Imperatriz, primeira brasileira a governar o Brasil.
Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela, filha de Dona Teresa Cristina e D. Pedro II, foi a primeira e única brasileira da história a se tornar imperatriz. Isabel nasceu em 29 de julho de 1846, no palácio de São Cristóvão, Rio de Janeiro, e casou-se com o príncipe francês Luís Felipe Maria Gastão de Orléans, conde D’Eu, em 15 de outubro de 1864. O casal teve 3 filhos.
Embora a historiografia oficial trate com pouco destaque a regência da princesa Isabel, o período em que ela esteve à frente do governo reveste-se de grande importância. A Princesa substituiu o imperador durante três viagens que ele fez ao exterior. Tornou-se, assim, a primeira brasileira a administrar o País, e foi exatamente durante o seu governo que as principais leis do combate à escravidão foram promulgadas.
A sua primeira regência estendeu-se entre 7 de maio de 1871 e 31 de março de 1873, durante o ministério do visconde de Rio Branco. Neste período, a Princesa sancionou a chamada Lei do Ventre Livre, de 28 de setembro de 1871, declarando livres os nascituros de mulheres escravizadas partir daquela data, como também a libertação de os escravizados que pertenciam ao governo. A sua segunda regência ocorreu entre 26 de março de 1876 e 27 de setembro de 1877, e a terceira, entre 5 de janeiro de 1887 a 22 de agosto de 1888.
Nessa época, as campanhas abolicionistas estavam no seu auge, principalmente após os governos do Ceará e Amazonas já terem libertado as pessoas escravizadas desde 1884.
Em outubro de 1886, após a morte de dois escravos condenados a 300 açoites em Paraíba do Sul, o abolicionismo conseguiu acabar com o açoite, incentivando mais fugas. Em 25 de outubro de 1887, o Marechal Deodoro da Fonseca, presidente do Clube Militar, pediu à Princesa Isabel que poupasse o Exército da “humilhante tarefa” de perseguir escravos, demonstrando que o regime escravocrata usava violência e morte para conter suas vítimas, enquanto o abolicionismo buscava superar esse aspecto genocida para encerrar a escravidão brasileira.
As numerosas fugas de nativos eram cada vez mais constantes e o exército se recusava a persegui-los, gerando uma crise que levou à demissão do ministro escravocrata Barão de Cotegipe. Isabel nomeou para o governo o conselheiro João Alfredo, que encaminhou rapidamente o projeto que abolia a escravidão no Brasil, resultando na Lei sancionada pela princesa Isabel em 13 de maio de 1888, a famosa “Lei Áurea”. Este ato, bastante festejado pela população, conferiu à Princesa Isabel o título de “A Redentora”. Recebeu, também, a condecoração Rosa de Ouro, oferecida pelo papa Leão XIII, em 28 de setembro de 1888.
Além da pressão burguesa internacional e doméstica pelo fim da escravidão no Brasil, a Guarda Negra desempenhou um papel crucial no reinado de Isabel. Criada por José de Patrocínio, conforme artigo publicado em 10 de julho de 1888 no jornal “A Cidade do Rio”, a associação visava resistir a qualquer movimento revolucionário contra a recém-abolida escravidão. Embora não estruturada militarmente, a Guarda Negra, composta majoritariamente por negros, prometeu proteger a Princesa Isabel, tornando-se uma peça-chave na sociedade brasileira excludente e durante a transição do sistema monárquico. Segundo Augusto Oliveira Mattos, essa resistência simbolizava as aspirações negras por melhores condições de vida, contrariando a elite que desejava manter a escravidão. Muitos críticos, incluindo republicanos, tentaram deslegitimar a Guarda Negra como um grupo de negros manipulados pela coroa. José de Patrocínio, um republicano, apoiou a Coroa quando a princesa Isabel e o fim da escravidão estavam ameaçados, refletindo que a resistência ao republicanismo estava ligada à oposição da elite branca à abolição, visando perpetuar a exploração e violação dos direitos dos negros no Brasil.
