Maria Aparecida Schumaher
Elisabeth Vargas
Publicado originalmente por ANPOCS (ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM CIÊNCIAS SOCIAIS),
Do alto (ou baixo) de nossa Idade biológica e de militância, uma certeza nos envolve: não há verdades absolutas. A avaliação ou o julgamento da realidade depende do lugar a partir de onde se a aprecia. Temos uma história no movimento autônomo de mulheres desde a década de 70 e também participamos do
grupo que propôs a criação do Conselho da Condição Feminina de São Paulo e do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Hoje trabalhamos para o Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo (CECF/SP) e uma de nós, numa flagrante “dupla militância”, faz parte de uma ONG feminista.
A história do movimento de mulheres no Brasil tem sido contada de muitas maneiras, por muitas mulheres. Queremos relembrar um pouco da história mais recente, aquela que levou à criação dos Conselhos, Coordenadorias, Delegacias e outros organismos institucionais de defesa da mulher.
O feminismo aparece com força Inusitada no Brasil no final da década de 60 e sobretudo a partir de 1975, quando foi instituída pela ONU a Década da
Mulher. Neste ano, nasce no Rio de Janeiro o Centro da Mulher Brasileira, primeira organização feminista do país, que tinha como proposta a formação de grupos de reflexão, provocando várias ações no sentido de tornar visível a questão feminina e combater o papel de subalternidade da mulher na sociedade. Nascem também dois jornais alternativos com os mesmos propósitos e periodicidade variada, aliás como todos os nanicos: o Brasil Mulher, no Paraná (depois transferido para São Paulo e com sucursais em outras cidades), que não se declara, de início, feminista, mas que vai mudando com o correr dos números, 16 no total, e o Nós Mulheres, nascido e criado em São Paulo, cuja vida durou oito números.
As mulheres que faziam parte desses grupos, vindas quase que na sua totalidade dos agrupamentos de esquerda, debatiam-se com questões de fundo:
feminismo ou feminino? Luta geral ou luta específica? Da salvação do povo ou da classe operária – dependendo da linha política – para a salvação das mulheres e a derrocada do patriarcado, Por onde começar, quais questões abordar, quais mulheres “salvar”? Todas? As mais oprimidas? E quem é o Inimigo principal: o homem ou o capitalismo? E afinal quem somos? Cadê a nossa identidade e o nosso prazer? O que fazer com nossa sexualidade? Onde colocamos nosso afetivo, nossos filhos, nossos homens? Seremos todas irmãs na luta pela igualdade? E a liberdade, onde vamos encontrá-la?
A confluência dessas Idéias entre as feministas, as mulheres dos movimentos populares e aquelas que priorizavam os partidos políticos não se dá sem conflitos. O debate político nesse momento e caracterizado peia polarização de posições entre luta geral e luta específica.
A segunda metade dos anos 70 foi, em grande parte, consumida por esta discussão, necessária e imprescindível, para se chegar em 1979 com Inúmeros grupos de mulheres espalhados pelo país, num amplo leque de posições feministas, cujos rótulos eram por vezes reais, por vezes pejorativos: havia as separatistas, as intelectuais, as pequeno-burguesas preocupadas com sexo, as proletárias preocupadas com o casamento da luta geral com a específica, as
defensoras do movimento autônomo, as “estrangeiras” ex-exiladas influenciadas pelo movimento feminista europeu etc. Esse universo constituindo o movimento de mulheres no Brasil.1
Os encontros setoriais de metalúrgicas, químicas e outras categorias deram lugar aos Encontros de Mulheres. Pela primeira vez despidas de suas diferenças para descobrir as semelhanças. A palavra mágica Incorporado nessa descoberta foi autonomia, entendida por cada grupo, talvez, de uma maneira distinta, da sua própria maneira. Autonomia com relação aos homens (muitas), autonomia com relação aos partidos políticos (algumas) e autonomia com relação ao Estado (todas). Sendo o país uma ditadura era pra lá de fácil! Da diversidade e, inclusive, da divergência, surge então a união.
Os Encontros se pautavam por discussões que “uniam”. Logo, todas as palavras de ordem diziam respeito a questões incontestáveis e na seguinte ordem
de prioridade: luta por creche, luta contra o controle da natalidade, luta por salário Igual para trabalho igual. Depois dessas três, o aborto, a sexualidade e a violência apareciam como temas de discussão mas jamais como prioridade nas conclusões finais.
Em 1980, Cristina Duarte, na época diretora da revista Cláudia, depois de participar como observadora do II Congresso da Mulher Paulista, fez às organizadoras
o seguinte relato sobre as 3.500 mulheres que participaram do evento: “…a maioria não entendia bem o significado de ‘problemas específicos’ nem demonstrava um mínimo de consciência sobre o papel da mulher na sociedade. Mas, enfim, sabiam e sentiam que há ‘problemas de mulher’…”.
Neste período (tamanha era nossa necessidade de achar um rumo, de pôr a cara na rua, de unir esforços, qualquer coisa que apontasse para um futuro
brilhante) vicejavam congressos estaduais e encontros regionais e nacionais. O 8 de março, data privilegiada para estes grandes momentos, era também a preferida por agrupamentos políticos (MR-8 por exemplo) para tentativas de manipulação do movimento de mulheres, que crescia a cada Encontro2. Registros dessa época assinalam que, para essas correntes, o feminismo aparecia como um movimento separatista ou divisionista que minava a necessária união e pouco contribuía para a luta contra a ditadura e/ou pelo socialismo.3 O embate entre as formulações mais centradas na especificidade da questão da mulher e
da luta geral era por vezes violento. Contribuiu, no entanto, para uma melhor compreensão da questão da “autonomia com relação aos partidos políticos” e, consequentemente, para um fortalecimento do movimento autônomo de mulheres.
