• Nísia Floresta Brasileira Augusta (1810 – 1885)

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15 de maio de 2024 por 

Educadora, escritora, tradutora e feminista 

Nasceu em 12 de outubro de 1810, no sítio Floresta, na região de Papari, situada na Capitania do Rio Grande do Norte. Foi registrada como Dionísia Gonçalves Pinto, em homenagem ao seu pai, Dionísio Gonçalves Pinto Lisboa, advogado português que chegou ao Brasil nos primeiros anos do século XIX. Sua mãe, Antônia Clara Freire, pertencia a uma família tradicional do Rio Grande do Norte, proprietária de vastas extensões de terra. Além de Nísia, o casal teve mais dois filhos.

O pseudônimo “Nísia” era diminutivo de Dionísia, Floresta referia-se ao nome da fazenda onde nascera, Brasileira era uma deferência ao país de nascimento e Augusta foi uma homenagem ao seu grande amor, Manuel Augusto de Faria Rocha.

Possivelmente, teve uma educação mais flexível e liberal, pois educação da época para as mulheres era restrita. Devido às reformas pombalinas, ainda que pudessem frequentar classes exclusivas para as mulheres e seguir a carreira do magistério, o aprendizado estava muito associado aos cuidados da casa e a uma cartilha de ensinamentos morais destinados a construir a figura da “boa esposa” e da “mãe virtuosa”.

Ainda menina, Nísia estava acostumada a mudanças em sua vida, em razão do crescente antilusitanismo que se expandia pela Europa, o que provocou o deslocamento da família para diferentes regiões. A Revolução de 1817, em Pernambuco, exacerbou a construção deste sentimento contra Portugal. Embora a Revolução de 1817 tenha sido reprimida pelo governo imperial, este sentimento não desapareceu, pelo contrário, continuou a se disseminar por todo o Nordeste.

A primeira mudança da família foi para a cidade Vila de Goiana, Pernambuco, em 1817. Nesse mesmo ano, Nísia, já com 7 anos, entrou para o Convento das Carmelitas da Cidade. Provavelmente, foi lá que Nísia foi iniciada nos estudos clássicos, no trabalho manual e no canto. Além disso, sob a influência do pai, teve contato com a cultura europeia e consolidou sua paixão pelos livros folheando as obras existentes na biblioteca do Convento. Ela também passou a dominar os idiomas francês e italiano.

Em 1823, residindo novamente em Papari, aos 13 anos de idade, casou-se com Manuel Alexandre Seabra de Melo, latifundiário, com parca escolaridade. Poucos meses depois, numa atitude corajosa e desafiadora dos anseios patriarcais da época, Nísia desfez os laços matrimoniais, provocando críticas adversas a seu respeito. Nos anos posteriores, inconformado com a separação, Manuel Alexandre perseguiu Nísia, ameaçou processá-la por abandono de lar e, posteriormente, por adultério, quando, mais tarde, ela passou a viver com Manuel Augusto de Faria Rocha.

Após a desconstituição dos vínculos conjugais, Nísia retornou a viver com os pais em Papari, de início, novamente em Goiana, e depois em Olinda, onde seu pai exercia a advocacia. No final de 1824, por causa das revoltas políticas e dos antagonismos entre o pai de Nísia e membros de outras famílias da elite local, o sítio da família em Floresta foi depredado e saqueado.

Em 17 de agosto de 1828, o pai de Nísia foi assassinado em Olinda, a mando do capitão-mor Uchôa Cavalcanti, decorrente de disputas numa causa jurídica e por se contrapor aos interesses da família Cavalcanti. Ainda nesse ano, Nísia passou a residir com Manoel Augusto de Faria Rocha, natural de Goiana e jovem acadêmico da Faculdade de Direito de Olinda, atitude extremamente corajosa para a época. Em 1830 nasceu sua primeira filha, chamada Lívia Augusta de Faria Rocha e, no ano seguinte, teve um segundo filho, que faleceu precocemente.

