• Isabel do Vôlei (1960 – 2022)

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15 de maio de 2024 por 

Atleta do Vôlei de Praia e ativista política.

Maria Isabel Barroso Salgado, ou Isabel do Vôlei, é uma das mais reverenciadas atletas da história brasileira. Filha de Antonio, um funcionário público cearense e de Marília, professora, Isabel nasceu em 02 de agosto de 1960, no Rio de Janeiro. Segundo a página virtual Filmow, na sessão Isabel Salgado, diz que ela foi atacante desde seus 11 anos, quando estudava no Colégio Notre Dame, em Ipanema.

Isabel foi estimulada por seu treinador Ênio Figueiredo – à época, treinador do Flamengo; posteriormente, técnico de Isabel da Seleção Brasileira – a treinar em um clube para se desenvolver ainda mais no esporte, aos 12 anos. O texto revela sua trajetória no esporte: “Formada nas divisões de base do Flamengo, jogando na categoria de base desde 1973 neste clube. Em 1976 foi convocada para Seleção Brasileira Juvenil, quando conquistou a terceira colocação do Campeonato Brasileiro de Voleibol. Ainda pelo Flamengo conquistou dois títulos do Campeonato Brasileiro de Voleibol, nos anos de 1978 e 1980. Era uma das representantes do clube na Seleção Brasileira, que disputou duas edições de olimpíadas, a primeira nos Jogos Olímpicos de Moscou, em 1980, e a outra nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984. Disputou campeonatos em mais de dez clubes brasileiros, atuando também em algumas temporadas no voleibol italiano e japonês. Esteve na Seleção Brasileira nos campeonatos sul-americanos (juvenil e adulto), pan-americanos e mundiais. Posteriormente passou a disputar torneios de vôlei de praia.”

Isabel também atuou como atleta do vôlei de praia em diversos times, e foi e treinadora de vôlei pelo Flamengo nos anos 1999 e 2000.  Aliás, foi uma das pioneiras do vôlei de praia ao participar do torneio promovido pela FIVB, em Almeria, Espanha, em 1992, em dupla com Jackie Silva. Isabel também formou dupla com Roseli Timm, conquistando a medalha de ouro no Campeonato Mundial de Vôlei de Praia de 1994, em Miami. Isabel e Roseli conquistaram 3 medalhas de praia e 2 de bronze até 1995. Após a parceria com Roseli, Isabel formou outras duplas até a sua aposentadoria enquanto atleta do vôlei de praia, em 1997. Apaixonada pelo esporte, o vôlei contaminou parcela da família, posto que Isabel teve 5 filhos, e 3 deles foram bem sucedidos jogadores de vôlei de praia: “Maria Clara e Carolina Solberg começaram em 2005 e Isabel foi técnica da dupla, pela primeira vez no Circuito Mundial e ganhou sua primeira medalha de ouro em Myslowice, Polônia, em 2008. No mesmo ano, o filho Pedro Solberg, vencedor de mais de dez torneios, foi eleito, com seu parceiro, a dupla do ano e campeão do Circuito Mundial.

Cria de Ipanema, Isabel era de todas as tribos. Lúcio descreve: “Viu muito nova o povo saindo das dunas de Gal já indo para o Posto 9, onde seria estrela, a marca de um tempo e de uma cidade. A atleta que estava louvando o sol junto com os artistas da cidade, com o povo da praia, com todos. Praticava a diversidade antes de falarem, viveu o Rio dos 70, 80, 90 como os ares da redemocratização pediam: com tudo. Diretas já na Presidente Vargas entre um treino e outro, Chico na vitrola e um monte de amigos pra celebrar a vida, se não fosse assim não tinha graça.” O autor também relembra que Isabel teve diversos filhos, inclusive tendo adotado Alison de súbito, logo após conhecer a sua história. Mesmo tendo sido desestimulada, à época, talvez fruto do preconceito e do racismo, em torno da adoção, Isabel teve mais um filho, amando todos visceralmente.

Além de atleta, também foi atriz, pois participou das seguintes produções cinematográficas: Mulheres Olímpicas, dirigido por Laís Bodanzky, de 2013, e Como Ser Solteiro, dirigido por Rosane Svartman, de 1998. Enquanto o primeiro filme demonstra a relevância de Isabel e outras atletas para o esporte brasileiro e global, o segundo demonstra a popularidade da atleta, atuando em filme para a cultura popular.