Atropeladas pela democracia
Nas eleições parlamentares de 1978, feministas – Individualmente – apoiam algumas candidatas que traziam na sua plataforma de campanha o compromisso de combater a discriminação sexual. Os partidos políticos, dois nesse período, não incorporavam em seus programas nenhuma questão relativa à mulher.
O Brasil continuava sendo uma ditadura, e a sociedade civil se organizava de mil maneiras. Depois da anistia conquistada em 79, houve as “diretas já”. O bipartidarismo (Arena/direita e MDB/esquerda) que reinava absoluto até então e que nos colocava a todas, as da luta geral e as da específica, num mesmo barco, minimizando nossas diferenças, naufragava nas águas da (social) democracia ou do socialismo, que velozmente vinham ao nosso encontro.
Em 1980, essa antiga e ampla esquerda se reorganiza com vários matizes, alguns fugazes: socialdemocratas, socialistas, socializantes, comunistas, revolucionários, centristas avermelhados.
Diante desse novo quadro, as feministas reagem de diferentes maneiras. Eva Blay descreve assim este período que se Inicia:
“Participar da política foi o dilema dos anos 80. O período pós-ditadura abriu algumas vertentes ao movimento de mulheres: continuar atuando nos movimentos sociais, entrar para o Legislativo, para o Executivo. Esta polêmica atravessou o movimento feminista e o movimento de mulheres (não feminista). A decisão teve um cunho, antes de mais nada, partidário. As mulheres optaram por cada uma dessas vertentes, ora movidas pelas diretrizes de seus grupos, ora por opções pessoais”.4
Em 1982, nas eleições diretas para os governos estaduais, em alguns estados é elaborada uma plataforma feminista apresentada aos candidatos, como no Rio de Janeiro, com o Alerta Feminista. Já em São Paulo, as feministas se dividiram no apoio a dois candidatos e as discussões se acirraram quando o grupo que apoiava o candidato do PMDB, junto com uma proposta de governo, propõe também a criação de um órgão específico, responsável pela proposição e defesa, dentro do aparelho de Estado, de políticas públicas relativas à mulher
Passada a eleição, em 1983 é criado em São Paulo (e também em Minas Gerais, embora num contexto distinto) o Conselho Estadual da Condição Feminina.
A lua-de-mel durou pouco…
O Conselho de São Paulo representa o marco que divide o movimento de mulheres, tanto para as que acreditavam na proposta, como para as que eram contra. E o que estava em questão era estritamente a relação do “movimento autônomo” com o Estado. Como garantir a autonomia do movimento? Quais as formas de organização dentro do governo? De que maneira as reivindicações feministas serão atendidas? A criação do Conselho foi ampla e publicamente debatida.5
Nesse momento, é importante ressaltar que a escolha desse modelo de órgão, cuja proposta original era de composição pluralista e suprapartidária, foi torpedeada por parcela significativa do movimento de mulheres. Havia as que se recusavam a participar de qualquer organismo governamental por temerem a descaracterização de suas reivindicações pelo Estado e a institucionalização do que havia de “radical, criativo e revolucionário” no feminismo, provocando consequentemente a perda da autonomia do movimento de mulheres. Havia também as que, militantes do PT, compreendiam o papel do Estado na conquista de algumas reivindicações do movimento, porém, por razões mais partidárias que feministas, optaram por abster-se.
Segundo Ana Vicentini, “…o grito de alerta dado por alguns setores se baseava na dificuldade que o movimento sentia ante o inevitável diálogo a ser estabelecido com os órgãos governamentais e na recusa quase pueril de alguns setores em ver no Estado um possível interlocutor…”6
No processo que precede e envolve as eleições de 1982, fica claro que as mulheres redescobriram a “grande política” e o movimento de mulheres de então – organizado em vários grupos de reflexão, debate e atuação setorial, em quase todos os Estados – vai fortalecer e incentivar, mesma que não intencionalmente, a participação da mulher nas instâncias de representação política da sociedade.
Por outro lado, a “esquerda”, agora dividida e segmentada naqueles vários matizes já mencionados, volta seu olhar para a tal “questão da mulher”. Assim, a partir de 1982, parlamentares de diversos partidos se manifestam publicamente a favor de reivindicações feministas, No famoso 8 de março, passa a ser praxe a aprovação de moções de congratulação e apoio às mulheres no “seu dia”, por parte dos legislativos, que agora, além do mais, contam com algumas feministas em suas fileiras.
Albertina de Oliveira Costa, no ensaio É viável o feminismo nos trópicos? – Resíduos de insatisfação7, aponta: “A questão da mulher é suficientemente ampla, suficientemente em evidência e suficientemente legítima, para que os partidos de esquerda comecem a se interessar por ela.” Ainda segundo Albertina, fica também evidente”… a controvérsia que vai durar anos entre feministas e femininas. Entre a boa e a má luta da mulher”.
No sendeiro aberto em São Paulo em 1982, abrem-se no país novas vertentes para a discussão sobre a “institucionalização do feminismo”.
Um lugar no Planalto Central
Em 1984, em São Paulo, um grupo de feministas, envolvidas anteriormente com a proposta de criação do conselho paulista, organiza o seminário Mulher e Política com a participação de deputadas federais, estaduais e vereadoras. Uma das conclusões desse seminário é a de propor ao governo federal a criação de um órgão nacional de defesa da mulher.
