• Obstáculos à isenção de IRPF para pessoas com HIV

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7 de fevereiro de 2025 por 

Emilson Gomes Junior e Schuma Schumaher

Em 19 de março de 2021, foi decidido que pessoas com HIV têm direito à isenção de IRPF – Imposto de Renda de Pessoa Física. A decisão foi da TRU – Turma Regional de Uniformização dos JEFs – Juizados Especiais Federais da 4ª Região. A decisão deu resposta a um pedido de uniformização de jurisprudência de um morador de Capão Canoa, de 63 anos, que tem HIV. Observa-se que não foi fácil obter esta resposta judicial. Antes, a 5ª Turma Recursal do Rio Grande do Sul havia decidido o contrário. O recurso foi baseado no fato de que a referida decisão era diferente do entendimento de um acórdão da 1ª Turma Recursal do Paraná, em caso semelhante. Logo, observamos a fragilidade do acesso ao direito à saúde, na medida em que o art. 6º, XIV, da Lei 7.713/1988, determina a isenção de IRPF para pessoas com HIV, doença de Parkinson, hanseníase, cegueira, câncer, e outras condições.

Importante compreender que dificuldades para acessar este direito vão contra o art. 196 da CF – Constituição Federal, na medida em que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido com políticas sociais e econômicas que visem reduzir risco de doença e outros agravos, e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Assim, quando a paciente com HIV se vê obrigada a entrar em uma batalha judicial para acessar um direito que lhe é garantido, necessariamente se causa dano à sua saúde através da negação de seu direito, ainda que temporário. Há pesquisas que indicam que requerentes tinham uma visão mais negativa da vida e, em geral, apresentavam mais sintomatologia psicossomática, em comparação com requeridos. Ainda assim, os réus quanto os autores apresentavam problemas de saúde ao vivenciar batalhas judiciais. No caso, entretanto, pode-se observar maior prejuízo à paciente, na medida em que precisa esperar ter acesso pleno ao seu direito à saúde.

Considerando a desigualdade brasileira e os danos que a pobreza causa na saúde da população e no combate ao HIV, é crucial observar que negar acesso à saúde necessariamente agrava a saúde da população e dificulta os trabalhos desenvolvidos pelo SUS – Sistema Único de Saúde. Isso é observado pelo fato de que a aids matou mais pessoas negras do que brancas em 2023, mesmo no contexto de queda de óbitos pela doença. Nota-se também que houve maior aumento de casos entre pretos e pardos. Pesquisadores do grupo DSAIDS – Determinantes Sociais do HIV/Aids, da Bahia, concluíram que a pobreza pode reverter décadas de avanço no cambate à aides no Brasil, porque ela hoje afeta mais pessoas pobres, pretas e com baixa escolaridade – especialmente pessoas analfabetas. Os pesquisadores refletem que ações de educação em saúde sobre as medidas de prevenção e a importância dos textes não chega de forma efetiva para grupos mais vulneráveis. Isso causa diagnósticos tardios, dificuldade de acesso à saúde e continuidade do cuidado, menores possibilidades de adesão a tratamento.

Justamente a população mais vulnerável precisa ter acesso à informação de que têm, sim, direito a isenção de IRPF. Essa informação é complementar às medidas educativas para prevenção e tratamento do HIV, para garantir que alcancemos as metas globais da ONU – Organiação das Nações Unidas: (i) ter 95% das pessoas vivendo com HIV diagnosticadas; (ii) ter 95% dessas pessoas em tratamento antirretroviral, e, (iii) ter 95% das pessoas tratadas com carga viral controlada. Hoje, em números gerais, o Brasil possui, respectivamente, 90%, 81% e 95% de alcance. O MS também destaca que o uso do PrEP permite a preparação do organismo das pessoas para enfrentar possível contato com o HIV, sendo um avanço de 2023 a disponibilização dele nos ambulatórios que acompanham a saúde de pessoas trans.

Considerando que a pessoa com HIV deve realizar tratamento por toda a vida, e que deve cuidar ao máximo de sua saúde para não dar chances ao desenvolvimento da aids, inevitável defendermos o acesso livre dessas pessoas à isenção de IRPF. Da mesma forma, devemos nos lembrar que a pessoa com HIV tem custos recorrentes em relação a transporte e outros gastos necessários para ir aos estabelecimentos do SUS para realizar tratamento. Ao assegurar o respeito à isenção de IRPF dessas pessoas, e ao divulgar esta informação junto com outras informações sobre o HIV, ampliamos o acesso à saúde da população e incentivamos a realização de tratamento médico periódico.

Antes que relaxemos, é importante lembrarmos que direitos são frágeis. Parece paradoxal, considerando a dureza que se tem para consegui-los. Enfim, em 23 de janeiro de 2019, por exemplo, a 7ª Turma Cível, com a Relatora Desª Gislene Pinheiro, julgou o Acórdão 1145503, decidindo que apenas os portadores de HIV com aids tinham direito à isenção do IRPF. Felizmente, como vimos ao início, o TRU considerou diferente em 2021, tendo em vista que há prescrição para uso de medicalçao específica, utilizada justamente para tentar impedir o desenvolvimento da aids. O juiz federal Relator Antônio Fernando Schenkel do Amaral, do STJ – Superior Tribunal de Justiça, afirmou que a manutenção da isenção se justifica mesmo com o controle da aids, para garantir melhor acompanhamento para a pessoa – logo, para garantir o pleno acesso a seu direito à saúde.

