Iyalorixá do Candomblé, internacionalista, mestre em tecnologia e doutora em educação.
Dalzira Maria Aparecida é uma das mais célebres Iyalorixás e pesquisadoras do Brasil contemporâneo. Conforme exposto por Schuma Schumaher e Érico Vital Brazil em Mulheres Negras do Brasil: “Dalzira Maria Aparecida, mãe de santo e uma das vozes mais expressivas na representatividade religiosa e sociocultural dos afros-descendentes do Paraná. Além do seu importante exercício sacerdotal é, também, coordenadora do grupo União da Consciência Negra militante do movimento de mulheres negras do estado.”
Em 23 de setembro de 2022, a Iyalorixá fez história ao defender sua tese de doutorado na Universidade Federal do Paraná – UFPR, aos 81 anos. Intitulada Professoras negras: gênero, raça, religiões de matriz africana e neopentecostais na educação pública, a tese foi formulada para a obtenção do doutorado em educação pela intelectual. Segundo a página virtual Notícias Pretas, Dalzira é uma das matriarcas mais velhas do candomblé, sendo parte da 7ª geração de africanos que chegou no Brasil, representando um dos principais símbolos na luta pela defesa das tradições e religiosidades africanas, bem como na luta contra o racismo no Estado do Paraná. Sua tese, pesquisada por Iyá, como é carinhosamente conhecida, vai além de uma realização pessoal, mas também uma conquista socialmente importante e, como ela mesma diz, “é um divisor de águas para o conhecimento”, afirma.
Na reportagem de René Ruschel para a Carta Capital, a personalidade do movimento negro paraense expõe suas expectativas e seus ideais relacionados à conclusão do doutorado: “Com o título de doutora, ela espera poder contribuir ainda mais para a reconstrução de um mundo melhor, com menos ódio, violência e mais amor. Em troca, quer apenas compreensão. ‘Sempre seremos negros, mas que não sejamos odiados por sermos negros’. A próxima honraria será receber o título de Cidadã Honorária de Curitiba”.
Conforme destacou Josete Vereadora, Yá veio criança com seus pais e seus 5 irmãos ao norte do Paraná, mudando-se para Curitiba aos 27 anos também com sua família, sendo descendente da etnia Iorubá e tendo nascido em Guaxupé. Nos termos da reportagem: “Autora do projeto que concede a honraria, a vereadora Professora Josete (PT) destacou que o título à Yyagunã é um reconhecimento a sua brilhante caminhada pessoal e acadêmica e também por sua liderança religiosa de valor imensurável.” De fato, sua trajetória religiosa e acadêmica é excepcional. Após ingressar na Educação de Jovens e Adultos – EJA, fez prova de equivalência e passou a frequentar os últimos anos do Ensino Fundamental, ou Ginásio. Após participar do Movimento Brasileiro de Alfabetização – Mobral e frequentar escola rural, a intelectual ingressou no curso de Relações Internacionais. Iniciou a graduação aos 63 anos, tendo defendido seu mestrado em Tecnologia na Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR aos 72 anos. Sua dissertação tem o nome Templo religioso, natureza e os avanços tecnológicos: os saberes do Candomblé na contemporaneidade.
Em relação a sua tese de mestrado, citamos a sua introdução: “A motivação para a minha pesquisa da religião de matriz africana está no fato de ser Iyalorisá de Candomblé, de sempre ter lido ou ouvir falar dos reclames de intolerância religiosa e de também ter sido vítima desta prática, tão comum contra os adeptos dessa religião”.
Reflexo de sua relevância, o estudo é citado, por exemplo, em Comunicação organizacional e cultura do batuque gaúcho: a oralidade no comunicacional batuqueiro, de Sérgio Gabriel Fajardo da Silva Neto. O autor cita Yá dentre os poucos trabalhos dedicados a realizar análises sobre a oralidade em religiões, dentre os 200 trabalhos inicialmente localizados para análise e elaboração de seu trabalho. Isto demonstra a relevância do tema e de seus estudos, considerando a ausência de obras sobre o tema na literatura.
Outro reflexo positivo de sua produção acadêmica é observado na obra da Maria Dalécia de Lima Barbosa, Dandara e Vovó Cenira: tecendo sobre empoderamento da criança negra. Em seu capítulo Dandara e Vobó Cenira: ancestralidade como processo de empoderamento, quando refletindo sobre um aspecto de destaque na narrativa do livro abordado – qual seja, a ancestralidade apresentada pela Vó Cenira a partir da valorização da importância histórica dos povos negros –, Maria Dalécia cita reflexão de Débora Oyayomi Araújo sobre a tese de mestrado de Yá. A reflexão de Débora é a seguinte: “Os ‘mestres da palavra’ ou, nas palavras de Dalzira Maria Aparecida Iyagunã (2013), os ‘mais velhos’ são aqueles responsáveis pela transmissão do conhecimento aos mais jovens: “quanto mais velho mais sábio. Tanto é que a criança e o jovem ouviam os velhos e lhes devotavam respeito”.Isto demonstra que as culturas negras, dentre elas a cultura Iorubá, perpetuam a valorização da trajetória de vida individual a partir da compreensão de que a idade demonstra o quanto tal indivíduo vivenciou, bem como o quanto tal indivíduo ensinou e ensina aos mais novos. Inevitável perceber que tal prática de valorização da velhice vai em desencontro com a compreensão contemporânea adultocêntrica e etarista, na medida em que compreende o mais novo como ser intelectual que merece receber ensinamentos relevantes, e que também os mais velhos são tratados com respeito e amabilidade dentro dessas culturas nas quais são vistos como produtores e dispersores de conhecimento. Por fim, podemos destacar que a vivência de uma pessoa negra na colonialidade ou pós-colonialidade significa podermos vislumbrar o quanto tal indivíduo sofreu a partir do racismo, das desigualdades socioeconômicas etc. Portanto, inegável que seja um indivíduo que perseverou através de décadas de implementação de estratégias eficazes para a sua sobrevivência e para a sobrevivência de comunidades negras, independente do seu campo de atuação profissional ou forma de relacionamento que tenha com as comunidades negras.