Além de brilhante atleta, Isabel era defensora dos Direitos Humanos. O direito ao acesso à cultura, inclusive, era uma de suas bandeiras. A luta contra o fascismo, outra. Tal é perceptível através de carta aberta de Isabel Salgado a Jair Bolsonaro, presidente eleito para o mandato 2019 – 2022. No desabafo, a atleta relembra suas memórias de infância, destacando como a arte brasileira foi importante para a sua formação, bem como para o bem-estar de seus familiares e de inúmeros brasileiros. Assim inicia o desabafo: “Meu nome é Isabel, joguei vôlei na seleção brasileira, representei o Brasil por muitos anos. Resolvi escrever essa carta aberta, não para falar de esporte, mas para falar da cultura, porque acredito que só pude ser a jogadora que fui e a pessoa que sou graças aos filmes que vi, aos livros que li, às músicas que ouvi, às histórias que minha avó me contava. Minha mãe era professora e escritora, amava os livros, adorava música, e foi ela quem me apresentou a Chico Buarque, Caetano, Cartola, Luiz Melodia, entre tantos grandes compositores brasileiros. Lembro, quando chegava do treino muito cansada, que me deitava no sofá e ela me falava dos poetas que amava: Bandeira, João Cabral, Cecília Meirelles, Drummond…. Hoje tenho certeza que aquela atmosfera foi muito importante na minha formação.”

No documento, Isabel denuncia as violências verbais e simbólicas perpetradas pelo governo Bolsonaro a artistas brasileiros: “Pois é, depois de um ano de governo Bolsonaro, preciso expressar meu horror com o que tem acontecido com a cultura. É muito duro ouvir os insultos que foram proferidos contra Fernanda Montenegro; ver Chico Buarque ganhar o prêmio Camões, maior prêmio da língua portuguesa, sem que o presidente cumprimente ou comemore o feito; testemunhar a morte de João Gilberto, um dos maiores compositores brasileiros sem que nenhuma homenagem tenha sido feita pelo governo. É estarrecedor saber que nosso cinema é premiado lá fora e atacado aqui dentro; ver o ataque brutal à casa de Rui Barbosa, com as exonerações dos pesquisadores que eram a alma e o coração daquela instituição. E como se não bastassem esses exemplos de barbaridade, assistimos ainda o constante flerte do governo com a censura. Essa carta é só pra dizer que eu me sinto muito ofendida, senhor Bolsonaro. Não sou uma intelectual, sou uma cidadã brasileira que acredita que a cultura é essencial para qualquer pessoa.”

Nesta carta aberta, Isabel compartilha também seus aprendizados no esporte. Ela pontua que o esporte a ensinou que é fundamental respeitar as diferenças e saber que elas são enriquecedoras em todos os aspectos, e que é fundamental respeitar adversários ao invés de tratá-los como inimigos. A atleta ensina ao presidente que é importante sermos democráticos, tal como no esporte – ironicamente, o presidente eleito não demonstrou, até o momento, ter aprendido com Isabel, ou qualquer outra pessoa, o que é democracia. Ao final, Isabel, sensível e enérgica, aconselha o presidente para o bem de todo o povo brasileiro (e, quem dera, ele tivesse aprendido!): “O senhor foi eleito democraticamente. Governe democraticamente, e não apenas para quem pensa como o senhor. Hoje eu pensei muito nos rumos da cultura, porque me lembrei da minha querida avó, que me levava, quando menina, para passear nos jardins da casa de Rui Barbosa…” Isto nos mostra que Isabel não apenas tinha um coração enorme, como também uma combativa consciência política.

Diante dos autoritarismos do governo Bolsonaro, a atleta nos mostra que é possível nos posicionarmos e utilizarmos nossas vozes em benefício de diálogos saudáveis e da defesa de Direitos Humanos no Brasil e no mundo.

