• Ruth Escobar (31 de março de 1936 –  9 de julho de 2017)

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12 de setembro de 2023 by 

Atriz, produtora teatral, política e ativista feminista.

Maria Ruth dos Santos, conhecida como Ruth Escobar, foi uma talentosa atriz e produtora teatral reconhecida tanto por seus espetáculos quanto pela sua militância contra a ditadura militar e feminista. Nascida em Porto, Portugal, veio ao Brasil em 1952, aos 16, radicando-se em São Paulo.

Conforme exposto por Schuma Schumaher e Érico Vital Brazil em Dicionário Mulheres do Brasil, tão logo chegou no Brasil, trabalhou vendendo anúncios para jornais. Os autores descrevem: “Assim, no ano seguinte, fundou uma revista voltada para a colônia portuguesa, chamada Ala Arriba (1953), dedicada a entrevistar gente famosa. Fazendo cobertura para a revista, em 1955, Ruth deu a volta ao mundo entrevistando desde Arafat, Bulgarin, Kruschev e outros dirigentes políticos asiáticos e africanos. Voltando ao Brasil em 1957, Ruth, influenciada pelo maestro Diogo Pacheco, mudou a linha editorial de sua revista para cobrir a poesia concretista, e este empreendimento foi um tremendo fracasso, ocorrendo então sua primeira falência.”

Ruth Escobar se casou 5 vezes: com Jean Sauveur, em 1952; cinco anos depois,  em 1957, com o intelectual Carlos Henrique Escobar, com quem tem teve dois filhos (Christian e Patrícia); com o arquiteto e cenógrafo Wladimir Pereira Cardoso, em 1962, casou-se com quem teve duas filhas (Ana Ruth e Inês); com o artista plástico Nelson Aguilar, em 1970, com quem teve um filho (Nelson); com o engenheiro norte-americano Dearryll Paffenroth, em 1992.

 Após sofrer sua primeira falência, mudou-se com seu marido, Carlos Henrique Escobar, para Paris, onde estudou teatro ao final dos anos 1950.

De volta ao Brasil, Ruth Escobar criou o Teatro Popular Nacional – TPN, junto com a atriz Nilda Maria. As duas percorriam a periferia de São Paulo em um caminhão com um palco, apresentando espetáculos gratuitos de autores brasileiros. Com o objetivo de popularizar o teatro, o projeto atraiu alguns atores brilhantes para seu elenco, como Fauzi, Arap, Ari Toledo e Cláudio Mamberti. Experiente, Ruth Escobar logo em sequência inaugurou o Teatro Ruth Escobar, em 15 de dezembro de 1964. São Paulo, capital, testemunhou sua inauguração com a peça A ópera dos três vinténs, de Bertold Brecht. A apresentação foi beneficente, em favor do Natal da Criança Pobre, programa voltado a crianças em vulnerabilidade social.

Em relação ao Teatro Popular Nacional, Rosangela Patriota no artigo Ruth Escobar e a cena teatral brasileira da década de 1970 – Exercícios de liberdade e práticas de resistência (À memória de Ruth Escobar, que nos deixou em 05/10/2017) nos mostra manifestação de Ruth Escobar em relação ao projeto, no programa da peça O Casamento do Doutor Mississipi, de 1965: “Alguns dias depois da revolução de 31 de março surgia o Teatro Popular Nacional iniciando a mais dinâmica campanha de popularização do teatro. Nós éramos um grupo de jovens de uniforme sarja que, como uma equipe de futebol, aparecia cada dia num bairro operário da cidade levando teatro grátis ao povo. Percorremos mais de 50 bairros e mais de 900.000 pessoas assistiram ao TPN. Os críticos e a imprensa especializada não tomaram conhecimento: os banquinhos de lona que armávamos em praça pública não eram suficientemente confortáveis para eles e o público não era o mais ‘selecionado’. Mas essa gente maravilhosa para quem trabalhamos nos recompensava com o seu carinho, trazendo, até a jamanta, pinga e conhaque nas noites mais geladas. O TPN foi, sem dúvida, a experiência mais honesta e positiva de popularização do teatro que jamais se realizou no Brasil.” Rosangela Patriota revela que o TPN “levou às ruas textos como A Pena e A Lei de Ariano Suassuna, As Desgraças de uma Criança de Martins Penna, Histórias do Brasil, antologia poética organizada por Ruy Affonso, e A Farsa do Mestre Pathelin, cuja autoria é atribuída a Pierre Blanchet ou a Antoine de La Sale.”