Ainda sobre a trajetória acadêmica de Yá, citamos alguns eventos dos quais participou: participou da I Conferência Temática da Saúde Integral da População Negra no Estado do Paraná, na Faculdade de Educação Superios – FESP, através da Temática de Grupo Práticas e Saberes Ancestrais; contribuiu com o dossiê Descolonizar as crianças em processo de (des)aprendizagens com os saberes sagrados: o que pode uma criança nos ensinar, através do artigo A criança e o candomblé: considerações acerca de uma educação decolonial, produzida por Yá e Luis Thiago Freire Dantas; participou do livro Meu povo de fé: olhares sobre a religiosidade popular no Brasil, através do artigo Territorialidade e terreiros de Candomblé contemporâneos no Brasil; participou da Atividade Cultural – Roda de conversa com o Violinista Quilombola Pereira Viola, do XI Congresso Brasileiro de Pesquisadores/as Negros/as – COPENE; organizou o II Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros Região Sul, em 2015; e participou de diversas bancas julgadoras e eventos.
Elaborado por: Emilson Gomes Junior e Schuma Schumaher.
Palavras-Chave/TAG: #racialidade #etarismo #pesquisa #doutorado #mestrado #tecnologias #educacao #iyalorixá
REFERÊNCIAS:
- Produções acadêmicas:
BARBOSA, Maria Dalécia de Lima. Dandara e Vovó Cenira: tecendo sobre empoderamento da criança negra. Guarabira: Universidade Estadual da Paraíba, 2019. Disponível em: PDF – Maria Dalécia de Lima Barbosa.pdf (uepb.edu.br). Acesso em 19 jun 2023.
IYAGUNÃ, Dalzira Maria Aparecida. Templo religioso, natureza e os avanços tecnológicos: os saberes do candomblé na contemporaneidade. Curitiba: UTFPR – Universidade Tecnológica Federal do Paraná, 2013. Disponível em: CT_PPGTE_M_Iyagunã, Dalzira Maria Aparecida_2013.pdf (utfpr.edu.br). Acesso em 19 jun 2023.
IYAGUNÃ, Dalzira Maria Aparecida. Territorialidade e terreiros de Candomblé contemporâneos no Brasil; In Meu povo de fé: olhares sobre a religiosidade popular no Brasil: Barlavento, 2018. Disponível em: e-book-meu-povo-de-fc3a9.pdf (wordpress.com). Acesso em 19 jun 2023.
IYAGUNÃ, Dalzira Maria Aparecida; DANTAS, Luis Thiago Feire. A criança e o candomblé: considerações acerca de uma educação decolonial. Revista Momento – Diálogos em Educação – PPGEDU-FURG; In dossiê Descolonizar as crianças em processo de (des)aprendizagens com os saberes sagrados: o que pode uma criança nos ensinar? Porto Alegre: 2019. Disponível em: A criança e o candomblé: considerações acerca de uma educação decolonial | Momento – Diálogos em Educação (furg.br). Acesso em 19 jun 2023.
NETO, Sérgio Gabriel Fajardo da Silva. Comunicação organizacional e cultura no batuque gaúcho: a oralidade no comunicacional batuqueiro. Porto Alegre: UFRS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2022. Disponível em: 001137484.pdf (ufrgs.br). Acesso em 19 jun 2023.
SANTANA, Jorge Luiz. Adelino Alves da Silva: presença negra paranaense em espaços legítimos de poder. Universidade Federal do Paraná: Curitiba, 2015.
SCHUMAHER, Schuma; VITAL BRASIL, Érico. Mulheres Negras do Brasil. Rio de Janeiro: SENAC/REDEH, 2008.
- Sites:
Dalzira Maria Aparecida. Escavador. Disponível em: Dalzira Maria Aparecida | Escavador. Acesso em 19 jun 2023.
ROCHA, Igor. Yalorixá Iyagunã Dalzira defende tese de doutorado aos 81 anos. Rio de Janeiro: Notícia Preta, 2022. Disponível em: Contato – Noticia Preta – NP. Acesso em 19 jun 2023.
RUSCHEL, René. Aos 81 anos, mãe de santo se prepara para defender tese de doutorado na UFPR. Curitiba: Carta Capital, 2022. Disponível em: Aos 81 anos, mãe de santo se prepara para defender tese de doutorado na UFPR – CartaCapital. Acesso em 19 jun 2023.
SILVA, Josete Dobiaski da. Símbolo da luta antirracista, Yyagunã Dalzira será Cidadã Honorária de Curitiba. Curitiba: Professora Josete Vereadora, 2020. Disponível em: Yyagunã Dalzira será Cidadã Honorária de Curitiba (professorajosete.com.br). Acesso em 19 jun 2023.
Transmissões. Curitiba: XI COPENE – Congresso Brasileiro de Pesquisadores/as Negros/as, 2020. Disponível em: XI Congresso Brasileiro dos(as) Pesquisadores(as) Negros(as) – Atividades (abpn.org.br). Acesso em 19 jun 2023.
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