Cacique do povo Jenipapo-Kanindé, agricultora de ervas medicinais, guardiã da memória, profissional de turismo comunitário, compositora, intérprete e artesã.
Maria de Lourdes da Conceição Alves, conhecida comoMestra Cacique Pequena, de nome indígena Tigresa, é mãe, avó, bisavó e ativista política incansável. É considerada “Guardiã da Memória”, sendo avó de 54 e bisavó de 15 indígenas. Mãe de 16 filhos e líder de 120 famílias, Cacique Pequena viajou por estados brasileiros como Brasília, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo em defesa dos povos indígenas. Não foram poucas as vezes que Cacique Pequena precisou reivindicar o direito do povo Jenipapo-Kanindé sobre os seus 1.734 hectares de terra, hoje oficialmente demarcados e registrados.
Em 1994, os indígenas Jenipapo-Kanindé, que vivem à margem da Lagoa da Encantada, no município cearense de Aquiraz, lutavam pelo reconhecimento legal concedido pela Fundação Nacional do Índio – FUNAI. À época, eles sentiam a perda do antigo cacique, falecido havia 3 anos, enquanto Maria de Lourdes se destacava como líder em defesa do reconhecimento legal dos Jenipapo-Kanindé, bem como em defesa dos direitos indígenas como um todo.
Mestra Cacique Pequena negou três vezes a escolha de seu povo para que ela se tornasse cacique, revelando, em reportagem do Diário do Nordeste (2023), que foi vítima de misoginia por seus pares: “Eu tive que ouvi de outros caciques que mulher só serve para cama e beira de fogão.”. Cacique Pequena também relatou o que viveu em 1995, quando foi registrada como a primeira mulher cacique de uma tribo indígena, aos 61 anos: “Eu tive que tomar um goró verde, que nem sabia o que era, para provar que tinha capacidade de estar ali entre aqueles 39 caciques homens”. A Cacique, “pequena/grande”, como as pessoas costumam dizer, superou o costume de designação de homens para a função de cacique – até hoje, este costume está presente em diversos povos indígenas brasileiros.
O legado de Mestra Cacique Pequena ao seu povo, Jenipapo-Kanindé, é imensurável. A cacique idealizou e fundou a Associação das Mulheres Indígenas Jenipapo-Kanindé – AMIJK, possibilitando a salvaguarda do patrimônio cultural indígena e tratando de demandas territoriais, assistenciais e comerciais. Mestra Cacique Pequena também idealizou o Ritual ou Festa do Marco Vivo, cuja criação se deu em abril de 1997, quando um grupo de lideranças sob o comando de Cacique Pequena decidiu iniciar essa ação, convidando os parentes Tapeba, Pitaguary e Tremembé para celebrar em momento sagrado. Desde então, o Ritual do Marco Vivo reúne povos indígenas anualmente para realizar orações, danças, encontros com ancestrais e Tupã – reafirmando suas identidades culturais e reconhecendo o território e as culturas material e imaterial dos povos participantes, por meio de cantos, rezas e danças ao redor do tronco de yburana (ou imburana).
Outro legado, considerado um de seus maiores, é a Escola Indígena de Ensino Diferenciado. Nessa escola, a cultura do povo Jenipapo-Kanindé é trabalhada com as crianças, resgatando-se as histórias de grupo, as lendas, as danças, junto com os professores indígenas que lecionam na instituição.
Maria de Lourdes é grande defensora da oralidade. Não nos surpreende, portanto, que seja uma compositora e intérprete musical fonográfica. Ela gravou o CD Beleza da Vida, com apoio da Secretaria da Cultura do Governo do Estado do Ceará – SECULT/CE, que apresenta 12 músicas indígenas de sua composição.
Além de defensora da oralidade e da arte musical, Cacique Pequena é artesã. Ela utiliza sementes como as de pau-brasil, jeriquiti, mucunã e linhaça para criar colares e pulseiras, bem como cipós, juncos, tabocas e coco para confeccionar outros artefatos. Para Cacique Pequena, o artesanato tem significado especial, além de fazer parte da identidade Jenipapo-Kanindé e contribuir para a sobrevivência das famílias.
Desde pequena, Maria de Lourdes participou de farinhadas, uma tradição do povo Jenipapo-Kanindé, que anualmente é realizada na casa de farinha comunitária. Para a cacique, as farinhadas são “momentos de conversas e prosas, uma celebração da alegria e da fartura”, conforme disse ao Currículo. Durante o evento, são produzidos bolos de sabores como macaxeira, batata doce, milho e carimã, além de serem feitos tapioca, canjica, cuscuz, pamonha e chá de burro (mucunzá).
Hoje, Cacique Pequena segue atuando em prol de seu povo. Um exemplo disso é a agricultura – que tem parte destinada a plantas medicinais, utilizadas conforme a fé dos Jenipapo-Kanindé – e a criação de animais, com viés ambiental. Mestra Cacique Pequena vem preservando a cultura do seu povo tanto através da medicina indígena quanto através da cultura imaterial, cuja singularidade se dá pela manutenção das lendas compartilhadas pela comunidade, histórias de antepassados e aspectos culturais vivenciados pela etnia – como histórias sobre os próprios Jenipapo-Kanindé, com personagens que fazem parte do imaginário desse povo (figuras que habitam a região, como saci-pererê, Mãe D’água e a sereia).
São admiráveis as perspectivas culturais e comunitárias do povo liderado por Cacique Pequena. Todo seu legado certamente apenas existe em função das batalhas lideradas pela Mestra Cacique Pequena e travadas para o reconhecimento e a proteção do povo Jenipapo-Kanindé e dos seus direitos enquanto povo originário. Não à toa, Mestra Cacique Pequena é listada entre os Mestres da Cultura 2015 no Anuário do Ceará. Verdadeiramente inegável o impacto cultural provocado pela atuação da Cacique em toda a comunidade Jenipapo-Kanindé, bem como em todo o Ceará e no Brasil.
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Elaborado por: Emilson Gomes Junior, Schuma Schumaher e Carolina Becker.
REFERÊNCIAS:
- Produções acadêmicas:
Mapa Cultural. Currículo Mestra da Cultura Cearense / (História de Vida). Secretaria de Cultura do Governo do Estado do Ceará – SECULT/CR: Fortaleza, 2014. Disponível em: curriculo_mestra_da_cultura_cearense.pdf (secult.ce.gov.br). Acesso em 20 mar 2023.
- Sites:
Anuário do Ceará. Maria de Lourdes da Conceição Alves (Mestra Cacique Pequena). Mestres da Cultura 2015: Fortaleza, 2015. Disponível em: APEES – Lydia Besouchet e os escritos feministas na revista “Vida Capichaba”. Acesso em 20 mar 2023.
Diário do Nordeste. Maria de Lurdes, a 1ª cacique de uma tribo indígena no CE. Redação: Fortaleza, 7 de março de 2017. Disponível em: Maria de Lurdes, a 1ª cacique de uma tribo indígena no CE – Metro – Diário do Nordeste (verdesmares.com.br). Acesso em 19 fev 2023.
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