É nosso dever aqui denunciar uma tragédia que ocorreu no Teatro Ruth Escobar, fruto da violência da Ditadura Militar. Schuma e Érico descrevem: “Em 18 de julho de 1968, na encenação da peça Roda viva, de Chico Buarque de Holanda, Ruth assistiu a um dos acontecimentos mais violentos de que se tem notícia no cenário teatral mundial. Policiais militares invadiram o teatro, os atores – entre eles Marília Pera – e parte do público foram espancados e o teatro depredado.” O ataque foi uma resposta às inúmeras montagens revolucionárias produzidas à época no Teatro Ruth Escobar. Inclusive, apesar desta e outras brutais tentativas de censura da ditadura, o teatro seguiu recebendo produções revolucionárias, contribuindo com a resistência ao regime militar. Tudo isto fruto do comprometimento de Ruth Escobar com a defesa à sociedade brasileira. Similarmente, passou a se envolver progressivamente com o movimento de libertação feminina nesse período.

Sobre o episódio de barbaridade, Rosangela Patriota em Arte e resistência em tempos de exceção aponta que o teatro foi invadido por membros do Comando de Caça aos Comunistas – CCC. Após a agressão aos artistas e espectadores, e depredação do Teatro Ruth Escobar, a atriz buscou prestar queixa na Quarta Delegacia e no Deops. No entanto, as autoridades não permitiram que ela exercesse tal direito civil. Independentemente das violências sofridas, o Teatro Ruth Escobar abriu as portas para a realização do espetáculo. Presentes estavam Chico Buarque, Marieta Severo e Zé Celso na plateia, dentre outros. Naquela ocasião, havia segurança policial. Ainda assim, possível refletir que não o mero acompanhamento policial não era símbolo de confiança ou segurança para os artistas e os espectadores. Neste sentido, Rosangela aponta que foi constituída uma comissão de artistas para tratar do assunto com o governo, tendo sido a comissão recebida pelo chefe da Casa Militar de São Paulo.

Posteriormente, foi reunida assembleia autoproclamada permanente no Teatro Galpão, localizado acima do Teatro Ruth Escobar. A assembleia solicitava, por exemplo, policiamento ostensivo para os teatros e o devido processo legal contra indivíduos relacionados ao ato criminoso no Teatro Ruth Escobar. Em resposta, o então governador Abreu Sodré veio a público no jornal O Estado de São Paulo, na edição de 23 de julho de 1968. Falso, o então governador informava aos leitores que considerava o teatro “além de uma das mais nobres manifestações do pensamento humano, um poderoso instrumento de comunicação e cultura.” Apesar da publicação informando que seu governo saberia “usar da sua autoridade para reprimir qualquer ato de violência dos extremistas, parta de que extremo partir, direita ou esquerda, na salvaguarda da ordem pública”, o jornal Folha de São Paulo publicou em 12 de agosto de 1968 que o Teatro Ruth Escobar foi palco de novo ataque terrorista pela ditadura militar brasileira, através do uso de bombas de gás lacrimogênio.