A articulação política necessária para tal propósito, tendo à frente a deputada Ruth Escobar, tem início nos bastidores do Planalto Central (que naquele momento começavam no Palácio da Liberdade em Belo Horizonte). O “novo jeito de fazer política”, um dos slogans do seminário, lembrava muito mais um “velho jeito”, na opinião de algumas feministas, uma vez que os passos dessa articulação se davam sem prévia discussão com os grupos de mulheres e sem o reconfortante consenso que pautava a maioria das ações do movimento feminista.
Temores e comentários se espalharam pelo movimento de mulheres do país, passando por questões que iam desde a polêmica participação num governo não legitimado peio voto direto, até as fofocas sobre a composição do órgão, um colegiado de “notáveis”, já supostamente negociado, em que o poder estaria concentrado nas mãos de um grupo liderado por Ruth Escobar.
É no Vil Encontro Nacional Feminista, ocorrido em Belo Horizonte em 1985, que essa discussão ganha dimensões nacionais e o circo pega fogo diante da proposta de criação do Conselho Nacional de Direitos da Mulher – CNDM. Algumas feministas presentes ao ’ Encontro buscavam o apoio do conjunto do movimento para esta proposta. Outras, naquele momento, criticando a atuação dos conselhos existentes8, vislumbravam nela uma grande ameaça à autonomia do movimento. As teias do poder apareciam como uma intrincada rede repleta de obscuras e malignas intenções. O “Estado” e o “sistema” se mostravam como grandes entidades alheias a nossa existência. O Estado não merecia confiança e o sistema nos ameaçava: “Estamos conscientes de que o sistema, através dos órgãos oficiais do Estado, reconhecendo a importância e o alcance das ideias feministas e de nossa militando e não podendo mais ignorar-nos, vem por isso assumindo nosso discurso ideológico. (…) Sabemos, entretanto; que é uma utopia acreditar que as ideias feministas sejam assumidas peias entidades oficiais do Estado…”.9
A proposta apresentada foi repudiada quanto à sua forma (decreto-lei) e quanto ao processo (antidemocrático). Além disso, o documento (Carta de B.H.) listava todas as armadilhas que o Estado poderia utilizar contra o movimento:
- os órgãos oficiais detêm o poder económico e oferecem vantagens pessoais, enquanto que os grupos feministas não têm nada a oferecer;
- as entidades oficiais (termo usado na ocasião para designar instituição governamental) se apropriam do discurso feminista cooptando-o ou esvaziando-o, até transformá-lo em modismo;
- a garantia da permanente formulação de uma política de vanguarda está na Independência do movimento, “…não pretendemos ser levadas a reboque…”.
No entanto, ao final do encontro, “coerentes com esta postura”, segundo o documento, e reafirmando o repúdio à formalização do CNDM, as signatárias apresentam suas exigências:
- criação do CNDM mediante projeto de lei,• como forma de garantir ampla participação da sociedade civil e das mulheres;
- atribuição de dotação orçamentária própria;
- Identificação do órgão com a luta contra a discriminação e a opressão da mulher;
- qualquer parlamentar que venha a ocupar cargo no conselho deve licenciar-se de seu mandato;
- viabilização da participação do movimento de mulheres na elaboração, execução e acompanhamento das políticas oficiais;
- o conselho deve expressar as reivindicações do movimento de mulheres sem pretender representá-lo ou substituí-lo;
- e, finalmente, adoção do critério de composição do conselho baseado na trajetória feminista de suas participantes.10
Como podemos ver, a despeito de as mulheres terem elaborado um documento critico e com exigências explícitas, transparece a posição dúbia do movimento. Apesar do discurso de unificação de lutas e do compromisso com a tentativa de um novo jeito de fazer política, o campo feminista não estava imune às questões comezinhas do poder.
Esta polêmica não Inviabiliza a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, que se dá em agosto de 1985, através de projeto de lei n® 7.353, aprovado pela Câmara Federai. O projeto trazia em seu enunciado que a finalidade básica do órgão seria a formulação de políticas com vistas à eliminação da discriminação da mulher. Esse objetivo foi desdobrado em algumas modalidades de ação específica, ali explicitadas, tais como: formulação de diretrizes, elaboração de projetos de lei, assessoria ao poder executivo, emissão de pareceres, acompanhamento da elaboração e execução de programas de governo e apoio ao desenvolvimento de pesquisas sobre a condição da mulher.
Apesar de todas as suspeitas das feministas em relação ao Estado e de suas múltiplas e maquiavélicas possibilidades de cooptação, o CNDM traz em seus objetivos, na sua estrutura e na composição de seus quadros (conselheiros e técnicas) a marca das proposições do movimento de mulheres.11
Política pública: o bicho papão
Embora diversos conselhos/coordenadorias estaduais e municipais tenham, nesses últimos dez anos, desenvolvido Importantes ações nesse campo, privilegiaremos a experiência do CNDM por sua atuação em âmbito federal.
Dentro dessa perspective, o CNDM atuou em muitas frentes: na saúde, por exemplo, acompanhando o programa governamental PAISM, participando das Comissões de Estudos sobre Direitos da Reprodução Humana, atuando na campanha de Combate e Apoio ao Controle da AIDS, além de outras diversas intervenções no que podemos apelidar de “política médica” no país, como a pressão vitoriosa contra a homologação da vacina anti-gravidez.