Ainda que compreendamos o pioneirismo relacionado à figura de Isabel, a imperatriz brasileira, é crucial termos em mente o que de fato foi a abolição da escravidão. Conforme reflete Malu Didier na reportagem A Lei Áurea aboliu a escravidão de uma forma diferente da pensada por Joaquim Nabuco: “Os negros ganharam o direito de serem cidadãos brasileiros, mas não se livraram da escravidão de fato. Sem sustento independente ou qualquer bem, não tiveram escolha a não ser trabalhar em locais que pagavam pouco. Em consequência, continuaram por muito tempo fazendo serviços para os senhores de engenho, recebendo alimentação e moradia em troca.” A exemplo disso, citamos Para uma história do negro no Brasil, da Biblioteca Nacional: “Sem condições para evitar fugas, os fazendeiros do Oeste Velho paulista, a região em torno de Campinas, passaram a libertar os escravos, exigindo em troca a prestação remunerada de serviços.”
Na prática, vislumbramos a transformação de muitas relações de escravidão formal para analogia à escravidão, na medida em que os contratantes detinham maior poder econômico que os trabalhadores negros, de forma que as condições de trabalho e as remunerações refletiam o cenário negocial. De forma semelhante, lembramos que tais trabalhadores iniciavam suas vidas sem o exercício do direito à moradia através de propriedades suas, por exemplo, tendo em vista que não houve reparação econômica às vítimas da escravidão brasileira, nem aos seus descendentes. Portanto, tais trabalhadores iniciavam suas vidas laborais após centenas de anos de exploração de seus povos, sem qualquer bem ou capital, sobreviventes de um período genocida, sem nenhuma indenização, sem tempo de curar seus traumas ou se recuperar antes de assinar contratos de trabalho com aqueles que até pouco tempo os tratavam como escravos por força de lei (e, posteriormente, muitos continuaram a tratar como escravos, a despeito da legislação de Isabel).
É importante ressaltar que a libertação de pessoas escravizadas ocorreu anos antes em outros territórios nacionais, indicando que o fim da escravidão no Brasil resultou da longa história de resistência negra, não apenas das ações imperiais. Essa perspectiva é fundamental para dissociar a imagem da Princesa Isabel da ideia de que ela salvou o povo negro do Brasil, reconhecendo que a abolição foi uma conquista coletiva da resistência negra.
Neste contexto, Djamila Ribeiro em Pequeno Manual Antirracista escreveu: “Quando criança, fui ensinada que a população negra havia sido escravizada e ponto, como se não tivesse existido uma vida anterior nas regiões de onde essas pessoas foram tiradas à força. Disseram-me que a população negra era passiva e que ‘aceitou’ a escravidão sem resistência. Também me contaram que a princesa Isabel havia sido sua grande redentora. No entanto, essa era a história contada do ponto de vista dos vencedores, como diz Walter Benjamin. O que não me contaram é que o Quilombo dos Palmares, na serra da Barriga, em Alagoas, perdurou por mais de um século, e que se organizaram vários levantes como forma de resistência à escravidão, como a Revolta dos Malês e a Revolta da Chibata. Com o tempo, compreendi que a população negra havia sido escravizada, e não era escrava – palavra que denota que essa seria uma condição natural, ocultando que esse grupo foi colocado ali pela ação de outrem.” Portanto, ao dissociarmos a Princesa Isabel do papel de redentora dos negros brasileiros, estamos fazendo justiça a todas as crianças, negras e de todas as cores, que foram intoxicadas por essa perspectiva racista, mentirosa e reducionista da realidade. De fato, uma violência psicológica negar o acesso a verdade e a reflexões sobre a realidade às crianças do Brasil e do mundo, condicionando-as a se relacionar com o ambiente através de referenciais e compreensões racistas.