Destacamos que, segundo verbete do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, o CCC era uma organização “paramilitar de extrema direita criada em 1964 em São Paulo com o objetivo de combater os movimentos de esquerda”. Nicolau Radamés Creti em Analy Alvarez – De Corpo e Alma nos ensina que o CCC era formado por alunos da Universidade Mackenzie, dentre outros. A partir desta informação, podemos refletir que se tratava de uma milícia burguesa que buscava defender ideais de extrema-direita ao detrimento da sociedade brasileira. A título de exemplo, Nicolau Radamés expõe que o grupo realizava gritos ameaçadores como “Gente de teatro é tudo comunista” e “se é comunista, pau neles.” O autor também revela que o CCC já havia atacado o Teatro Ruth Escobar algumas vezes, como na ocasião em que o espetáculo 1ª Feira Paulista de Opinião era apresentado. Com textos e cenas fortes, os atores e produtores apresentavam a peça sem a anuência do governo, de forma clandestina. Chamando tal abordagem de Ato de Desobediência Civil, os artistas se organizavam para entrar em cena durante um espetáculo já em execução, realizando apenas 10 minutos do espetáculo e fugindo em sequência. Nicolau descreve que o público delirava nas ocasiões, e que a polícia não conseguia prender os envolvidos. Nas palavras do autor: “Finalmente, depois de muita luta e muitos cortes, conseguiu-se a liberação de parte da peça e ela entrou em cartaz no Ruth Escobar. A turma do CCC baixou lá algumas vezes, tentando sabotar o espetáculo: quebravam ampolas de gás amônia na plateia, provocando a suspensão do espetáculo. Mas nada diminuía o sucesso da peça.” Após estes diversos ataques, o CCC decidiu espancar os artistas e expectadores do Roda Viva, tendo em mente que o Teatro Galpão era localizado no andar de cima do Teatro Ruth Escobar, oferecendo menores chances de fuga às vítimas.

Conforme nos ensinam Schuma e Érico em obra supra, Ruth Escobar nunca parou de lutar contra a ditadura. A exemplo, em 1969, após o trágico episódio descrito acima, o Teatro Ruth Escobar recebeu a estreia de O balcão, de Jean Genet. Foi necessário praticamente desmontar toda a casa de espetáculos, algo sem precedentes no Brasil. A peça ficou em cartaz por 2 anos, recebendo 6 prêmios. De uma vez por todas, o nome de Ruth Escobar como produtora e ativista cultural de vanguarda internacional. Os autores também denunciam que a atriz Nilda Maria, à época protagonista da peça, foi presa pelos militares, assim permanecendo por 6 meses. Ainda assim, a produção escalou outra atriz para a produção, bem como seguiu a realização de outros espetáculos revolucionários. Nas palavras dos autores: “Seguiram-se os espetáculos: em 1970, no Rio de Janeiro, Cemitérios de automóveis, de Arrabal; em 1971, em São Paulo, Missa leiga, de Chico de Assis; e A viagem, adaptação de Os Lusíadas de Camões, com o cantor Nei Matogrosso, em 1972.”

Na obra O Estranho e o Estrangeiro no Teatro, José Carlos dos Santos Andrade menciona que Ruth Escobar esteve à frente do Centro Latino-Americano de Criatividade. No entanto, por falta de recursos, o projeto foi finalizado. Em sequência, seguiu seu engajamento no teatro e na política, participando, por exemplo, da fundação do Comitê da Anistia Internacional. O autor também revela que Ruth Escobar criou o 1º Festival Internacional de Teatro em 1974, em São Paulo. A partir da iniciativa, a portuguesa trouxe ao Brasil espetáculos como (i) Time and Life of Joseph Stalkin – apresentado como Time and Life of David Clark após requisição da censura militar –, de Bob Wilson, e (ii) Yerma, premiado espetáculo de Victor García, com a participação de Nuria Esper, Andrei Serban e Jerzy Grotowski. O espetáculo contou com 3 edições ao total.

Anos após, Ruth Escobar passou a produzir o Festival Internacional de Artes Cênicas, entre 1994 e 1997. Segundo José Carlos dos Santos Andrade, a atriz havia recentemente retornado aos palcos, em 1990, na peça Relações Perigosas, de Gerald Thomas. O espetáculo era baseado na obra Quartet, de Heiner Müller. Ainda na década de 1990, o governo da França entregou a Ruth Escobar a condecoração Ordem Nacional da Legião da Honra, em 1998. Diga-se de passagem, em relação a estados soberanos europeus, o autor também relembra que o primeiro ministro de Portugal, Marcelo Caetano, havia assistido à supramencionada peça A Viagem, adaptação de Os Lusíadas de Camões por Marcelo Caetano, dirigida por Celso Nunes. Enfim, podemos refletir sobre o alcance e o reconhecimento internacionais que as produções da brilhante portuguesa obtiveram no século XX.

