Atleta olímpica, geógrafa, educadora física e pedagoga.
Aida dos Santos Menezes nasceu em Niterói (RJ), em 1º de janeiro de 1937, filha de Adalgisa Vicentes Alves, lavadeira, e Praxedes dos Santos, padeiro, ambos moradores da favela do Morro do Arro. Aida dos Santos foi a primeira brasileira a alcançar a melhor posição em uma Olimpíada e a primeira a conquistar a quarta colocação nos Jogos Olímpicos. Apesar dos contratempos e da falta de apoio, Aida conquistou o quarto lugar no salto em altura nas Olimpíadas de Tóquio, em 1964. Na época, ela foi a única mulher em uma delegação de 69 integrantes.
O primeiro contato de Aida com o esporte foi na escola Aureliano Leal, onde estudava em regime de semi-internato. Ainda na escola, ela organizava e incentivava a participação das meninas nos eventos esportivos, uma insurgência para época! Aida interessou-se pelo atletismo por acaso, ao pegar carona com uma amiga que treinava no estádio Caio Martins. Começou a treinar também e, mesmo sem qualquer domínio da técnica do salto em altura, obteve a marca de 1m50. A façanha chamou a atenção dos dirigentes esportistas e Aida foi convidada para participar das competições.
No entanto, Aida enfrentou a resistência da família, que considerava o mundo esportivo atividade para desocupado e que o pobre tinha que trabalhar para garantir seu sustento. Porém, Aida continuou a treinar e se preparar para competições escondida da família. Sua primeira competição oficial foi no Rio de Janeiro, no Clube Fluminense. Bateu o recorde estadual em salto em altura e, em 1959, conseguiu o recorde sul-americano nos Jogos da Primavera. Transferiu-se então do Fluminense para o Vasco da Gama, onde ficou até 1964, quando passou para o Botafogo, seu time do coração.”
Aída disputou o salto com vara e alcançou o quarto lugar na competição com 11 atletas de todo o mundo, “todas brancas e bem nutridas”, nas palavras de Maurício Cardoso.
Mulher negra, enfrentou discriminação ao longo de sua trajetória e participou das Olimpíadas de 1964 sem técnico, médico, massagista ou roupeiro. Ela alcançou este resultado em um período em que o Brasil passava por uma ditadura cívico-militar e que proibia as mulheres de praticarem esportes. Nesta época, vigorava o Decreto-Lei 3.199 que dizia que “às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza”, que foi revogado apenas em 1979. Em 1965, o governo militar aprova uma normativa que define que não era permitida às mulheres “a prática de lutas de qualquer natureza, do futebol, futebol de salão, futebol de praia, polo aquático, polo, rugby, halterofilismo e baseball”, que apesar das restrições liberou as mulheres para praticar outros esportes.
Schuma Schumaher e Érico Vital Brazil em Dicionário Mulheres do Brasil descrevem a jornada olímpica de Aida, bem como a solidariedade de atletas estrangeiros: “Estava sempre só para treinar, para competir; ela sequer recebeu o uniforme da delegação. Não tinha sapato de prego para saltar, tendo recebido uma sapatilha para corrida de 100 metros. Salvou-a a solidariedade de atletas estrangeiros, particularmente, o peruano Roberto Abugatas, que a ajudava nos treinos, e o cubano Enrique Figueirola, que providenciou médico e massagista quando ela torceu o pé entre uma sessão e outra”. Essa situação ressalta a precariedade e a discriminação que Aida dos Santos enfrentou no Brasil. Seu resultado espetacular lhe rendeu o apelido de “Leoa de Tóquio”. Durante 32 anos, nenhuma outra brasileira conseguiu igualar o feito de Aida nas Olimpíadas de Tóquio, em 1964.
Além das Olimpíadas de 1964, Aída dos Santos fez boas campanhas em outros torneios internacionais. Segundo Schuma e Érico: “Em 1967, foi medalha de bronze no Pan- Americano do Canadá e, em 1971, disputou o Pan-Americano de Cáli, na Colômbia”.
Após se tornar a mulher atleta com a melhor colocação da história brasileira em uma edição de Olimpíadas, ingressou na Universidade Federal Fluminense – UFF, no início de 1960, no curso de Geografia. Concluído o curso, formou-se também em Educação Física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Também concluiu graduação em Pedagogia pela Universidade Gama Filho.
Em 1968, Aida foi a grande esperança do Brasil nos Jogos Olímpicos no México, mas rompeu o músculo da coxa nos preparativos. Ainda assim, disputou o pentatlo, seriamente lesionada. Na época, apenas Aida e outras 2 mulheres faziam parte da delegação brasileira, com 84 atletas.