Ainda nessa linha, uma das áreas onde o CNDM atuou com grande sucesso foi a referente à política de atendimento à criança de zero a seis anos. A essa antiga demanda do movimento de mulheres, respondeu com uma atuação articulada, desdobrada em diversas iniciativas: propôs a criação de um órgão nacional que aglutinasse os esforços disseminados nas várias instituições existentes, exigiu (e conquistou) a implantação de creches junto aos ministérios, autarquias e demais órgãos do serviço público federal, como princípio básico para o cumprimento da lei de obrigatoriedade de creches no local de trabalho. E mais ainda, comprometeu o Ministério do Trabalho na realização de uma efetiva fiscalização do cumprimento dessa lei não só nos órgãos públicos, como também nas empresas privadas.
Mas o melhor esforço do CNDM, no sentido de formular uma política efetiva nessa área, foi o comprometimento do BNDES em baixar uma resolução condicionando apoio financeiro somente a projetos que cumprissem essa legislação, fossem eles de âmbito federal, estadual ou municipal.
O corolário desse trabalho foi a publicação de uma série de manuais de orientação técnica sobre implantação e funcionamento de creches, de utilidade até hoje Incontestável.
Quanto ao combate à violência contra a mulher, o CNDM se empenhou numa campanha nacional que Incluía a Implantação, em todos os estados, de delegacias especializadas (Iniciativa concebida pelo conselho de São Paulo) 12com capacitação profissional das agentes policiais. O papel do CNDM, nesse caso, foi o de dar uma coerência nacional a uma política que tinha origem e âmbito estaduais, através de encontros de profissionais lotadas nessas unidades, de assessoramento específico, de distribuição de literatura especializada e de incentivo à organização das mulheres policiais. Paralelamente, realizava campanhas publicitárias nos meios de comunicação para sensibilizar a sociedade sobre a grave questão da violência contra a mulher.
O CNDM conseguiu, com estas medidas, uma série de avanços. Dezenas de Delegacias da Mulher foram instaladas nas principais capitais do país. O , Ministro da Justiça, à época, atendendo a solicitação do CNDM, não só instou os Secretários de Segurança Pública a Implantarem Delegacias da Mulher, como chegou a distribuir viaturas policiais às delegacias mais necessitadas, segundo critério estabelecido pelo Conselho.
A compreensão das ações e do destaque que elas deveriam ter assumia formas variadas, algumas até engraçadas: alguns Secretários de Segurança solicitavam ao CNDM orientação quanto à melhor maneira de implantar a delegacia; outros, pretendendo oferecer um “presente-surpresa” às mulheres de seu estado no 8 de março, pediam sigilo na consulta. Pediam opinião até sobre a cor da tinta que deveria ser usada para pintar a delegacia. O do Piauí chegou a comunicar com orgulho que a viatura da Delegacia da Mulher seria rosa choque! Que choque!
Outras ações em diferentes áreas foram empreendidas, como na educação, trabalho e combate à discriminação racial, com o programa Mulher Negra.
Com o objetivo de informar e fornecer elementos para elaboração de políticas, o CNDM divulgou e publicou Inúmeros manuais, folhetos e livros sobre a realidade da mulher brasileira. As publicações Quando a Vítima é Mulher, Legislação Comparada na Área do Trabalho, Relatório de Denúncias de Violência no Campo contra Mulheres e Crianças, além de subsídios para diversas categorias profissionais com relação aos seus direitos, são alguns exemplos dessa diretriz.
Fica claro nessa atuação, de um lado, o Intuito de divulgar a Unha de intervenção pretendida pelas mulheres; de outro, a tentativa de, com esta política de publicações e de campanhas publicitárias, sensibilizar e politizar, sobretudo, a população feminina, visando otimizar os efeitos das políticas que deveriam nascer desse conjunto de iniciativas. Uma outra faceta de sua atuação, talvez menos visível, foi a de impedir a implantação de propostas e projetos que terminariam por provocar efeito contrário: o fortalecimento da desigualdade entre os sexos. A proposta de “proteção do trabalho feminino” é uma delas, uma vez que grande parte da legislação pertinente tem como alvo proteger a “atividade reprodutora” (e, muitas vezes, a moral e os bons costumes através da família). Um episódio ocorrido logo após a criação do CNDM ilustra esta faceta: o extinto Ministério da Desburocratização pretendeu, apresentando inclusive um anteprojeto, reduzir a jornada de trabalho feminino sob a alegação de que a mulher necessitaria de um tempo maior para dedicar-se aos filhos. Além das implicações ideológicas sobre a divisão sexual do trabalho, sabemos que toda vez que se fala em “proteção” o resultado prático no mercado de trabalho é “discriminação”. Um parecer contrário do conselho inviabilizou o anteprojeto.
Ainda nesse mesmo sentido, é importante mencionar o veto à criação do Conselho Nacional de População e Planejamento Familiar proposto pelo Senado (Resolução n^ 06/85), com clara orientação de controle demográfico.13
O CNDM assumiu também a incumbência de propor e apoiar qualquer iniciativa que pudesse limpar o entulho sexista que impregnava, e ainda Impregna, a regulação jurídica da sociedade brasileira, e que se aloja em lugares Insuspeitos. Atendendo a uma série de demandas de grupos específicos, propôs uma revisão geral sobre a questão da insalubridade na legislação trabalhista, não só com o Intuito de repensar a Interdição do trabalho feminino em certas atividades – por exemplo, as frentistas dos postos de gasolina – como ainda a Inclusão de atividades não previstas em lei. Dessa forma, foi revogada em 1988 a infeliz portaria da Marinha, vigente desde 1964, que Impedia mulheres de serem pescadoras.