Isabel faleceu em 16 de novembro de 2022, aos 62 anos. Conforme exposto por Lúcio Castro, no texto Isabel foi uma revolução. Uma vida maior, o enterro aconteceu no Crematório do Caju, enquanto o velório ocorreu na Capela Histórica. Em memória da atleta, o autor compartilhou: “Nunca houve uma mulher como Isabel. Nas quadras de vôlei, na vida. E era tão simples entender: o que Isabel foi, na quadra de vôlei, era também na vida. A intensidade e o destemor que ninguém tinha visto antes. A mulher à frente do seu tempo, de suas lutas. Fim dos anos 70, ditadura militar, o esporte brasileiro, uma contrafação dos regimes autoritários, muitas vezes os mesmos personagens em um e outro. E aquela carioca, nascida em 2 de agosto de 1960, com 16, 18 anos, liderando o Flamengo pra ser campeão brasileiro. Era muito mais do que isso. Ninguém falava em igualdade de gênero para salários e premiações naqueles dias. Mas Isabel já falava.  As mulheres tinham que ganhar o mesmo. Estamos falando de anos 70. E a atacante de 1,80m desafiava os cartolas exigindo sua parte, igualdade. Se não pagassem direitos de arena tampava a marca do patrocinador. Pagou todos os preços por isso. Deu de ombro, fez seu caminho. Era grande demais pra se enquadrar por títeres infames que queriam delimitar seu espaço. Isabel não podia existir enquadrada. Foi a luta. Carregando 4 filhos no colo, sozinha, Itália, Japão…”

Reflexo de sua relevância cultural, Isabel foi convidada para participar do grupo de transição do esporte no governo Lula, que inicia em 2023. Perante o convite, Isabel demonstrou que meteria a mão na massa, tendo prontamente iniciado estudos em relação aos projetos a serem desenvolvidos. Apesar da nossa perda, devemos lembrar que Isabel descansa hoje, depois de décadas lutando pelo esporte, pela cultura, pelo antifascismo, pela antimisoginia, pelo antirracismo, pelos Direitos Humanos.

A Confederação Brasileira de Voleibol – CBV anunciou uma série de homenagens à ex-atleta nas partidas da Superliga e no vôlei de praia. A primeira foi a realização de 1 minuto de silêncio antes de todas as partidas das Superligas masculinas e femininas da semana do dia 16 de novembro de 2022 – data de falecimento da atleta. Já na etapa Niterói do Circuito Brasileiro de vôlei de praia, evento no qual seus filhos jogariam, também houve momento em homenagem a Isabel do Vôlei. A CBV também decidiu que todos os jogadores disputariam as partidas com tarja preta no uniforme em sinal de luto. No comunicado, Radamés Lattari, vice-presidente da CBV, falou um pouco do ícone do esporte: “Isabel foi exemplo e inspiração para gerações de jogadores ao longo das últimas décadas. Foi uma jogadora extraordinária e contribuiu de maneira ímpar para o desenvolvimento do voleibol feminino. Será para sempre uma referência do nosso esporte. Prestamos nossa solidariedade a todos os familiares e amigos de Isabel, em especial a seus filhos Pedro e Carolina. Neste fim de semana, eles disputariam a etapa final do Circuito Brasileiro, evento no qual a CBV fará uma série de homenagens a Isabel”

Elaborado por: Emilson Gomes Junior e Schuma Schumaher

Palavras-Chave/TAG: #esporte #volei #antirracismo #feminismo #maternidade #ativismo

REFERÊNCIAS:

  • Sites:

CASTRO, Lúcio de. Isabel foi uma revolução. Uma vida maior. Agência Sportlight: Rio de Janeiro, 2022. Disponível em: Isabel foi uma revolução. Uma vida maior – Sportlight (agenciasportlight.com.br) Acessado em 22 nov 2022.

Filmow. Isabel Salgado. Disponível em: Isabel Salgado (I) (2 de Agosto de 1960) | Artista | Filmow Acessado em 22 nov 2022.

LuLacerda. Leia a carta de Isabel Salgado, escrita em setembro de 2020, sobre a cultura. Redação: Rio de Janeiro, 2022. Leia a carta de Isabel Salgado, escrita em setembro de 2020, sobre a cultura | Lu Lacerda | iG Acessado em 22 nov 2022.

UOL Cultura. CBV anuncia série de homenagens para Isabel Salgado nas partidas da Superliga e no vôlei de praia. Esporte, Redação: São Paulo, 2022. Disponível em: 503 Backend fetch failed (uol.com.br) Acessado em 22 nov 2022.

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