Ainda em 1971, casou-se com Miguel Freire de Menezes Filho, com quem teve os filhos Sérgio, Valeska e Patrícia. Valeska, conhecida como Valeskinha, tornou-se atleta de vôlei, na posição meio-de-rede. Já Patrícia se formou, fez pós-graduação, casou-se e teve filhos nos Estados Unidos da América.
Em entrevista à Martha Copollilo, Aida revelou uma conversa inusitada que teve com o técnico da seleção dos EUA logo após as Olimpíadas de 1964: “O técnico delas veio ao Brasil e me procurou. Perguntou se eu tinha psicóloga. Eu ri. Se não tive nem técnico na Olimpíada vou ter psicóloga? Esse homem quando viu o lugar que eu treinava, as condições, ficou horrorizado. Me convidou para ir treinar nos Estados Unidos e estudar com bolsa de estudos, mas meus pais não deixaram. Depois, com meus filhos eu disse, eu não fui, mas vocês vão”. Tal fato demonstra a precariedade com a qual a seleção brasileira, e todo o atletismo nacional, tratava Aida dos Santos. Similarmente, nos dá um panorama do quão extraordinária foi sua campanha em Tóquio, alcançando a marca de 1,74m.
Ainda dos Santos também foi protagonista em promover a educação e inclusão pelo esporte, em entrevista para Martha, ela revelou como começou: “Nessa época eu estudava e trabalhava na Universidade Gama Filho, e recebi em casa um telegrama do então Reitor [da UFF], agora não me recordo, já é falecido, para que eu comparecesse na UFF. Passou. Chegou o segundo telegrama e depois o terceiro, então resolvi ir. Cheguei lá o Reitor me disse, ainda bem que veio, estávamos te esperando. Eu respondi: recebi três telegramas então resolvi ver o que era. Então ele falou, estamos precisando criar a Educação Física na UFF, é uma exigência federal, outras Universidades já têm, e eu quero que você participe disso. Eu respondi: tudo bem, como vamos fazer, quando começamos? Ele disse: hoje. Você já fica aqui e vamos começar a trabalhar.”
Aida tornou-se diretora de atletismo do Botafogo Futebol e Regatas no final década de 1980 e no início da década de 1990. Além disso, Aida foi técnica de atletismo no Clube de Regatas Vasco da Gama e em projeto do Grêmio Recreativo Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira. Ainda também disputou torneiros master não apenas no atletismo como também no voleibol.
A atleta olímpica fundou o Instituto Aida dos Santos em setembro de 2006, que combina ações sociais e esportivas para ajudar crianças e adolescentes a enfrentar seus adversários mais difíceis: exploração, abandono, violência e pobreza. Em 2009, o Instituto contava com núcleos na Conca Acústica de Niterói, no campus Gragoatá da UFF, e na Vila Olímpica Fazenda Columbandê, em São Gonçalo. Seu Instituto reconhece a importância social do esporte e desenvolve ações de cunho socioeducativo e recreativo que através do desporto visam promover a inclusão social e cidadania de crianças e adolescentes carentes, na faixa de 7 a 16 anos, que têm pela frente o maior desafio de suas vidas: superar as barreiras impostas pela sociedade.
Aida dos Santos segue viva e sendo celebrada até os dias de hoje. A exemplo disso, destacamos a matéria Aida dos Santos, pioneira do esporte brasileiro, faz 85 anos, do Globo. A atleta informou à Globo que chorava todos os dias por estar perdida nas Olimpíadas de 1964, sem sapatos adequados e torcendo o pé nas eliminatórias. Ela também relembra na matéria que iniciou no esporte no vôlei, posteriormente sendo apresentada ao atletismo por uma amiga, em seguida se tornando campeã estadual, brasileira, sul-americana e pan-americana de salto com vara. Já no pentatlo, foi medalhista de bronze no pan-americano de Winnipeg, no Canadá, e de Cáli, na Colômbia. Sobre o vôlei, Aida destacou à reportagem que chegou a ouvir da arquibancada alguém gritar “Sai daí crioula, seu lugar é na cozinha”. Em resposta, ao final do jogo, Aida pegou o microfone e falou que seu lugar era “na cozinha, na sala, no quarto e numa quadra de esporte também”, conforme relatou em entrevista ao podcast Ubuntu Esporte Clube.