Muito (superficialmente) se fala sobre a relevância da Princesa Isabel para os negros. Pouco se fala, no entanto, sobre as reais intenções da Princesa Isabel durante toda a sua trajetória. Inclusive, podemos refletir sobre o quão misógino é instrumentalizar a imagem de uma mulher branca sem de fato se importar com a sua visão de mundo, os seus objetivos e a sua subjetividade. Nesse contexto, citamos Carlos Haag em Uma “Redentora” em busca de redenção: A polêmica “política do coração” da princesa Isabel. Isto porque o autor expõe as ideias de Robert Daibert Júnior, autor da tese de doutorado Princesa Isabel: a “política do coração” entre o trono e o altar. Na entrevista concedida a Carlos Haag, Robert Daiber Júnior ensina: “Sua luta antiescravista é a ponta de um iceberg, cujas bases giravam ao redor de um abolicionismo católico, afinado com a visão do papa e dos bispos. Ou seja, estavam baseadas num abolicionismo redentor, doador da liberdade, previdente, previsível, pacífico. E, acima de tudo, esse abolicionismo deveria garantir a formação de libertos ordeiros, catolicamente civilizados e fiéis à Igreja e à sua concepção de sociedade e política.”
Além de sua visão política, Carlos Haag menciona que Isabel era apaixonada pela fotografia, da mesma forma que Dom Pedro II. Inclusive, usava a fotografia para criar relações entre ela, Dom Pedro II e seu filho, numa tentativa de criar iconografia sobre a família real. Esta iconografia relacionaria aquele núcleo familiar à modernidade e ao progresso das ciências na medida em que reduziria a legitimidade de sobrinhos que buscassem usurpar o trono. Neste sentido, Carlos Haag expõe que a própria posição de Isabel, considerada por alguns como a “princesa carola”, de fato não desenvolvia sua postura política simplesmente guiada por um sentimento sincero de religiosidade e obediência conservadora à Igreja, mas como uma estratégia visando a sobrevivência e o sucesso de sua linha sucessória. Em O “Terceiro Reinado”: Isabel de Bragança, a Imperatriz que não foi, Maria Luzia de Carvalho Mesquita concorda com a afirmação acima, nos ensinando em sua conclusão: “Educada com a finalidade de governar, tinha consciência das obrigações que a aguardavam no futuro, guardando, porém, uma autonomia em relação à influência política do Imperador. Sua adesão às ideias abolicionistas reformistas ocorreu não só por estar de acordo com o que pregava a Igreja, mas como uma opção política que visava a dar uma sustentação mais ‘popular’ ao seu reinado.”
Schuma Schumaher e Érico Vital Brazil em Dicionário Mulheres do Brasil revelam que a Princesa Isabel foi banida com a família para a Europa, a partir da Proclamação da República de 15 de novembro de 1889. A lei de banimento foi revogada em 1920. Exilada, a Princesa Isabel passou a residir no Castelo D’Eu, em Dieppe, na França, a partir de 1905, falecendo neste castelo em 14 de novembro de 1921, vindo a ser enterrada no mausoléu dos Orléans, em Dreux, no território francês. No entanto, mais tarde, o corpo da Imperatriz foi transladado para o Brasil e depositado na Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro em 1953. Em 13 de maio de 1971, seu corpo foi removido para a capela imperial da Catedral de Petrópolis, onde se encontra até hoje.
Em sua homenagem, Regina Echeverria escreveu o livro A História da Princesa Isabel – Amor, Liberdade e Exílio, de 2014. Dentre outros autores que se dedicaram a escrever sobre a imperatriz, mencionamos também Pedro Calmon em Princesa Isabel: “a redentora”, de 1941. O Museu Imperial também apresenta fotografias online de uma medalha em homenagem à Princesa Isabel, datada de 1892.
Dentre as homenagens, porém, devemos citar algumas infelizes. A primeira, talvez engraçada, é que muito antes da concepção da estátua do Cristo Redentor no alto do Corcovado, foi cogitada a construção de estátua em homenagem à Princesa Isabel naquele lugar. Conforme exposto por Edison Veiga em Cristo Redentor, 90 anos: como um monumento em homenagem à princesa Isabel quase foi erguido no Corcovado, Isabel foi uma das apoiadoras, e seu nome foi apresentado como a própria figura a ser homenageada em determinado momento. A segunda homenagem um pouco infame para o século XXI foi apresentada pelo então presidente da Fundação Cultural Palmares, em 2022, quando disse que pretendia mudar o nome da fundação para homenagear Princesa Isabel, cogitando também o engenheiro André Rebouças. Ainda que Isabel e sua atuação política tenham aspectos positivos para a construção do Brasil, é importante conhecer o contexto e arranjos que a levaram a ser chamada de “A redentora”. Nada, porém, apaga a sua trajetória, tampouco exclui o fato de que uma parte da população negra brasileira apoiou a Princesa Isabel acreditando no benefício que seu gesto traria para seu povo e para o Brasil.