Importante destacar o papel de Ruth Escobar na política institucional brasileira. Conforme exposto por Beatriz Correia na reportagem Em sua atuação política, atriz Ruth Escobar destacou-se na luta pelas mulheres, publicada pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, a atriz exerceu 2 mandatos na Assembleia Legislativa paulista: (i) em 1983, pelo Movimento Democrático Brasileiro – MBD, e (ii) em 1987, pelo Partido Democrático Brasileiro – PDT. A repórter também revela: “Ela participou da elaboração da Constituinte atuando como membro efetivo na Comissão de Sistematização.” Em suas funções, Ruth Escobar foi uma das fundadoras da Frente de Mulheres Feministas do Estado de São Paulo, em 1978. Já em 1982, coordenou o primeiro Festival Nacional de Mulheres nas Artes, reunindo mais de 10.000 participantes, espectadores de 600 espetáculos e palestras proporcionados pelo evento.

Beatriz Correia expõe algumas condecorações recebidas por Ruth Escobar: (i) no Brasil, recebeu a comenda da Ordem, oferecida pelo Instituto Rio Branco; (ii) em Portugal, recebeu o Grau de Oficial da Ordem e do Mérito, oferecida pela Ordem do Dom Infante Henrique; (iii) na França, recebeu a Ordem das Artes e das Letras, oferecida pelo Ministério da Cultura da França – além da supramencionada Legião da Honra. Tais homenagens refletem o impacto de Ruth Escobar sobre as artes cênicas e a política a níveis nacional e internacional. Similarmente, mencionamos que o Ministério das Relações Exteriores havia indicado Ruth Escobar para um mandato de 4 anos no Comitê pela Emancipação e pela Discriminação Contra a Mulher (Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women – CEDAW). Ainda, Ruth Escobar participou da fundação do PMDB Mulher, através do qual suas integrantes criaram os primeiros conselhos pelo direito das mulheres no Estado de São Paulo. Beatriz também revela que Ruth Escobar foi uma das idealizadoras do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher – CDM, movimento organizado em defesa da igualdade de gênero. Todo o exposto nos leva a compreender a dimensão do impacto positivo que Ruth Escobar proporcionou ao Brasil e ao mundo, em defesa das mulheres, das artes e da democracia.

Tanto Beatriz Correia, em texto supra, quanto a página virtual Memórias da Ditadura mencionam que Ruth Escobar também contribuiu com a Feira Brasileira de Opinião. Nos termos da página virtual: “Em 1976, tentou realizar a Feira Brasileira de Opinião, reunindo textos de vários dramaturgos, evento proibido pela censura.” Mais uma vez, notamos a resistência das forças políticas reacionárias à brilhante e socialmente comprometida obra de Ruth Escobar. Não à toa, a Enciclopédia Itaú Cultural assim descreve Ruth Escobar: “Uma das notáveis personalidades do teatro brasileiro, empreendedora de muitos projetos culturais especialmente comprometidos com a vanguarda artística.”

Retornamos a mencionar a contribuição de Ruth Escobar à Anistia Internacional através dos ensinamentos de Schuma Schumaher e Érico Vital. Conforme exposto em Dicionário Mulheres do Brasil, em 1978, foi organizado o primeiro congresso pela anistia Internacional do Brasil, com a participação de importantes personalidades internacionais. Naquele ano, Ruth Escobar também produziu a peça Revista do Henfil, pregação cênica em prol da anistia. Os autores revelam que a peça foi encenada, dentre outros lugares, no Presídio de Itamaracá, em Pernambuco, na Penitenciária Lemos de Bruto, na Bahia, e na Casa de Detenção de São Paulo. Inclusive, fica aqui o convite à leitura: o editor e pesquisador teatral Alvaro Machado publicou o livro […] metade é verdade — Ruth Escobar, biografia da atriz que aborda a produção da Revista do Henfil, dentre diversos outros episódios memoráveis da vida da intelectual. Segundo a reportagem Biografia conta a trajetória de Ruth Escobar, publicada no Jornal Rascunho, o livro “retrata a vida e a obra de uma das mais ativas e polêmicas figuras do teatro brasileiro e internacional a partir dos anos 1960.” O livro apresenta 624 páginas recheadas de 347 imagens selecionadas dentre mais de 2.000 fotos disponíveis ao autor.