A matéria do Globo também destaca que Aida foi homenageada em 2020 com mural de 30 metros com seu rosto pintado pelo artista plástico Marcelo Lamarca, no Caminho Niemeyer, em Niterói, marcando 56 anos de sua participação nas Olimpíadas de Tóquio. A reportagem também informa: Em 2006, a aniversariante do dia recebeu o Troféu Adhemar Ferreira da Silva no Prêmio Brasil Olímpico. Em 2009, foi agraciada com o Diploma Mundial Mulher e Esporte, uma premiação especial do Comitê Olímpico Internacional. No ano passado, foi eternizada no Hall da Fama do Comitê Olímpico do Brasil Destacamos também o Projeto Jogos Olímpicos em Casa, do Colégio Pedro II, Campus Tijuca I, que mencionam Aida dos Santos e seus feitos ao lado de diversas outras informações e trajetórias de vidas formidáveis. Isto nos faz refletir sobre a importância da atleta, e do esporte, para o Brasil e o mundo, principalmente se considerarmos que tal divulgação esportivo-científica é produzida por um dos melhores colégios do Brasil, que disponibiliza gratuitamente materiais para consulta. Por fim, lembramos do Troféu Aida dos Santos, referente ao torneiro de atletismo brasileiro por equipes disputado no Rio de Janeiro, organizado pela Federação de Atletismo do Rio de Janeiro – FARJ. Inclusive, localizamos reportagem sobre a vitória do Vasco ao Troféu Ada Aida dos Santos, na edição de 2002, em uma competição na qual participaram 17 equipes filiadas à FARJ. De fato, uma linda homenagem da FARJ à lendária e inesquecível atleta e educadora.
Texto Adaptado do verbete contido no Dicionário Mulheres do Brasil por: Emilson Gomes Junior, Schuma Schumaher, Elaine Gomes e Ana Laura Becker de Aguiar.
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REFERÊNCIAS:
- Produções acadêmicas:
COPOLLILO, Martha Lenora Queiroz. Uma conversa com Aída Santos – sua história e o seu protagonismo na criação da Educação Física na Universidade Federal Fluminense. Revista Fluminense de Educação Física, Edição Comemorativa, v. 01, ano 01: Niterói, 2020. Disponível em: UMA CONVERSA COM AÍDA DOS SANTOS – SUA HISTÓRIA E O SEU PROTAGONISMO NA CRIAÇÃO DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE | Revista Fluminense de Educação Física (uff.br). Acesso em 16 dez 2022.
Colégio Pedro II – Campus Tijuca I. História dos Jogos Olímpicos. Projeto Jogos Olímpicos em casa. Disponível em: Slide 1 (cp2.g12.br). Acesso em 16 dez 2022.
Colégio Pedro II – Campus Tijuca I. Modalidades Olímpicas. Projeto Jogos Olímpicos em casa. Disponível em: Slide 1 (cp2.g12.br). Acesso em 16 dez 2022.
MENEZES, Aída dos Santos; SILVA, Gleicy do Espírito Santo. O Instituto Aida dos Santos e a Inclusão Social Através do Esporte – Uma Iniciativa que vale Medalha de Ouro. ASPI-UFF, ano XV, nº. 8: Niterói, 2007. Disponível em: 2007_09_set.pdf (aspiuff.org.br). Acesso em 16 dez 2022.
OLIVEIRA, Gabriela Aragão Souza de; TEIXEIRA, Ana Paula de Oliveira. Trilhando um novo caminho: a gestão esportiva. Revista Gênero, v. 10, n. 1, p. 101-118: Niterói, 2009. Disponível em: Rev Genero v 10 n 1.pdf (ufsc.br). Acesso em 16 dez 2022.
SCHUMAHER, Schuma; VITAL BRAZIL, Érico. Dicionário Mulheres do Brasil, de 1500 até a atualidade: biográfico e ilustrado. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
SCHUMAHER, Schuma; VITAL BRAZIL, Érico. Mulheres Negras do Brasil. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2007.
- Sites:
ANDRADE, Claudia. Ainda dos Santos: atleta e mãe de atleta. Disponível em: Aida dos Santos 2 (luzimarteixeira.com.br). Acesso em 16 dez 2022.
Globo. Aida dos Santos, pioneira do esporte brasileiro, faz 85 anos. Rio de Janeiro: 1º de março de 2022. Disponível em: Aida dos Santos, pioneira do esporte brasileiro, faz 85 anos | atletismo | ge (globo.com). Acesso em 16 dez 2022.
CBAt – Confederação Brasileira de Atletismo. Vasco Vence Troféu Aida Aida dos Santos. Rio de Janeiro, 08 de julho de 2002. Disponível em: CBAt – Confederação Brasileira de Atletismo. Acesso em 16 dez 2022.
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