Entre fevereiro e abril de 1831, Nísia inaugura sua trajetória no mundo da escrita.  Publicou artigos no Espelho das Brasileiras, jornal dedicado às mulheres pernambucanas, editado em Recife, do tipógrafo francês Adolphe Emile de Bois Garin. Nesses artigos, Nísia abordava a condição feminina em diversas culturas antigas.

Já em 1832, Nísia publicou, em Recife, a obra Direitos das mulheres e injustiça dos homens, em que afirma ser tradução livre da obra Vindication of the rights of woman da feminista inglesa Mary Wollstonecraft. A professora em literatura e biógrafa de Nísia, Constância Lima Duarte, afirma que o livro foi inspirado na obra de Mary Wollstonecraft e outros autores europeus, conforme declarou a própria Nísia, acrescido de denúncias dos preconceitos existentes no Brasil contra as mulheres e desmistificando a ideia dominante da superioridade masculina. No entanto, há outras interpretações sobre essa publicação. 

A pesquisadora em literatura Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke afirma que, apesar da afirmação de Nísia, o livro publicado por ela seria, na verdade, uma tradução de Woman not inferior to man, escrito por Mary Wortley Montagu, em 1739, ou do livro La femme n’est pas inferieure a l’homme, publicado em 1750. Independentemente da origem ou inspiração do livro traduzido, é incontestável que a publicação lhe concedeu o título de precursora dos ideais de igualdade e independência da mulher no Brasil, pois o livro denuncia os preconceitos e o estado de inferioridade em que se encontravam as mulheres de seu tempo.

No final daquele ano, após a conclusão do bacharelado em Direito de Manoel Augusto, seu marido, Nísia e sua família mudaram-se para Porto Alegre (RS). E, em janeiro de 1833, nascia Augusto Américo, terceiro filho do casal. Em 1834, Nísia iniciou a atividade de preceptoria de moças, em Porto Alegre.

Em 29 de agosto de 1835, seu companheiro Manoel Augusto faleceu, aos 25 anos, deixando-a com dois filhos pequenos. Nísia permaneceu ainda mais quatro anos em Porto Alegre, onde se dedicou ao magistério, tendo sido, inclusive, diretora de um colégio. Neste mesmo período, foram publicados artigos de Nísia, assinados com o pseudônimo de Quotidiana Fidedigna, nos jornais O Recompilador Federal e O Campeão da Legalidade, nos quais desenvolvia temas sobre a educação no Brasil.

Em Porto Alegre, conheceu Anita Garibaldi e Giuseppe Garibaldi. Em suas viagens pela Europa, Nísia irá reencontrar Giuseppe. Em 1837, por causa da Revolução Farroupilha e do decorrer dos influxos do movimento revolucionário gaúcho, Nísia e seus filhos foram para a cidade do Rio de Janeiro. E em fevereiro do ano seguinte, foi inaugurado o Colégio Augusto, fruto dos ideais de uma educação feminina libertadora de Nísia, ou seja, o direito das meninas de obter uma educação científica. O colégio era localizado no centro da cidade na antiga Rua Direita, atual Rua Primeiro de Março, no centro do Rio de Janeiro, e funcionou por 17 anos.

Na ocasião em que Nísia abriu seu estabelecimento de ensino, vivia-se no Rio de Janeiro uma verdadeira febre de novas escolas, quase sempre dirigidas por europeus. A diversidade dos métodos pedagógicos adotados e o caráter explicitamente comercial da maioria das escolas cariocas, Nísia respondeu oferecendo um sistema de ensino voltado para meninas, que combinava o tradicional ensino de trabalhos manuais com sólidos conhecimentos de línguas, a nacional e as estrangeiras, além de noções de geografia. A educação feminina foi, pela primeira vez, regulamentada em 1827, ano em que a legislação passou a conferir o direito das meninas de frequentar estabelecimentos comerciais, mas as aulas se restringiam ao ensino elementar, ou seja, a educação deveria se resumir à economia doméstica e ao aprendizado das quatro operações matemáticas básicas. O currículo escolar do colégio fundado por Nísia era inovador para época, já que ofertava disciplinas nunca ministradas às mulheres. Embora a proposta educacional do colégio tenha rendido elogios, não faltaram críticas à sua escolha pedagógica de formação das meninas, principalmente, veiculadas nos jornais da cidade.

