, quando foi escolhida para receber o primeiro bispo da cidade, em Campos dos Goytacazes. Esta grande comemoração cívica se contrasta com a intolerância que a cidade passou a demonstrar por Nina Arueira anos depois. Estudou no Grupo Escolar João Clapp e mais tarde no Liceu de Humanidades de Campos, mas não conclui o curso Normal, pois foi expulsa do Colégio por suas ideias progressistas e revolucionárias para a época.
Nina tinha 12 anos, quando seu pai faleceu e ela passou a ajudar sua mãe no pequeno comércio da família. Nina amadureceu precocemente. Não à toa, com status de mais jovem escritora da cidade, Nina passou a integrar a Juventude Comunista, ligada ao PCB – Partido Comunista Brasileiro. Isto ocorreu após o ingresso de Nina no Liceu de Humanidades de Campos, aos 15 anos. Segundo Juliana Carneiro na Dissertação de mestrado O Despertar de Nina Arueira: Da Disputa de Memórias à Construção do Mito, a militância de Nina passou a ser cada vez mais conhecida, e seus artigos passaram a ser fortemente políticos. Com sua oratória aperfeiçoada e sua paixão por transformação social, seus admiradores nutriram ainda mais o sentimento de admiração por Nina.
Conforme afirma a historiadora Graziela Escocard, no artigo A Inquieta Nina Arueira, mais um artigo dela causou polêmica e chocou a opinião pública. Foi na edição de 24 de abril de 1932 da Folha do Comércio onde Nina escreveu: “A mulher que espera tudo do casamento — que resume sua vida nisto — é imoral, porque mercadeja oficialmente o seu corpo… A mulher moderna deve ter maiores desejos que desejos de amor: deve ansiar, individualmente, força, luta e vitória.”
Uma semana depois da polêmica causada no texto da Folha do Comercio, Nina solta outro artigo controvertido, desta feita no jornal “Monitor Campista”, em 29 de abril de 1932: “É a mulher que se julga pronta a ocupar seu lugar de colega, camarada, companheira, isto tudo depois de ter sido atirada tanto tempo à condição de escrava, de mercadoria, de sombra rastejante ao chão que o homem pisa… Nós nos libertamos dos antigos dogmas morais, para escolhermos livremente aqueles que hão de ser pais de nossos filhos. Não queremos mais ser escolhidas”
Dentre os escritos de Nina, destaca-se o manifesto Á Mocidade de Minha Terra. Apesar de tentar dialogar com seus conterrâneos, a sua militância no PCB passou a ser motivo de discriminação, pois diversas pessoas passaram a vê-la com maus olhos. Ao invés de recuar frente aos inimigos, Nina Arueira passou a organizar sindicatos locais, proferir palestras e conferências, escrever artigos jornalísticos, panfletar nas portas de fábricas, participar de reuniões, defender a liberdade e os direitos das mulheres e muito mais. Em meio a tudo isso, se apaixonou pelo companheiro de militância Sebastião Clóvis Tavares. O casal se conheceu enquanto Nina ainda estudava no Liceu. Na época, conheceu também Adão Pereira, e os três fundaram um jornal estudantil. Mais à frente, Nina passou a frequentar a Sociedade Teosófica. Foi aí, em busca por um sentido na vida, que Nina e Sebastião, dois militantes comunistas, finalmente se juntaram.
Em 1º de maio de 1934, organizações comunistas participaram do grande comício organizado em comemoração ao Dia do Trabalhador, na cidade de Campos dos Goytacazes. Segundo Juliana Carneiro, o evento receberia 10.000 pessoas, oportunidade na qual os militantes de esquerda passaram a defender publicamente seus ideais. À época, a ditadura de Getúlio Vargas entrou em conflito com os manifestantes. O marido de Nina, Clóvis Tavares, chegou a iniciar o aguardado discurso, mas não pôde terminar. Em meio à sua fala, surgiu uma série de conflitos entre a ditadura e os manifestantes. Neste dia, até mesmo a bandeira nacional apareceu rasgada – o que levou a uma manifestação no dia 3 de maio, em repúdio à suposta afronta à pátria, ou algo do gênero. A manifestação foi chamada de Trágico 1º de maio, e diversos jornalistas contrários à esquerda retratou os militantes comunistas como vilões desta história. Mesmo sem provas de que Nina Arueira participou da destruição da bandeira, sua imagem passou a estar vinculada aos princípios comunistas, o que gerou ainda mais inimigos para a ousada escritora.
Com os jornais fechando as portas para Nina Arueira, ela passou a se dedicar inteiramente à organização do PCB e às atividades sociais que julgava prioritárias. Infelizmente, poucos meses antes de se casar com Sebastião Clóvis Tavares, Nina contraiu tifo. Após 3 meses batalhando contra a doença, em 18 de março de 1935, veio a falecer. Mesmo após quase um ano afastada do trabalho jornalístico, diversos jornais publicaram a partida de Nina em suas primeiras páginas. Nestas matérias, rasgavam seda abertamente, dissertando inúmeros elogios sobre a competência profissional e sua genialidade. Eles davam o braço a torcer, destacando que opções políticas são desimportantes nestes momentos difíceis.