Necessário frisarmos que as movimentações artísticas e políticas de Ruth Escobar incomodavam o governo ditatorial militar brasileiro. Neste sentido, Schuma Schumaher e Érico Vital informam que os militares iniciaram um processo contra a atriz em 1982, quando concorria pela primeira vez à Assembleia Legislativa de São Paulo. O embasamento legal era a Lei de Segurança Nacional, e o ato investigado foi uma ofensa ao então presidente Figueiredo. O julgamento ocorreu em 1986, condenando a atriz a um ano de reclusão. Ruth Escobar não cumpriu a pena pois à época possuía imunidade parlamentar. Digno de nota que Ruth Escobar foi a última cidadã a ser condenada pela Lei de Segurança Nacional, instrumento legislativo manipulado pelo regime ditatorial para perseguir politicamente cidadãos.

Schuma Schumaher e Érico Vital também ensinam que o Teatro Ruth Escobar abrigou inúmeros seminários, congressos e encontros. Neste sentido, Rosangela Patriota, em obra supra, também expõe: “Em 1976, acolheu Ciclo de Debates e Panorama da Cultura Brasileira I. Em 1977, sediou o Seminário de Dramaturgia Brasileira I. Em 1978, houve a Conjuntura Política Nacional e o Congresso Nacional pela Anistia. No ano de 1979, foi a vez do Congresso da Mulher Paulista e da Luta do Povo Palestino: um debate sobre a Palestina, além do Encontro Brasileiro de Homossexuais e do Fórum de Debates sobre a Mulher/Frente de Mulheres Feministas, que aconteceram no decorrer do ano de 1980.” Os autores também nos ensinam sobre o impacto da atriz no mundo editorial brasileiro: Ruth Escobar, Neuma Aguiar, Laura Civita e a Editora Record fundaram em 1990 a primeira editora de mulheres do Brasil, a Rosa dos Tempos.

É crucial não esquecermos que Ruth Escobar foi uma das inúmeras vítimas da cruel Ditadura Militar. Neste tom, citamos novamente Nicolau Ramadés. O autor relata um episódio que envolveu Ruth Escobar e outros sobreviventes da ditadura militar. Pela comemoração dos 21 anos da Anistia, o então Secretário de Justiça do Estado Belisário dos Santos convidou Silnei Siqueira para dirigir um evento no Teatro São Pedro. Nicolau Ramadés foi procurado por Silnei Siqueira. Juntos, transformaram o antigo prédio do Dops – passado à Secretaria da Cultura por Belisário dos Santos, para ser transformado em um Memorial da Resistência – no palco do espetáculo. Eles homenagearam autores que haviam sofrido censura e prisão durante o regime militar: “Assim juntamos Ponto de Partida, do Guarnieri, que considero um dos textos mais bonitos da nossa dramaturgia e que fala da morte do Herzog; Missa Leiga, do Chico de Assis, dois poemas do Drummond e dois do Thiago de Mello que falavam de liberdade. Convidei o Isaias Almada para colaborar porque, afinal, ele havia estado preso lá e tinha a fluência necessária para o texto. Convidamos vários atores ex-presos do Dops, mas apenas a Nilda Maria aceitou. Ela ia representar na mesma cela onde havia ficado presa. Não era fácil. […] O ingresso era uma reprodução da verdadeira ficha do Dops e na entrada as pessoas tinham que colocar suas digitais para serem fichadas, como se elas estivessem sendo presas. Além disso, dois guardas (Mauro de Almeida e Emerson Caperbá), começavam a interrogar o público e depois o conduziam por um corredor estreito para onde davam as portas das quatro celas. Em cada uma, os presos (atores) espiavam assustados a passagem das pessoas. O público era trancado na primeira cela onde acontecia a primeira cena, depois era conduzido para a segunda e assim por diante. O ambiente era úmido, escuro, com uma iluminação muito benfeita pelo Nezito Reis.” O autor revela que Ruth Escobar esteve presente no espetáculo e foi tocada pela produção: “A emoção era tanta que a Ruth Escobar não aguentou e teve que sair.”