Em 16 de agosto 2023, o TNU precisou se posicionar novamente sobre o tema. Eles estabeleceram o Tema 321, cuja tese se lê: “A isenção de imposto de renda sobre os proventos de aposentadoria, reforma ou pensão compreende as pessoas portadoras do vírus da imunodeficiência humana (HIV), ainda que assintomáticas, ou seja, não desenvolvam a síndrome da imunodeficiência humana (SIDA/AIDS), porquanto inexigível a contemporaneidade dos sintomas da doença ou sua recidiva”. Importante perceber que o TNU decidiu, por unanimidade, negar provimento a pedido de uniformização, nos termos do juiz federal Relator Neian Milhomem Cruz. Portanto, observa-se que o tema ainda é presente no judiciário. Cada processo judicial sobre o tema, enquanto não confere este direito ao jurisdicionado, impossibilita o acesso pleno ao direito à saúde no Brasil.

Devemos, ainda assim, celebrar estar vitórias judiciais, como aquela observada na no provimento a recurso especial ajuizado por policial militar do Distrito Federal, decisão da 2ª Turma do STJ. Mesmo que as instâncias ordinária tenham atrasado o acesso à isenção de IRPF, o Ministro-Relator Francisco Falcão decidiu, e ensinou, que não há motivo para discriminar entre pessoas com HIV com e sem aids. Dessa forma, uma vez que a pessoa tem HIV, para o Ministro-Relator, é justa a concessão da isenção de IRPF.

Mesmo celebrando, devemos seguir batalhando. Isto porque ainda não é simples garantir o acesso a este direito. No aplicativo MeuINSS, para se solicitar isenção de imposto de renda, é necessário informar o NB – Número do Benefício. Este número é fornecido apenas a pessoas cadastradas. Dessa forma, se a cidadã não tiver acesso a benefícios do INSS por causa de sua renda, por exemplo, será necessário que ela se apresente a uma unidade física do INS – Instituto Nacional do Seguro Social para conseguir atendimento neste sentido. Em ligação para o INSS, uma atendente confirmou que não se poderia solucionar o problema por telefone, sendo necessário atendimento presencial. Logo, observamos que há ainda pequenos ajustes a serem implementados no processo de concessão de isenção de IRPF a pessoas com HIV. Em todo o caso, reflexo de décadas de ativismo em defesa das pessoas com HIV, estamos caminhando para atingir as metas da ONU, e para garantir o acesso pleno à saúde por parte das pessoas com HIV no Brasil.

Palavras-Chave/TAG: #hiv #saude #direitoconstitucional #racismo #classismo #antirracismo #lutadeclasse #inss #irpf #direitotributario

REFERÊNCIAS:

  • Produções acadêmicas:

CLEMENTE, Miguel; PADILLA-RACERO, Dolores. The effects of the justice system on mental health. Psychiatry, Psychology and Law: 5 de maio de 2020. Disponível em: The effects of the justice system on mental health – PMC (nih.gov). Acesso em 17 jun 2024.

  • Sites:

Brasil registra queda de óbitos por aids, mas doença ainda mata mais pessoas negras do que brancas. MS – Ministério da Saúde: Brasília, 30 de novembro de 2023. Disponível em: Brasil registra queda de óbitos por aids, mas doença ainda mata mais pessoas negras do que brancas — Ministério da Saúde (www.gov.br). Acesso em 17 jun 2024.

ISENÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA – CONTRIBUINTES COM AIDS. TJDFT – Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, Informativo de Jurisprudência nº. 385: Brasília, 23 de janeiro de 2019. Disponível em: ISENÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA – CONTRIBUINTES COM AIDS — Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (tjdft.jus.br). Acesso em 17 jun 2024.

Pessoas com HIV têm direito à isenção de imposto de renda mesmo que não apresentem sintomas. TRF4 – Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Portal de Notícias 4R: 23 de março de 2021. Disponível em: Pessoas com HIV têm direito à isenção de imposto de renda mesmo que não apresentem sintomas (trf4.jus.br). Acesso em 17 jun 2024.

Pobreza freia o avanço do combate à aids no Brasil, diz estudo… Poder360: 24 de setembro de 2023. Disponível em: Pobreza freia o avanço do combate à aids no Brasil, diz estudo (poder360.com.br). Acesso em 17 jun 2024.

TENHER, Thais. Número do benefício INSS: como descobrir seu NB. Exame: 25 de janeiro de 2024. Disponível em: Número do benefício INSS: como descobrir seu NB | Exame. Acesso em 17 jun 2024.

TNU decide sobre isenção de imposto de renda para portadores de HIV assintomáticos. Justiça Federal, Notícias: 31 de agosto de 2023. Disponível em: TNU decide sobre isenção de imposto de renda para portadores de HIV assintomáticos — Conselho da Justiça Federal (cjf.jus.br). Acesso em 17 jun 2024.

VITAL, Danilo. Isenção de IRPF vale para portador do HIV que não desenvolveu Aids, diz STJ. Conjur: 30 de maio de 2022. Disponível em: Isenção de IRPF vale para portador do HIV que não desenvolveu Aids (conjur.com.br). Acesso em 17 jun 2024.

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