Houve também a gestão vitoriosa junto ao Ministério da Reforma Agrária para que a concessão da titularidade da terra fosse estendida às mulheres, direito até então exclusivo dos homens.
Até a constituição do CNDM, o Estado não possuía política pública específica para a mulher, salvo alguns programas na área da saúde. A política levada a cabo peio conselho provocou, portanto, alterações no cenário nacional. Se foram grandes ou pequenas,’ permanentes ou não, ainda é difícil avaliar. De toda maneira, fazem parte do processo histórico.
Teriam as mulheres, com esta atuação, conseguido garantir o acesso aos mecanismos de poder político? Teriam estas “ações” comprometido a autonomia do movimento feminista? Teriam, enfim, provocado a apatia do movimento?
Qualquer que seja a resposta, resta-nos o desconsolo de constatar que ainda não domamos o bicho papão, até porque a política é por vezes devoradora de demandas sociais, com capacidade de transformar uma bela proposta num burocrático serviço (haja vista a situação atual do PAISM e/ou das Delegacias de Polícia de Defesa da Mulher).
O CNDM no espelho: o direito e o avesso
Para definir o perfil do CNDM talvez seja necessário dividi-lo em dois: um voltado para o Estado, comportado segundo os ditames de uma esperada conduta governamental, provocada por razões óbvias de sobrevivência política, e outro, oposto, nitidamente vinculado ao compromisso de servir como canal de representação dos interesses do movimento de mulheres.
Essa dualidade que marcou a atuação do CNDM se manifestou na campanha nacional “Constituinte pra valer tem que ter palavra de mulher”, que nasce logo após a Implantação do conselho e foi prioritária nos seus quase quatro anos de existência. Nesta medida, defendeu propostas feministas na Constituinte, algumas contra os interesses do governo, como a licença- maternidade de 120 dias e a legalização do aborto, entre outras. É válido lembrar que o país Inteiro se debruçava sobre a possibilidade de formulação de novas leis e que, movido pelo compromisso com as mulheres, o CNDM mergulhou na tarefa de Incluir no novo texto constitucional questões que viessem alterar realmente a situação das mulheres.
Investiu numa campanha publicitária que incluía TV, out-doors, enfim, todos os recursos da mídia e, paralelamente, organizou ou ajudou a organizar em todo o país debates, encontros e seminários para a discussão das propostas, culminando na realização de um Encontro Nacional que encaminhou a Carta das Mulheres aos Constituintes. Acompanhou de perto o trabalho de todas as comissões, mantendo um canal permanente com as mulheres nos estados, Informando do andamento das propostas e criando um verdadeiro lobby nacional, o lobby do batom, como ficou conhecido.
Analisando a (curta) trajetória do CNDM, de 1985 a 1989, pode-se dizer que sua atuação foi muito mais voltada para a articulação com o movimento de mulheres do que com o próprio governo, do qual fazia parte. Teve o mérito de não haver jamais atuado partidariamente ou ter se transformado em cabide de empregos. Tampouco foi “maternaiista”, na medida em que sempre devolveu aos grupos de mulheres a responsabilidade de pensar suas alternativas.
Mas, se cumpriu com as exigências do VII Encontro, não foi capaz de garantir sua permanência, nos moldes originais, dentro do aparelho de Estado. Um Ministro de ocasião provoca a renúncia coletiva das integrantes do órgão e nomeia um novo colegiado, sem nenhuma Identidade com o movimento de mulheres. Os grupos feministas se unificam para expressar seu unânime repúdio à postura do governo, declarando, a partir daí, o não reconhecimento desse órgão como instância de interlocução. Para completar o desastre, logo em seguida, na “era Collor”, uma medida provisória acaba com sua autonomia administrativa e financeira.
Não podemos esquecer também que qualquer avaliação sobre os caminhos e descaminhos do CNDM deve levar em consideração a conjuntura política do governo do qual ele fazia parte. Se por um lado seu nascimento ocorre em um contexto de grande mobilização da sociedade, cujo desaguadouro é o processo constituinte, por outro, seu espaço dentro do governo vai minguando na medida inversa ao fortalecimento das posições conservadoras do governo Sarney. Situação agravada peio “refluxo” das mobilizações sociais, com a população submersa em planos e mais planos de combate à inflação. Assim, nos dois últimos anos de atuação, as possibilidades de articulação e interlocução do conselho são claramente diminuídas.14
O brilho da purpurina
No embalo do “sucesso” do CNDM, surgiram conselhos em diversos estados e municípios. Alguns, a partir da reivindicação dos diferentes grupos organizados de mulheres, outros com fins eleitoreiros.
Jussara Reis Prá ilustra este modelo: “O Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (RS) foi criado por decreto governamental em 1986, no final do governo Jair Soares, A forma como este foi criado provocou descontentamento entre as militantes do movimento de mulheres. Sua maior crítica residia no fato de que o conselho havia sido Instituído de cima para baixo sem terem sido consultadas as mulheres engajadas na luta pela emancipação feminina. É interessante notar que a maior parte das representantes do movimento tomou conhecimento da criação do Conselho através do convite do governador, feito pela Imprensa, para os atos de posse da presidente”.15
Independente do fato de estes conselhos terem sido criados de baixo para cima ou de cima para baixo, com o apoio ou não dos grupos de mulheres (sem falar nos distintos graus de democracia na discussão do modelo de órgão que se pretendia), todos enfrentaram ou ainda enfrentam dificuldades semelhantes, algumas elementares, quais sejam: parcos recursos materiais, financeiros e humanos.