Sobre o Teatro Ruth Escobar, a página virtual SP Bairros expõe que ele foi adquirido em 1997 pela APETESP, 33 anos após sua inauguração. Nos termos da página, a compra foi realizada durante a gestão do então presidente Sérgio D’Antino com o objetivo de evitar que o estabelecimento e todo o equipamento teatral fossem adquiridos para fins de especulação imobiliária, principalmente diante da crise econômica que assolava o país à época. Elizabeth R. Azevedo informa no artigo ACERVOS TEATRAIS PAULISTANOS: Presente e futuro em jogo que não há acervos organizados e disponíveis para pesquisa em relação ao Teatro Ruth Escobar, à despeito do papel que representou no desenvolvimento artístico e social brasileiro. Segundo a pesquisadora, que também menciona o Teatro Maria Della Costa neste sentido: “Ao que se sabe, a documentação das companhias originais continua com seus titulares (Ruth Escobar e Maria Della Costa). No caso da primeira, a disputa judicial entre os três filhos da atriz, que sofre do mal de Alzheimer, pelo legado documental tornou-se matéria de interesse da imprensa.”

Digna de nota a produção acadêmica de Eder Sumariva Rodrigues sobre a vida e obra de Ruth Escobar. O pesquisador se tornou doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Teatro CEART/UDESC com a tese O embate além do sangue e da carne de Ruth Escobar: facetas de uma guerreira, sob a orientação de Vera Collaço. Antes, havia se tornado mestre em teatro pela Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC defendendo a tese A dinâmica da produção teatral de Ruth Escobar: entre estética e poder, arte e resistência. O intelectual também divulgou a vida e a obra da artista através dos seguintes eventos científicos: (i) IV Jornadas Nacionales de Investigación y Crítica Teatral, congresso de 2012, apresentando o trabalho Teatro Ruth Escobar: un local de la resistencia en la ditactura militar brasileña; (ii) VII Colóquio Internacional de Teatro: Territórios da Memória, seminário de 2011, apresentando o trabalho Presença/ausência de Ruth Escobar: revisitando a historiografia do teatro brasileiro; (iii)  VI Jornada de pesquisa do CEART XXI Seminário de Iniciação Científica, seminário de 2011, apresentando o trabalho A performance e a teatralidade no Teatro de Orgias e Mistérios de Hermann Nitsch; e (iv) VI Reunião Científica da ABRACE, encontro de 2011, apresentando o trabalho Ruth Escobar: uma ideia, diversos reflexos da radicalização do espaço teatral brasileiro.

Podemos concordar com a reflexão presente em Artigo: ‘Ruth Escobar foi a mãe do moderno teatro brasileiro’, diz Gerald Thomas. O autor, que considerava a atriz como sua mãe em muitos sentidos, compreende que Ruth Escobar se tornou mãe do teatro moderno brasileiro através de seus espetáculos sem precedentes. Ele relembra: “A Ruth destruiu seus teatros e realizou o desejo de Victor. O público sentava numa espiral de arame. O palco era um elevador de acrílico e tudo isso se dava num cilindro de oito andares. Genet veio e não gostou, mas o MUNDO amou.” Íntimo da atriz, o autor também lembra e compartilha que Ruth Escobar foi esfaqueada em Paris, em 1996. A faca havia alcançado o rim da intelectual, que recebeu tratamento médico em um hospital da Rue de Reinne. Gerald Thomas estava em Copenhagen e voou rapidamente a França, para visitar e cuidar de sua amiga. Neste mesmo texto, ele também compartilha a dor da perda de sua amiga querida.

Em 9 de julho de 2017, entre 13h30 e 14h, Ruth Escobar faleceu. Na reportagem Morre a atriz Ruth Escobar, aos 82 anos, a Veja relata que a atriz sofria de Alzheimer e estava internada havia 1 mês no Hospital 9 de Julho. A Associação de Produtores de Espetáculos Teatrais do Estado de São Paulo – APETESP, proprietária do Teatro Ruth Escobar, havia divulgado a partida da atriz. Segundo José Carlos dos Santos Andrade em obra supra, a atriz havia sido diagnosticada com Alzheimer em 2000.

A reportagem Atriz Ruth Escobar morre em São Paulo aos 81 anos menciona uma publicação no Facebook de uma das filhas de Ruth Escobar, a cantora e atriz Pat Escobar, lamentando o falecimento da mãe: “Partiu! Mãe! Saudades de tudo! O Christian estará aí para te receber! Agora só amor, paz, descanso… saudade!”

