Joanna Burigo
Publicado originalmente em: Carta Capital – 12 de abril de 2016. https://www.cartacapital.com.br/opiniao/homem-feminista-vs-omi-feministo/
O argumento que está prestes a ser feito não surge de uma suposta hostilidade feminista em relação aos homens, mas sim da experiência de quem já gastou latim demais em uma discussão que tende a ocorrer de forma exaustivamente cíclica, e que seria desnecessária se o pensamento feminista fosse mais facilmente assimilado por quem reluta em prestar atenção nele por uma teimosa aversão à mera menção do termo.
O feminismo é um movimento de inclusão social e, como tal, parte do pressuposto de uma exclusão social pré-existente. Visto que o projeto feminista visa resolver desigualdades pautadas em gênero que pesam mais negativamente sobre as mulheres do que sobre os homens, é falacioso declarar que o feminismo os exclui.
Os pareceres dos homens sobre o feminismo importam para as feministas? Depende. Gênero é relacional, então aliados têm muito valor utilitário quando levam a luta para os espaços adequados. Mas, francamente, as sugestões dos homens para o feminismo não importam tanto quanto eles acreditam. A sociedade é machista, e o feminismo se propõe a solucionar esta opressão, o que inclui não ser oprimida dentro do próprio movimento.
Apesar de vivermos numa sociedade machista, nem tudo é sobre ou feito para os homens. Menos ainda o feminismo. O protagonismo aqui é, incontestavelmente, das mulheres.
As experiências sociais de homens e mulheres diferem bastante, os homens não navegam na sociedade das mesmas formas que as mulheres, e não é complicado compreender isso. Quando uma feminista fala sobre suas experiências de opressão, os homens deveriam ouvir, assimilar e refletir muito antes de emitir opiniões, simplesmente porque as mulheres falam sobre experiências que eles não têm.
Sexualidade, autonomia corporal, representatividade política, representação na mídia, poder institucional, violência específica de gênero e tarefas domésticas são pautas feministas porque as experiências das mulheres em relação a elas são assombrosamente diferentes das dos homens, e para pior.
Se uma pessoa não passa por uma experiência qualquer, é menos provável que ela saiba o que esta experiência significa para aqueles que passam por ela. Quando se trata de debater experiências relacionadas às vivências das mulheres, não deveria ser difícil de entender que as mulheres certamente sabem melhor sobre elas do que os homens. E a melhor maneira de aprender sobre experiências que não temos é ouvir atentamente o que aqueles que passam por essas experiências têm a dizer sobre elas.
Andrea Dworkin, notória e polêmica feminista radical estadunidense, quando interpelada por homens dispostos a provar que nem todos os homens são inimigos, pedia que a poupassem de defensivas individuais e usassem a energia para questionar o trabalho autores que banalizam a violência sexual contra as mulheres. Ela acreditava que não há porque um homem se defender para uma feminista, e que melhor uso desta energia seria educando outros homens a respeito dos danos que a opressão masculina causa às mulheres.
Os homens que se dizem feministas deveriam saber disso. Algumas feministas não aceitam sequer a ideia de que homens possam se declarar feministas, e entendo esta salvaguarda, pois muitos homens que se declaram feministas, quando pressionados a mudar um comportamento misógino, passam a agir como feministo.
O “omi feministo” é uma forma bastante jocosa de denominar aqueles que gostam de bradar lealdade ao movimento, mas que ao primeiro sinal de discrepância entre seu discurso e sua prática, fazem birra. A expressão se popularizou de tão frequente que é esta conduta.
Os homens feministas deveriam saber que seu lugar no feminismo não é se defendendo, tampouco interpelando a fala das mulheres, e muito menos ensinando as mulheres sobre o que o feminismo deveria ser ou não. Os homens feministas deveriam usar seu lugar de privilégios para falar sobre feminismo para outros homens. Se um homem é realmente feminista, ele sabe que as mulheres podem organizar sua própria luta, e confia nelas para fazê-lo. O feminismo é a ideia radical de que mulheres são seres humanos, portanto, homens verdadeiramente feministas sabem que somos perfeitamente capazes de traçar nossas próprias metas e atingir nossos próprios objetivos.
Esperar solidariedade e empatia das mulheres não é o mesmo que inviabilizar conversas importantes pela necessidade pueril de ser incluído nelas. Muitas feministas são didáticas e gentis com os homens, mas não se pode confundir generosidade com subserviência a um sistema que insiste em nos colocar em posições de sujeição.
Poderíamos substituir o tempo que dedicamos para explicar feminismo para homens pelo empoderamento de outras mulheres, por exemplo. Os homens precisam entender que, ainda que gênero seja relacional e que eles sejam parte da mudança, o feminismo não é sobre eles. Querem ajudar? Não atrapalhem as mulheres; ouçam-nos, e apliquem o que aprenderam onde puderem, com outros homens.
Exigir ser ouvido em qualquer esfera é um reflexo da constituição patriarcal que privilegia a fala dos homens acima de todas as outras. E não é que o que os homens têm a dizer não seja valioso, mas em espaços feministas homens não são nem nunca serão os protagonistas.
Queridos homens, desapeguem da necessidade de serem ouvidos no feminismo, e aprendam e passem a nos ouvir mais.
Se isso servir de consolo, lembrem-se: vocês não são os únicos que devem ouvir mais do que falam. Pessoas brancas, com nosso privilégio branco, mais atrapalham do que ajudam quando insistem em interpelar a luta das pessoas negras contra o racismo. Deixar de lado a necessidade de falar, além de ser um exercício de humildade, é libertador, e quem o faz não perde nada. Ao contrário, é incrível o que se aprende.
Questões sistêmicas exigem que saibamos, constantemente, qual é nosso lugar dentro desse sistema. Algumas vozes são menos relevantes que outras por não virem das protagonistas da luta a respeito da qual elas opinam. Declarar isso em relação à voz dos homens não constitui hostilidade, mas sim feminismo bem feito.
Palavras-chave: homens e feminismo, gênero, Andrea Dworkin