• Por uma educação não discriminatória

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18 de abril de 2024 por 

Schuma Schumaher

Publicado originalmente no Seminário Internacional de Educação Intercultural, Gênero e Movimentos Sociais, BSB, novembro de 2004

É com alegria que compartilho com vocês a experiência do Projeto “Por uma Educação Não Discriminatória”, desenvolvido pela REDEH – Rede de Desenvolvimento Humano, em parceria com a Secretaria de Ensino Fundamental do MEC, Secretaria Estadual e Secretarias Municipais do Rio de Janeiro, desde 1997, do qual sou coordenadora.

Ancorado na Plataforma de Ação aprovada na IV Conferencia  Mundial da Mulher, realizada em 1995, na China, onde os governos se comprometeram investir num ambiente educacional que promova a igualdade entre homens e mulheres, entre as raças e etnias e nos Parâmetros Curriculares Nacionais, elaborado pelo MEC, que incorporou como temas transversais as questões da Ética, da Pluralidade Cultural, do Meio Ambiente, da Saúde, da Orientação Sexual e do Trabalho e Consumo, é que elaboramos a primeira versão do projeto. 

O objetivo da proposta é de contribuir para a inclusão da perspectiva de gênero, raça/etnia, orientação sexual e ambiental no sistema educacional, especialmente para aos professores (as) comprometidos com a educação de jovens e adultos. Entendemos que educar para a cidadania é imaginar uma escola onde homens e mulheres aprendam que um não é melhor que o outro, que a cor da pele, o tipo de cabelo e a orientação sexual de cada um não os tornam mais ou menos que alguém. Um espaço onde o (a) jovem possa refletir sobre sua sexualidade, aprender a conhecer seu corpo, assim como o planeta e entender que a saúde de ambos é importante para a preservação da vida. Apostar no(a) professor(a) como agente socializador, tão importante como a família na transmissão de valores e atitudes tem sido nosso desafio nesses seis anos de experiência.

O projeto foi estruturado em duas atividades básicas. A primeira delas é proporcionar material de suporte metodológico referente à temática abordada. A segunda é a capacitação do grupo de professores (as) selecionado pela Secretaria Municipal de Educação da cidade escolhida, de acordo com a parceria estabelecida com a Redeh. O curso, com duração de 120 horas, (exigência do MEC), é composto de três módulos, realizados durante 03 semanas – uma por mês – com duração de 08 horas diárias.

Como estratégia de valorização do curso garantimos na sua programação uma aula inaugural, aberta à participação de outras pessoas, além dos/as inscritos/as; envolvimento da mídia local e presença de autoridades municipais para o momento de abertura. Essa aula aborda o tema “Gênero, que bicho é esse?” e sempre é feita por uma convidada especial do projeto, como a escritora Rose Marie Muraro e ou Heloneida Stuart, que tem nos acompanhado nessa empreitada.  

Um dos elementos essenciais da capacitação é o material didático-pedagógico, desenvolvido por uma equipe multidisciplinar. Foram divididos em 04 kits: Alfabetização, Cidadania e Gênero, Cidadania Raça/Etnia, Orientação Sexual e Educação Por um Planeta Saudável. Cada kit consiste num manual, fitas cassetes e uma fita de vídeo. Esse material é distribuído aos participantes do curso e também as escolas das cidades contempladas para ser utilizado pela equipe de professores(as).

Tivemos que enfrentar muitos desafios nesse processo. O primeiro deles foi constituir uma equipe multidisciplinar de capacitadores (as) sensibilizados(as) e comprometidos(as) com as questões pertinentes ao curso, em particular gênero, raça e etnia. Outro, era apostar numa metodologia participativa que levasse em consideração as experiências e as realidades de cada um(a) sem discriminação. Portanto nosso empenho estava voltado muito mais para a desconstrução de valores preconceituosos, geralmente naturalizados,do que apenas ensinar-lhes novos conteúdos e atividades que pudessem ser trabalhados transversalmente nas diferentes disciplinas, em sala de aula.

Esse projeto não tem a pretensão de achar que o grupo de professores(as) participante do curso saia do mesmo completamente preparado para respeitar as diferenças e enfrentar preconceitos sexuais e raciais no cotidiano escolar e na vida. Ele tem na verdade, o propósito de “provocar” novas reflexões sobre velhos tabus. No mínimo que saiam do mesmo muito mais “incomodados” do que quando chegaram. Vejam alguns comentários feitos, por eles, na avaliação final:

            “Desafiador. O curso veio mexer em estruturas que eu tinha como muito firmes”

“Foi um curso que promoveu novos questionamentos. Uma visão diferente da vida, novos aspectos. Valeu, fiquei com muitas dúvidas, que bom!”

“O curso foi maravilhoso, nos proporcionou a oportunidade de nos questionar, integrar, opinar, desafiar, aprender; enfim muita coisa ficou marcada em nossas cabeças. Não somos as mesmas pessoas, temos agora uma visão diferente e com certeza lutaremos por uma educação não discriminatória”.

“Provocou um dualismo: prazer versus incomodação”

“Cresci! Crescer é bom, mas às vezes dói. Percebi que cresci e preciso empreender algumas mudanças, ainda que com o tempo. Ousar, buscar e repassar o que há de bom no novo”

O Projeto percorreu todas as regiões do estado do Rio de Janeiro e já capacitou mais de 3.000 professores(as) sempre perseguindo o objetivo de fornecer contribuição metodológica para a superação de preconceitos e o combate à atitudes discriminatórias.

Afinal, quando entendemos o significado de uma educação com a perspectiva de gênero e raça passamos a observar e compreender a importância dessa ferramenta em outros espaços da vida, como nas políticas públicas, na mídia, na história, nas relações humanas, na busca da liberdade e da igualdade.