Palavras-Chave/TAG: #teatro #artes #resistênciacivil #ditaduramilitar #intelectualidade #direitoshumanos #anistiainternacional #constituinte #feminismo

Texto Adaptado do verbete contido no Dicionário Mulheres do Brasil por: Emilson Gomes Junior e Schuma Schumaher

REFERÊNCIAS:

  • Produções acadêmicas:

AZEVEDO, Elizabeth R. ACERVOS TEATRAIS PAULISTANOS: Presente e futuro em jogo. Revista do Arquivo, v. 4: São Paulo, 2017. Disponível em:  002919974.pdf (usp.br). Acesso em 25 jun 2023.

CRETI, Nicolau Ramadés. Analy Alvarez – De Corpo e Alma. Imprensa Oficial: São Paulo, 2010. Disponível em: Unknown (imprensaoficial.com.br). Acesso em 25 jun 2023.

MACHADO, Alvaro. […] metade é verdade — Ruth Escobar. Edições Sesc São Paulo: Curitiba, 2021. Disponível em: Caderno Ruth.pdf by Sesc em São Paulo – Issuu

PATRIOTA, Rosangela. Arte e resistência em tempos de exceção. Revista do Arquivo Público Mineiro, v. 42:  Belo Horizonte, 2006. Disponível em: Arte_e_resistencia_em_tempos_de_excecao.PDF (cultura.mg.gov.br). Acesso em 25 jun 2023.

PATRIOTA, Rosangela. Ruth Escobar e a cena teatral brasileira da década de 1970 -– Exercícios de liberdade e práticas de resistência (À memória de Ruth Escobar, que nos deixou em 05/10/2017). Pontes entre Europa e América Latina. Histórias de migrações e de mobilidades. Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, Laboratório de Estudos de Imigração – LABIMI: Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: v. 1 n. 1 (2018): Pontes entre a Europa e América Latina (XIX-XXI) | Pontes entre a Europa e América Latina (XIX-XXI) (uerj.br). Acesso em 25 jun 2023.

SCHUMAHER, Schuma; VITAL BRAZIL, Érico. Dicionário Mulheres do Brasil, de 1500 até a atualidade: biográfico e ilustrado. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

  • Sites:

Atriz Ruth Escobar morre em São Paulo aos 81 anos. G1 SP, 5 de outubro de 2017.  Disponível em: Atriz Ruth Escobar morre em São Paulo aos 81 anos | São Paulo | G1 (globo.com). Acesso em 25 jun 2023.

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CORREIA, Beatriz. Em sua atuação política, atriz Ruth Escobar destacou-se na luta pelas mulheres. São Paulo: 2017. Disponível em: Em sua atuação política, atriz Ruth Escobar destacou-se na luta pelas mulheres. Acesso em 25 jun 2023.

Morre a atriz Ruth Escobar, aos 82 anos. Veja, 30 de outubro de 2017. Disponível em: Morre a atriz Ruth Escobar, aos 82 anos | VEJA (abril.com.br). Acesso em 25 jun 2023.

RODRIGUES, Eder Sumariva. RESUMO. Porto Alegre: VI Reunião Científica da ABRACE, 2011. Disponível em: https://www.publionline.iar.unicamp.br/index.php/abrace/article/view/3042/3201. Acesso em 25 jun 2023.

RUTH ESCOBAR. Memórias da Ditadura, Instituto Vladmir Herzog. Disponível em: Ruth Escobar – Memórias da ditadura (memoriasdaditadura.org.br). Acesso em 25 jun 2023.

Teatro Ruth Escobar. SP Bairros. Disponível em: Teatro Ruth Escobar | São Paulo Bairros (spbairros.com.br). Acesso em 25 jun 2023.

THOMAS, Gerald. Artigo: ‘Ruth Escobar foi a mãe do moderno teatro brasileiro’, diz Gerald Thomas. Rio de Janeiro: Jornal Globo, 2017. Disponível em: RuthEscobar.pdf (geraldthomas.com). Acesso em 25 jun 2023.

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