Em 1839 foi publicada, no Rio de Janeiro, a terceira edição de Direitos da mulher e injustiça dos homens. Em 1842, Nísia teria realizado conferências defendendo a emancipação dos escravizados, a liberdade de cultos e a federação das províncias com o sistema de governo republicano. Entretanto, seu biógrafo Adauto Câmara não encontrou provas da ocorrência de tais conferências. O certo é que Nísia, repetidas vezes, criticou a escravidão em seus trabalhos.

Em 1842 ela publicou Conselhos à minha filha, dedicado à filha Lívia em razão do seu 12º aniversário; em 1847, foram publicados: Daciz ou A jovem completa; Fany ou O Modelo das Donzelas; e Discurso que às suas educandas dirigiu Nísia Floresta Brasileira Augusta. Dois anos depois, foi publicado A lágrima de um Caeté, poema que trata da degradação do indígena brasileiro e do drama dos liberais sufocados pela derrota da Revolução Praieira pernambucana.

Nísia deixou a direção do Colégio Augusto, em julho de 1949, e partiu com os dois filhos para sua primeira estada na Europa, com a finalidade de cuidar da saúde de sua filha que sofreu um acidente decorrente de uma queda de cavalo. Foi lá que teve os primeiros contatos com o positivismo de Augusto Comte, ao participar de um curso ministrado por ele, intitulado História Geral da Humanidade.

Continuou escrevendo e publicando no Brasil. Assim, em 1850, foi publicado, em Niterói, seu romance histórico Dedicação de uma amiga. De maio a junho de 1851, o jornal carioca O Liberal publicou uma série de artigos de Nísia, intitulados A emancipação da mulher, onde a autora retornava ao tema da necessidade de se oferecer boa educação às mulheres. 

No início de 1852 regressou ao Brasil e no ano seguinte publicou a obra Opúsculo humanitário, que tratava da educação da mulher. Em 1855 veio a público sua obra Páginas de uma vida obscura, que conta a história da vida de um escravo. Nesse mesmo ano, em meio a uma epidemia de cólera que assolou a cidade do Rio de Janeiro, Nísia pôs-se a trabalhar, voluntariamente, como enfermeira.

Em 1856, seguiu para sua segunda viagem à Europa, onde permaneceu até 1872. Nesses 16 anos, aumentou sua aproximação com Augusto Comte, recebendo-o e frequentando sua casa, e com ele se correspondendo. Vários de seus livros foram traduzidos nessa época para o francês, o inglês e o italiano. Viajou pela Itália e Grécia e publicou, em francês, Trois ans en Italie, suivis d’un voyage en Grèce. Em 1871 publicou Le Brésil.

Nísia assistiu ao cerco de Paris pelos prussianos nos anos de 1870 e 1871, bem como à Comuna. Experimentou as dificuldades de sobreviver em Paris e decidiu deslocar-se para casa de amigos em Bourg-la-Reine, fora de Paris e longe dos conflitos.

Após a derrota da Comuna, retornou a Paris e logo depois seguiu para Londres e Lisboa, regressando ao Brasil em 1872. Três anos mais tarde ainda retornaria à Europa, morando em Londres, Lisboa e Paris. Na França, publicou seu último trabalho, Fragments d’un ouvrage inédit – notes biographiques, dedicado à sua irmã Clara.

No dia 24 de abril de 1885, veio a falecer em decorrência de uma pneumonia na Normandia, em Bonsecour, cidade em que vivia na França e onde foi enterrada. A notícia de sua morte chegou meses depois ao Brasil e foi noticiada, em pequenas linhas, por alguns jornais brasileiros. Ao longo dos anos futuros algumas homenagens foram sendo feitas à Nísia, assim como seus escritos começam a ser revelados com mais frequência por algumas notoriedades, incluindo a correspondência entre ela e Auguste Comte. Os norte-rio-grandenses, que pouco conheciam sua filha ilustre, vão ser surpreendidos com a publicação, em 1941, o livro História de Nísia Floresta, onde o autor Adauto Câmara, resgata parte de sua trajetória.  