Após a desencarnação de Nina Arueira, Clóvis Tavares sofreu profundamente, e transformou esta dor em gesto humanitário. Ao receber notícia de que o espírito de sua noiva havia se comunicado numa sessão, tornou-se adepto da doutrina espírita e seis meses depois, em outubro de 1935, Clóvis fundou a Escola Jesus Cristo, um espaço educacional que tinha como modelo “uma escola do plano espiritual fundada pelo espírito Nina Arueira”. Voltada para crianças, esta instituição ajudou grandemente a acolher diversas crianças de Campos dos Goytacazes.
Além do repúdio que sofria por suas ideias, Nina também era repudiada por ser mulher. Juliana Carneiro relembra: “ao entrar no bonde, Nina observava que as ‘moças de bem’ da cidade, mudavam de banco pra demonstrar seu repúdio.” A autora destaca que Nina Arueira viveu verdadeiro martírio enquanto jovem menina e mulher, conforme observado no relato de Jorge Renato Pereira Pinto: “… deve ter sido muito difícil para aquela jovem dos anos 30, fazer com que suas ideias espirituais, sua sensibilidade poética, sua lucidez, sua capacidade de perceber o futuro encontrasse espaço soberano, no meio machista e conservador de uma época complexa da vida do país.”
Tentaram silenciar Nina, mas não conseguiram. Tanto é que diversas casas espíritas, grupos assistenciais, mocidades espíritas e escolas foram criadas com o nome Nina Arueira. Dentre elas, destaca-se o CIEP Nina Arueira, do bairro da Penha, em Campos dos Goytacazes. Nota-se também o Lar dos Idosos Nina Arueira, de Cachoeira de Itapemirim, Espírito Santo.
Notável também observarmos que Nina Arueira iniciou sua impactante jornada política na Juventude Comunista, e hoje há outro grupo de jovens que a homenageiam para gerar transformação social. Trata-se da Juventude Espírita Nina Arueira, de Salvador, Bahia. Realizando encontros semanais nas manhãs de domingo, os jovens integrantes da Mansão do Caminho se articulam em prol da humildade, da caridade e dos desenvolvimentos espirituais e sociais de sua região, e consequentemente de todo o mundo.
Segundo Juliana Carneiro, “com a morte precoce de Nina, ela passa a ser personagem principal de dois grupos distintos – espíritas e comunistas – que disputam a posse de sua imagem e a consolidação de seus projetos na história da cidade. Para os comunistas, morreu uma aguerrida militante, uma referência de luta para mobilizar novos militantes. Já para os espíritas, Nina não morreu! Apenas desencarnou. Deixou de lutar pelas injustiças terrenas e evoluiu ao ponto de contribuir com a humanidade de forma espiritual”.
Inegável que a breve vida de Pequenina serviu para redesenhar a história de sua região e de todo o Brasil, na medida em que Nina Arueira viveu apaixonadamente seus sonhos e sua luta em Campos dos Goytacazes, assim como se tornou uma referência no plano espiritual, influenciando diversas pessoas à prática do bem e a justiça social, tanto em vida quanto em memória.
Texto escrito por: Emilson Gomes Junior e Schuma Schumaher.
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REFERÊNCIAS:
- Produções acadêmicas:
CARNEIRO, Juliana. O Despertar de Nina Arueira: Da Disputa de Memórias à Construção do Mito. Campos dos Goytacazes: Prefeitura de Campos dos Goytacazes, Biblioteca Nilo Peçanha, Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, 2002.
FERNANDES, Ana Lucio Louzada; FERNANDES, Jocimar; OLIVEIRA, Sebastião José de. Responsabilidade socioambiental empresarial – Lar dos Idosos Nina Arueira: Estudo de Caso. Cachoeiro de Itapemirim: Revista Científica Ambienta Acadêmico, vol. 1, n° 1, 2015. Disponível em: revista-ambiente-academico-edicao-1-artigo-4.pdf. Acesso em 8 jan 2025.
- Sites
“A inquieta – Nina Arueira”. Artigo da historiadora Graziela Escocard.Campos dos Goytacazes:J3 News. Disponível em: “A inquieta – Nina Arueira” – J3News. Acesso em 8 jan 2024.
A LINDA HISTÓRIA DE AMOR DE NINA ARUEIRA COM CLÓVIS TAVARES E A ESCOLA JESUS CRISTO. Blog do Bruno Tavares. Disponível em: A LINDA HISTÓRIA DE AMOR DE NINA ARUEIRA COM CLÓVIS TAVARES E A ESCOLA JESUS CRISTO – Blog do Bruno Tavares / O Seu Blog Espírita. Acesso em 8 jan 2025.
CARNEIRO, Juliana da Silva Pinto. O Despertar de Nina Arueira: Da Disputa de Memórias à Construção do Mito. Niterói: UFF – Universidade Federal Fluminense. Disponível em: O Despertar de Nina Arueira: Da Disputa de Memórias à Construção do Mito – Catálogo Histórico de Teses e Dissertações de História (1942-2000). Acesso em 8 jan 2025.
jenaarueira. Salvador: Instagram. Disponível em: JENA (@jenaarueira) • Instagram photos and videos. Acesso em 8 jan 2025.
DELOU, Ângela. Nina Arueira e a Escola Jesus Cristo. Correio Espírita: fevereiro de 2016. Disponível em: Nina Arueira e a Escola Jesus Cristo. Acesso em 8 de janeiro de 2025.