Isso se aplica tanto ao conselho de São Paulo, cuja história já contamos, como ao do Rio de Janeiro, um dos poucos Instituídos a partir da reivindicação de feministas autónomas e de diferentes partidos políticos, bem como à Coordenadoria da Mulher da Prefeitura de São Paulo, criada a partir de modelo proposto por feministas do PT.
Apesar dos percalços desta última década, os órgãos governamentais propostos pelas mulheres pautaram sua atuação, com maior ou menor êxito, na busca, planejada ou não, de “tratar das questões das mulheres”.
No vácuo deixado peia desestruturação do CNDM, foi criado em 1989 o Fórum Nacional de Presidentas de Conselhos da Condição Feminina e Direitos da Mulher, com a perspective de ser uma instância de articulação política e técnica entre os órgãos governamentais estaduais, responsáveis pelas políticas voltadas para a população feminina. Hoje está composto por 10 conselhos estaduais e três municipais16.
O difícil finalmente!
Se conceituarmos política pública de modo estrito, entendendo-a como um conjunto concatenado de medidas que visam à ação direta do Estado em determinada área de sua competência e com o objetivo de Intervir em uma realidade social específica, então devemos reconhecer que a atuação dos conselhos se pautou por intervenções pontuais e ações localizadas que não redundaram na Implantação de políticas públicas, pretendida peio conjunto de mulheres.
É fundamental compreender a “faca de dois gumes” que a institucionalização das demandas feministas comporta. Se por um lado a criação dos conselhos trouxe e traz para o cenário nacional o debate público sobre os direitos da mulher e a questão da Igualdade, dando-lhe visibilidade e legitimidade, por outro, seu poder de Intervenção efetivo mostrou não dar conta de permear a estrutura do Estado para a implantação de políticas consequentes. É bem verdade que, no que se refere a políticas públicas de interesse social, o Estado Brasileiro tem demonstrado uma ineficiência generalizada.
Talvez possamos atribuir este fato à precariedade da cultura política do país que faz com que cada novo governo, no saudável rodízio democrático, se transforme numa caixa de Pandora. Há que mencionar também a “política de recursos humanos” do Estado que, numa veloz e permanente substituição de quadros políticos, obedece a critérios e Interesses que não correspondem às necessidades de profissionalização e capacitação. Nós mulheres, particularmente, temos tido dificuldades em lidar com a duplicidade governo/Estado. Até porque a própria configuração dos conselhos e similares traz para o aparelho estatal questões que ele ainda não foi capaz de absorver.
Jacqueline Pitanguy, ex-presidenta do CNDM, considera que “a experiência de órgãos como os conselhos tem sido, sem dúvida, extremamente positiva apesar da história cheia de obstáculos, resultantes da difícil articulação entre esses órgãos – que representam a face moderna e democrática do Estado e que só se fortalecem à medida que se fortalece o poder civil – e a organização estatal que ainda guarda fortes resquícios.17
Ao avaliar hoje os resultados da trajetória do movimento de mulheres no Brasil, constatamos que, se nos enredamos nos limites colocados pela própria ordenação do Estado na nossa relação com o poder público, também podemos afirmar que quando se trata de defender questões substantivas da luta feminista, a tão prezada autonomia não corre riscos.
Em 1989, como agora em 1993, Isto é, no processo de esvaziamento e na recente tentativa de reestruturação do CNDM, o movimento feminista deixou claro que não tem interesse em legitimar nenhuma instância onde os critérios de participação não se pautem por parâmetros democráticos e onde a contrapartida de recursos materiais, financeiros e humanos não seja claramente definida. Porém, mais que Isso, negamos nossa atuação no Estado quando o governo não se mostra aliado às causas feministas e nos recusamos a participar do “poder pelo poder” ou do “poder sem poder”. Mesmo que aventureiras (bem ou mal Intencionadas) ou desavisadas possam, eventualmente, sucumbir aos atrativos do poder.
Não precisamos, pois, de álibis. Precisamos, sim, equacionar bem nossas conquistas e, sem medo, repensar os próximos espaços que queremos garantir – dentro e fora do aparelho de Estado.
Para pensar depois…
A temida Institucionalização do movimento de mulheres, que ao nosso ver “parecia digerida” pelo próprio movimento, do ponto de vista da relação sociedade civil/Estado, se recoloca diante de novas formas de institucionalização como, por exemplo, o surgimento e fortalecimento das ONGs feministas. Esse fenômeno está certamente merecendo atenção de todas nós, feministas.
O seu aparecimento e crescimento na América Latina e no mundo todo se dá concomitantemente com o processo de colapso dos sistemas de representação formal e com a constatação da ineficiência do Estado.
As grandes agências multiiaterais (Nações Unidas, Banco Mundial) detentoras de verbas volumosas para investimento no Terceiro Mundo, até os anos 70, financiavam quase que exclusivamente os governos. Mudanças na avaliação do desempenho dos organismos oficiais reorientaram, contudo, o fluxo desses recursos. Um exemplo recente e ilustrativo é o Relatório do FNUAP (Fundo das Nações Unidas para População) apresentado na II Prepcon de População, maio de 93, recomendando a destinação de 20% de seus recursos às ONGs. O desperdício, a malversação das verbas, a rotatividade dos quadros técnicos dos governos, estão na origem dessa mudança. Assim, entidades da sociedade civil passaram a representar uma alternativa interessante, Apresentando um perfil de atuação mais claro e se mostrando disponíveis para relações de parceria mais definidas, as ONGs aparecem como um eficiente melo para implementação de políticas sociais, sejam elas progressistas ou não.