Em 1948, o povoado de Papari mudou de nome, passando a se chamar Nísia Floresta em homenagem a sua conterrânea e em 11 de setembro de 1954 seus restos mortais foram para lá trasladados. Desde então, muitas palestras, medalhas, selos, publicações e outras manifestações públicas foram feitas para manter a memória daquela que é considerada a precursora do feminismo no Brasil.

Em 2006, por inciativa da Fundação Banco do Brasil em parceria com a Redeh – Rede de Desenvolvimento Humano, Nísia foi escolhida para ser a primeira mulher homenageada pela 10ª edição do Projeto Memória, que tem como objetivo levar ao conhecimento público a trajetória de importantes nomes da história do Brasil, através da elaboração de uma exposição itinerante, um kit-pedagógico distribuídos para mais de 18.000 escolas públicas, um livro foto biográfico, um vídeo documentário e um website (Fundação Banco do Brasil (fbb.org.br)), onde está depositado todo o material produzido para consultas.

Palavras-Chave/TAG: #educadorafeminista #feminismo #direitodasmulheres

Texto Adaptado do verbete contido no Dicionário Mulheres do Brasil por: Ana Laura Becker, Elaine Gomes e Schuma Schumaher.

REFERÊNCIAS

  • Produções acadêmicas:

ALMEIDA, Cleide Rita Silvério de; DIAS, Elaine Teresinha Dal Mas. Nísia Floresta: o conhecimento como fonte de emancipação e a formação da cidadania feminina. Rhela. Vol. 13, ano 2009, pp.11-27. Disponível em: NÍSIA FLORESTA: O CONHECIMENTO COMO FONTE DE EMANCIPAÇÃO E A FORMAÇÃO DA CIDADANIA FEMININA (scielo.org.co). Acesso em: 13 set. 2021.

CAMPOI, Isabela Candeloro. O livro “Direitos das mulheres e injustiça dos homens” de Nísia Floresta: literatura, mulheres e o Brasil do século XIX. São Paulo: História [online], 2011. v. 30, n. 2, pp. 196-213. Disponível em: SciELO – Brasil – O livro “Direitos das mulheres e injustiça dos homens” de Nísia Floresta: literatura, mulheres e o Brasil do século XIX O livro “Direitos das mulheres e injustiça dos homens” de Nísia Floresta: literatura, mulheres e o Brasil do século XIX. Acesso em: 11 set. 2021.

DUARTE, Constância Lima. Nísia Floresta: uma mulher à frente do seu tempo. Mercado Cultural, 2006.

OLIVEIRA, Alana Lima de. Direito das mulheres: um enfoque sobre Nísia Floresta e a política da tradução cultural. João Pessoa: Faculdade de Direito, Universidade Federal da Paraíba. Dissertação (Mestrado em Direito), p. 93. 2015. Direito das mulheres e injustiça dos homens: a tradução utópico-feminista de Nísia… (usp.br). Acesso em 25 jun 2023.

SCHUMAHER, Schuma; VITAL BRAZIL, Érico. Dicionário Mulheres do Brasil, de 1500 até a atualidade: biográfico e ilustrado. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

  • Sites:

MALVA, Pamela. A importante trajetória de Nísia Floresta. Aventura na História, 2021. Disponível em: A importante trajetória de Nísia Floresta (uol.com.br). Acesso em 14 set. 2021.

MATOUKA, Ingrid. Nísia Floresta: a primeira educadora feminista do Brasil. Educação Integral, 21 de junho de 2017. Disponível em: Nísia Floresta: a primeira educadora feminista do Brasil – Centro de Referências em Educação Integral (educacaointegral.org.br). Acesso em 25 jun 2023.

Nísia Floresta – Almanaque. Redeh – Rede de Desenvolvimento Humano. Disponível em: Nísia Floresta – Almanaque – Redeh. Acesso em 25 jun 2023.

Projeto Memória, 2021. Disponível em: http://www.projetomemoria.art.br/NisiaFloresta/bio_casamento_.html

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