Texto Adaptado do verbete contido no Dicionário Mulheres do Brasil por: Emilson Gomes Junior e Schuma Schumaher.
Palavras-Chave/TAG: #imperio #imperatriz #direito #justiça #saúde
REFERÊNCIAS:
- Produções acadêmicas:
Biblioteca Nacional. Para uma história do negro no Brasil. Rio de Janeiro, 1988. Disponível em: icon1104317.pdf (bn.br). Acesso em 27 nov 2022.
CALMON, Pedro. Princesa Isabel: “a redentora”. Editora Nacional: São Paulo, 1941. Disponível em: 207 PDF – OCR – RED.pdf (ufrj.br). Acesso em 27 nov 2022.
DAIBERT JR, Robert. Princesa Isabel: a “política do coração” entre o trono e o altar. Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, 2007.
HAAG, Carlos. Uma “Redentora” em busca de redenção: A polêmica “política do coração” da princesa Isabel. Pesquisa FAPESP: São Paulo, 2008. Disponível em: Uma “Redentora” em busca de redenção : Revista Pesquisa Fapesp. Acesso em 19 jun 2023.
ECHEVERRIA, Regina. A História da Princesa Isabel. Editora Versal: Rio de Janeiro, 2015. Disponível em: A História da Princesa Isabel : Regina Echeverria: Amazon.com.br: Audiolivros e Originais. Acesso em 27 nov 2022.
MATTOS, Augusto Oliveira. A proteção multifacetada: as ações da Guarda Negra da Redemptora no ocaso do Império (Rio de Janeiro 1888-1889). Programa de Pós-Graduação em História – Área de Concentração: História Social, Linha de Pesquisa: Sociedade, Instituições e Poder da Universidade de Brasília para obtenção do título de Mestre em História: Brasília, 2006. Disponível em: Microsoft Word – tesecomp.doc (unb.br). Acesso em 27 nov 2022.
MESQUITA, Maria Luiza de Carvalho Mesquita. O “Terceiro Reinado”: Isabel de Bragança, a Imperatriz que não foi. Programa de Mestrado em História da Universidade Severino Sombra: Vassoura, 2009. Disponível em: ( PDF ) “O Terceiro Reinado”: Isabel de Bragança, a imperatriz que não foi (livrosgratis.com.br). Acesso em 27 nov 2022.
RIBEIRO, Djamila. Pequeno Manual Antirracista. Companhia das Letras: São Paulo, 2019. Disponível em: Pequeno manual antirracista (stiueg.org.br). Acesso em 27 nov 2022.
SCHUMAHER, Schuma; VITAL BRAZIL, Érico. Dicionário Mulheres do Brasil, de 1500 até a atualidade: biográfico e ilustrado. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
- Sites:
DIDIER, Malu. A Lei Áurea aboliu a escravidão de uma forma diferente da pensada por Joaquim Nabuco. Ordem dos Advogados do Brasil, Subseção São Paulo – OABSP: São Paulo, 2018. Disponível em: A lei Aurea aboliu a esravidao de forma diferente da pensada por Joaquim Nabuco.pdf (oabsp.org.br). Acesso em 27 nov 2022.
Poder360. Camargo quer mudar nome da Fundação Palmares para Isabel. Brasília: 10 de janeiro de 2022. Disponível em: Camargo quer mudar nome da Fundação Palmares para Isabel (poder360.com.br). Acesso em 27 nov 2022.
VEIGA, Edison. Cristo Redentor, 90 anos: como um monumento em homenagem à princesa Isabel quase foi erguido no Corcovado. Bled (Eslovênia) para a BBC News Brasil: 11 de outubro de 2021. Disponível em: Cristo Redentor, 90 anos: como um monumento em homenagem à princesa Isabel quase foi erguido no Corcovado – BBC News Brasil. Acesso em 27 nov 2022.
FOTOGRAFIA
© Reprodução da Internet