No Brasil, as ONGs surgem como novos atores no cenário a partir dos anos 80. Foram formadas por profissionais da área social, em geral ex-militantes políticos, ex-exilados que, em seu retorno ao país, desejam exercer sua ação de forma autónoma, independente do Estado. A experiência da militância anterior contribuiu para o estabelecimento de uma nova relação com os movimentos populares. Essa nova relação, no entanto, tem sido confundida muitas vezes com representação desses movimentos. E as ONGs de mulheres não fogem à regra.
Se a relação feminismo e Estado esteve às voltas com o tema da legitimidade e da representação em relação ao movimento social, é Inegável que a questão não foi superada pela suposta substituição do Estado pelas ONGs, até porque – cada macaco no seu galho – são Instituições de perfis, atribuições e projetos distintos. Problemas de natureza semelhante se colocam quanto aos critérios de representação assumidos por quadros dessas instituições em relação ao movimento de mulheres. Questões nada simples, como a profissionalização da militância e o caráter fragmentado das ações que desenvolvem, permanecem tal qual o espinhoso tema da pluralidade e da democracia.
Sônia Corrêa, ao comentar a confusão entre representação política das ONGs e seu papei de intermediação com as agências Internacionais, aborda essas questões: “É fundamentai, no contexto dessa análise, diferenciar sistemas de mediação social e política do papel instrumental de Intermediação que é freqúentemente proposto como natureza das ONGs, em especial pelo sistema de cooperação multilateral”. E acrescenta: “A permeabilidade e tensão que se registram na relação entre as ONGs propriamente ditas e este campo mais amplo e difuso (organizações populares, sindicais e religiosas e Iniciativas de caráter temporário) mereceria um esforço de análise mais sistemático, em especial no que diz respeito à questão da representatividade e legitimidade”‘.18
Na mesma direção segue Angela Borba ao afirmar: “Tem sido comum referir-se às ONGs como se constituíssem o movimento feminista propriamente dito. É frequente também que as integrantes das ONGsse autodenominem ‘representantes’ do movimento feminista. De repente toda nossa reflexão sobre a necessidade de expressar pluralidade e diferenças foi esquecida. Uma nova relação de poder se estabeleceu dentro do movimento. Passamos a fazer parte de um quadro em que algumas possuem a informação, têm acesso a fontes de financiamento e suas decisões, portanto, são as que efetivamente decidem…”.19
É preciso reconhecer, porém, que as ONGs de mulheres representam uma resposta dinâmica à crise sócio-político-institucional brasileira. Há que buscar um ponto de equilíbrio na saudável diversidade de atuação das mulheres nos espaços conquistados e por conquistar em nossa sociedade.
Tal quadro merece reflexão. Por isso mesmo, essa discussão não se esgota aqui. Não apenas cabe pensar como se dá hoje a representação das mulheres e como se expressa a dinâmica e a pluralidade de suas concepções e atuações neste emaranhado cenário, como cabe também avaliar a eficácia e modelos de estrutura das instituições governamentais de mulheres existentes.
Quem sabe se o CNDM, que tem atualmente o objetivo de propor políticas públicas mas que, no entanto, não tem a competência para Implantá-las, poderia ser substituído por um outro tipo de estrutura? Por exemplo, uma estrutura que contemplasse uma assessoria de governo, vinculada ao Gabinete da Presidência com poderes e atribuições ministeriais, mas cujos quadros técnicos/feministas estivessem disseminados nos diferentes órgãos de execução política na qualidade de comissões de igualdade de oportunidades. Nessa fantasia ou visão de futuro, seria um órgão político devidamente respaldado por um colegiado representativo do movimento de mulheres, formulador de diretrizes das ações dos núcleos implantados nos diversos ministérios. Essa proposta almeja integrar a perspectiva feminista no corpo do Estado como um todo e não apenas num órgão Isolado. Assim, os quadros técnicos/feministas Interfeririam concreta e diretamente nas políticas, programas e ações do Estado. Como sonhar não é proibido, fica nossa sugestão!
