O dia 28 de maio marca duas importantes datas relacionadas à luta pelos direitos humanos das mulheres: é o Dia Internacional de Ação pela Saúde da Mulher e Dia Nacional de Luta pela Redução da Mortalidade Materna. A data foi proposta em 1984, pelas feministas presentes no IV Encontro Internacional da Mulher e Saúde, ocorrido na Holanda, quando se defrontaram com os números alarmantes de mortes maternas. A estratégia era chamar a atenção do mundo para essa tragédia e mobilizar a sociedade para seu enfrentamento.
Morte materna é assim conhecida como aquela que ocorre no período chamado de gravídico-puerperal, ou seja, o período que vai da gravidez, ao parto e segue até 42 dias depois desse. Na sua grande maioria são mortes evitáveis e, portanto, a data serve para denunciar as precárias condições da assistência à saúde das mulheres. No Brasil, esse número é muito elevado, o que é inaceitável tendo em vista o país ser hoje uma das grandes economias do mundo. Tal realidade levou o país a assinar o documento da Organização das Nações Unidas – ONU, denominado “Objetivos de Desenvolvimento do Milênio” (ODM), que propunha aos países oito objetivos a serem alcançados até 2015. Entre esses, consta o de “Melhorar a saúde das gestantes”, chamado ODM 5. Apesar de, naqueles anos, o governo brasileiro ter desenvolvido inúmeras estratégias que levaram a uma sensível redução desse indicador, em 2019 a realidade ainda era grave. Porém, dados Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), agência da ONU para assuntos relacionados à saúde sexual e reprodutiva, mostram que a situação se agravou fortemente no país nos últimos anos, tendo se elevado em 94% a mortalidade materna no país durante a pandemia de covid 19.
Segundo o Observatório Obstétrico Brasileiro (2022), que mapeou os dados do Ministério da Saúde, enquanto em 2019 a Razão de Morte Materna[1] (ja muito elevada) era de 55.31 óbitos a cada 100 mil nascidos vivos. Em 2020 essa realidade só aumentou em relação ao ano anterior, chegando a 71.97 mortes e, tendo a razão de morte materna alcançando, em 2021, o triste patamar de 107.53 a cada 100 mil nascidos vivos, representando assim um aumento de 77% entre 2019 e 2021. Esses dados demonstram também a profunda desigualdade de acesso, pois ao cruzar essas mortes com alguns marcadores sociais, como raça/cor, é gritante o fato de que mais de 60% dessas mortes são de mulheres negras e acontecem em regiões com menos acessos a serviços.
Em 2022, os dados preliminares apontavam que, o número de mortes maternas de mulheres brancas era de 46,56, enquanto o de mulheres negras chegava a mais que o dobro: 100,38 óbitos para cada 100 mil nascidos vivos. Entre as principais causas da mortalidade materna estão a hipertensão arterial, a hemorragia, as condições decorrentes do aborto realizado em condições inseguras, a infecção pós-parto e as doenças do aparelho respiratório. Vale lembrar que grande parte dessas mortes é de meninas adolescentes entre 10 e 14 anos.
Porém, essas causas devem ser relacionadas com a falta de informação e acesso às mulheres, o alto índice de partos por cesárias, a falta de preparo de muitos profissionais da saúde, somadas à falta de humanização no atendimento e, às precárias condições de funcionamento dos serviços em algumas localidades, também contribuem para esse grave problema de saúde pública. Some-se a isso, o racismo estrutural, que continua sendo um agravante, devendo ser seriamente priorizado e enfrentado no compromisso de redução da morte materna assumida pelo Brasil.
Nesse contexto, torna-se primordial evidenciarmos que a crescente criminalização do aborto é um fator determinante para essa elevada RMM, além de ser causa de sequelas à saúde das mulheres. O impacto negativo da criminalização do aborto recai cada vez mais sobre a vida e a saúde das meninas, mulheres e pessoas que gestam, principalmente as negras, afastando-as dos serviços de saúde e empurrando-as para a ilegalidade.
A morte materna é uma grave violação dos direitos humanos das mulheres, como o direito a um planejamento reprodutivo com orientações sobre saúde sexual e saúde reprodutiva, acesso aos métodos contraceptivos nas unidades básicas de saúde, direito a um pré-natal, parto e nascimento de seguros e de qualidade. Direito a ter uma/a acompanhante de livre escolha da mulher na hora do parto, direito a ser acolhida nos serviços de saúde sem peregrinar entre hospitais e direito ao parto normal. Direito a todas as mulheres que desejam, a viver a experiência da maternidade como protagonistas de suas vidas e de seu corpo.
O Brasil retomou seu compromisso assumido com a Agenda 2030 de reduzir para 30 mortes a cada 100mil nascidos vivos, porém muito deverá ser feito para que essa realidade se concretize.
Texto escrito por: Emilson Gomes Junior e Lili Brum Ribeiro
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REFERÊNCIAS:
Vigilância do óbito materno, infantil e fetal e atuação em comitês de mortalidade. organizado por Sonia Duarte de Azevedo Bittencourt, Marcos Augusto Bastos Dias e Mayumi Duarte Wakimoto. ─ Rio de Janeiro, EAD/Ensp, 2013. 268 p.
A razão da mortalidade materna no Brasil aumentou 94% durante a pandemia. Fundo de População da ONU alerta para grave retrocesso. UNFPA – United Nations Population Fund: 18 de outubro de 2022. Disponível em: UNFPA Brasil | A razão da mortalidade materna no Brasil aumentou 94% durante a pandemia. Fundo de População da ONU alerta para grave retrocesso. Acesso em 16 mai 2024.
Aborto está entre as cinco principais causas de mortalidade materna. APM – Associação Paulista de Medicina: São Paulo, 10 de janeiro de 2023. Disponível em: Aborto está entre as cinco principais causas de mortalidade materna – APM. Acesso em 16 mai 2024.
Morte de mães negras é duas vezes maior que de brancas, aponta pesquisa. MS – Ministério da Saúde: 23 de novembro de 2023. Disponível em: Morte de mães negras é duas vezes maior que de brancas, aponta pesquisa — Agência Gov (ebc.com.br). Acesso em 16 mai 2024.
RIBEIRO, Maiara. POR QUE A TAXA DE MORTALIDADE MATERNA É TÃO ALTA NO BRASIL? Drauzio, UOL: 2 de agosto de 2023. Disponível em: Por que a taxa de mortalidade materna é tão alta no Brasil? – Portal Drauzio Varella – Portal Drauzio Varella (uol.com.br). Acesso em 16 mai 2024.
Mortalidade materna no Brasil: o que mostra a produção científica nos últimos 30 anos? Marcia Lait Morse; Sandra Costa FonsecaI; Mariane Doelinger BarbosaIII; Manuele Bonatto CalilIII; Fernanda Pinella Carvalhal Eye. Disponível em https://www.scielo.br/j/csp/a/R4VnMBKz9d4f5Jp9bF6Pxzr/ – acesso em 03 de junho de 2024.
COSTA, Ana Maria: Saúde das mulheres brasileiras, celebrar o quê? Disponível em Ana Maria Costa: Saúde das mulheres brasileiras, celebrar o quê? – Viomundo – acesso em 3 de junho de 2024.
[1] A Pesquisa Nascer no Brasil apresenta o conceito de Razão de Mortalidade Materna (RMM) que é o número de óbitos, registrados em até 42 dias após o término da gravidez (atribuídos a causas ligadas à gestação, ao parto e ao puerpério) por 100 mil nascidos vivos.