- Zulelka Alambert, abstraindo as polêmicas e computando os pontos positivos, resume este período da seguinte forma: “A proclamação do Ano Internacional da Mulher em 1975 foi então, do ponto de vista prático, o detonador de um movimento de mulheres mais amplo no pais… Campanhas específicas foram lançadas. Jornais feministas, embora de vida curta, apareceram e desempenharam um importante papel na mobilização, organização e luta das mulheres. Surgiu uma literatura especializada sobre a questão feminina, ao mesmo tempo em que foram criadas múltiplas formas de organização voltadas para a mulher. (Voz da Unidade, 1981) ↩︎
- “O Congresso da Mulher tem um final agitado”, primeira página da Folha de S. Paulo de 10 de março de 1980: ‘O II Congresso da Mulher Paulista, Iniciado sábado pela manhã e encerrado ontem no Tuca, foi marcado por intensa polêmica e tumultos causados pela atuação de diferentes correntes políticas, que em alguns momentos fizeram a comissão coordenadora perder o controle das reuniões-. ‘As controvérsias que surgiram na organização do III Congresso da Mulher Paulista são sistematizadas numa (falsa) divisão: entre aquelas mulheres que estão interessadas apenas na libertação do povo (essa entidade abstrata, sem sexo, cor ou idade) e outras, que estariam mais interessadas em olhar o próprio umbigo, numa atitude chamada de pequeno-burguesa, como se conhecer a si mesma fosse privilégio de poucos e atitude sem importância’. (Os Velhos Conceitos Estão Desgastados, artigo do Grupo Nós Mulheres, publicado na Folha de S. Paulo em 8 de março de 1981). ↩︎
- Urna das dificuldades com que se defronta o feminismo em São Paulo, assim como em outras partes, é o preconceito contra ele alimentado por um tipo de crítica que se dirige não contra os fins do movimento ou contra os métodos de luta que emprega, mas à motivação subjetiva de quem dele participa. Usando largamente o ridículo, esta critica retrata a feminista como um tipo de mulher ‘mal-amada’.„ a esta critica se juntam os temores de que o feminismo separe as mulheres dos homens, afetando a harmonia conjugal e a unidade de ambos no empenho por objetivos comuns”. (Paul Singer, no
artigo O Feminino e o Feminismo, 1979) ↩︎ - RAY, Eva. Mulher e Estado (mimeo). Artigo apresentado no seminário Feminismo no Brasil, NEIM/UFBA, 1986. ↩︎
- ‘Participaram do debate organizado pelo Mulherio feministas militantes de partidos políticos (PMDB, PT e PDT). Dentre elas, Eva Blay, Carmen Barroso e Elisabeth Souza Lobo. No debate da Folha de S. Paulo, além das Já citadas, participaram também Maria Malta Campos e Zuleika Alambert, bem como representantes de grupos e movimentos populares (Associação das Donas de Casa, Movimento de Luta por Creches, SOS Mulher, Sindicato dos Químicos). Folha de S. Paulo, 13/03/83 e Mulherio, nov./ dez. de 1982 e maio/junho de 1983. ↩︎
- Seminário Feminismo no Brasil – Vislumbrando Novos Espaços, NEJM/UFBA, 1988. ↩︎
- Idem.
↩︎ - Referiam-se aos Conselhos de São Paulo e Minas Gerais. ↩︎
- Carta de B.H., abril de 1985. ↩︎
- A Carta de Belo Horizonte foi publicada pelo Centro de Informação da Mulher (CIM) no mesmo ano. ↩︎
- “O começo do CNDM foi assim descrito por Maria Aparecida Schumaher no artigo Condição Feminina, Políticas Públicas e o Papel do CNDM, apresentado no Seminário do NEMGE/USP em 1989: ‘Desembarcamos em Brasília trazendo na bagagem o Ideário de autonomia do movimento de mulheres, suas reivindicações e, simultaneamente, a convicção da Importância de ganhar espaços no Estado e a consciência do desafio e das dificuldades dessa tarefa”. ↩︎
- A primeira Delegacia Especializada de Defesa da Mulher foi criada em São Paulo, pelo decreto n* 23.769 de 06/08/85. Previamente, o CECF de São Paulo, representantes do movimento de mulheres e o Secretário de Segurança Pública do Estado elaboraram em conjunto uma Carta de Intenções. Nela ficou estabelecido que: – a implantação da Delegacia devia ser acompanhada por uma comissão de mulheres, composta por representantes do CECF, da OAB e do movimento autónomo de mulheres; as profissionais da Polícia que Integrassem essa Delegacia Especializada seriam preparadas para a tarefa através de seminários e discussões com as entidades feministas, coordenadas pelo CECF e pela OAB; a Secretaria de Segurança Pública viabilizaria a extensão do exame de corpo de delito aos pronto- socorros públicos; o inquérito policial seria sempre realizado pela Delegacia Especializada, Independente do Distrito Policial da ocorrência. ↩︎
- O documento do CNDM foi redigido com base no parecer das conselheiros Ruth Cardoso e Carmen Barroso. ↩︎
- Um exemplo da perda desse espaço politico foi a desativação da Comissão de Direitos Reprodutivos do Ministério da Saúde, cuja função era de deliberar sobre o PAISM. Nela tinham assento não só o CNDM, como também representantes do movimento de mulheres. ↩︎
- A articulação feminina no processo de reestruturação democrática: a mobilização das mulheres no sul do Brasil. Documento apresentado no Seminário do NEIM/UFBA, 1988 (idem nota 6). ↩︎
- São eles: Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo, Conselho Cearense dos Direitos da Mulher, Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do Rio de Janeiro, Conselho dos Direitos da Mulher do Rio Grande do Sul, Conselho da Condição Feminina do Paraná, Conselho Estadual da Mulher do Rio Grande do Norte, Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher de Alagoas, Conselho dos Direitos da Mulher do Distrito Federal, Conselho Estadual da Mulher de Minas Gerais, Conselho dos Direitos da Mulher de Mato Grosso do Sul, Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Natal/ RN, Conselho Municipal da Condição Feminino de Belém/PA e Conselho Municipal da Mulher de Salvador/BA. ↩︎
- Mulher e Políticas Públicas autoritários” -1BAM/UNICEE 1991. ↩︎
- O Crescimento das ONGs de Mulheres (mimeo). Apresentado no seminário Feminismo como Critica Civilizatória. Fundação Joaquim Nabuco, Recife/PE, 1993. ↩︎
- Movimento Feminista, Autonomia e Organizações Não Governamentais. Fempress, nA 141, Julho de 1993. ↩︎