Primeira Engenheira Negra do Brasil
Nascida em Curitiba, Paraná, no dia 13 de janeiro de 1913, Enedina Marques era filha de Virgília Alves Marques e Paulo Marques, um casal de negros migrantes da zona rural que se estabeleceu na periferia da capital paranaense em busca de sobrevivência no período pós-abolição da escravatura. Esse contexto histórico deixou a população negra em uma situação de extrema vulnerabilidade e abandono.
Enedina era a única mulher em uma família com vários irmãos (cinco ou seis, de acordo com diferentes fontes). Seu pai, um ex-lavrador, não tinha uma profissão definida e realizava diversos tipos de trabalhos manuais. Sua mãe, Dona Duca, trabalhava como lavadeira de ganho e, após a separação do marido, passou a trabalhar como doméstica na casa do intelectual militar Domingos Nascimento Sobrinho, onde a família passou a residir.
Apesar das enormes dificuldades de sobrevivência, Enedina assumiu, aos doze anos, a função de “dama de companhia” de Isabel, filha dos patrões, que tinha a mesma idade que ela. Em troca desse serviço, Enedina teve a oportunidade de estudar. Juntas, foram alfabetizadas na Escola Particular da Professora Luiza Netto Correia, concluindo essa etapa em 1926.
Em 1927 foi transferida para o Grupo Escolar ligado à Escola Normal Secundária onde, mais tarde, em dezembro de 1931, concluiu a formação de professora, cujo diploma lhe dava o direito de lecionar. E, assim, deixou de atuar como trabalhadora doméstica e passou a atuar como educadora de crianças em várias escolas no interior do Estado. Seis anos depois, voltou à capital e, desejosa de continuar a carreira de professora, teve que voltar à sala de aula para cumprir as novas exigências das leis educacionais que lhe dariam direito ao magistério. Mesmo com diploma de professora voltou a trabalhar e morar em casa de famílias para custear os cursos, especialmente o pré-vestibular. Enedina tinha decidido enfrentar um dos desafios mais difíceis: estudar engenharia em um contexto em que tanto a faculdade quanto o curso era um espaço completamente masculino e branco.
No final de 1939, pleiteia, através de requerimento ao diretor da Faculdade de Engenharia do Paraná (FEP), inscrição para os exames de habilitação a fim de ingressar no curso de engenharia civil, mediante aprovação nos exames, apresentação da documentação exigida e pagamento do valor estabelecido, que se diga de passagem não era barato, pois correspondia a quase dois salários-mínimos.
A maneira encontrada para aliviar as dificuldades financeiras foi morar na casa dos patrões Iracema e Mathias Caron, onde, em troca de moradia e o pagamento da mensalidade na Faculdade, ajudava nas lidas domésticas.
Foi assim que, em 1945, aos 32 anos, Enedina Alves Marques se tornou a primeira mulher a se diplomar em engenharia pela Universidade Federal do Paraná e a primeira mulher negra a concluir o curso de Engenharia Civil no Brasil. A foto de formatura mostra o inusitado para a sociedade elitizada da época: um grupo de trinta e dois formandos homens e uma única mulher e, ainda por cima, negra.
Logo depois da formatura, em 1946, trabalhou como auxiliar de engenharia na Secretaria de Estado de Viação e Obras Públicas do Paraná, em seguida, foi transferida para o Departamento Estadual de Águas e Energia Elétrica, atuando no desenvolvimento do Plano Hidrelétrico do Paraná em diversos rios do estado, com destaque para o projeto da Usina Capivari-Cachoeira, a maior central hidrelétrica subterrânea do sul do Brasil, que, atualmente, é chamada de Usina Governador Pedro Viriato Parigot de Souza, em Antonina.
Enedina exercia sua profissão num ambiente totalmente masculino. Apesar da sua elegância ao vestir-se, no trabalho, usava macacão e precisava de pulso firme para enfrentar os preconceitos raciais e machistas da época. Há quem diga que na cintura portava uma arma e fazia uso dela quando precisava ser respeitada, dando tiros para o ar.
Reconhecida profissionalmente e com emprego seguro, Enedina teve a oportunidade de conhecer outros países e outras culturas. Em 1958, com a morte do major Domingos Nascimento, seu primeiro patrão, foi surpreendida com o testamento deixado por ele, onde ela constava como uma de suas beneficiárias.
Infelizmente o reconhecimento ao importante papel social e profissional desempenhado por Enedina aconteceu após sua morte, graças ao esforço dos movimentos de mulheres negras e algumas pessoas da academia que estão recuperando sua trajetória e legado. Enedina nunca se casou, nem teve filhos. Em 1981, aos 68 anos, foi vítima de um infarto e encontrada sem vida no apartamento em que vivia na cidade de Curitiba.
Em 1988, por inciativa da Câmara de Vereadores de Curitiba, o bairro do Cajuru ganhou uma rua com o seu nome: Rua Engenheira Enedina Alves Marques. Desde então, uma série de homenagens tem sido feito a essa mulher que derrubou muitas barreiras para existir. Foi considerada a “pioneira da engenharia” no Memorial à Mulher construído em Curitiba por ocasião das comemorações pelos 500 anos do Brasil, ao lado de outras personalidades femininas.
Também, em sua homenagem, foi fundado, em 2006, na cidade de Maringá (PR), o Instituto de Mulheres Negras Enedina Alves Marques, com o propósito de lutar contra o racismo e contra a invisibilidade das mulheres negras nos diferentes setores da sociedade.
Com o tempo, o apagamento de Enedina tem sido vencido. Hoje encontramos muitos escritos sobre sua contribuição profissional, assim como seu esforço pessoal para superar os inúmeros obstáculos vividos numa sociedade excludente e racista.
Palavras-Chave/TAG: #EnedinaAlvesMarques #engenheiranegra #negrapioneira #MulheresNegras
Elaboração: Schuma Schumaher e Ana Laura Becker.
REFERÊNCIAS
- Produções acadêmicas:
SCHUMAHER, Schuma: VITAL BRAZIL, Érico V. Mulheres Negras do Brasil. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2008.
- Sites:
Enedina Alves Marques: conheça a história da primeira engenheira negra do Brasil. Archtrends Portobello, 2022. Disponível em: Enedina Marques: primeira engenheira civil negra do Brasil (archtrends.com). Acesso em 19 jun 2023.
Enedina Alves. UNIFEI Personalidades do muro, 2022. Disponível em: Enedina Alves | Unifei. Acesso em 19 jun 2023.
FARIAS, Vanessa. Enedina Alves Marques, a primeira engenheira negra do Brasil. Sienge Plataforma, 2019. Disponível em: Enedina Alves Marques, a primeira engenheira negra do Brasil (sienge.com.br). Acesso em 19 jun 2023.
GUERRA, Alves. Enedina Marques, a primeira engenheira mulher e negra do Brasil. Casa Abril, 2022. Disponível em: Enedina Marques, a primeira engenheira mulher e negra do Brasil | CASA.COM.BR (abril.com.br). Acesso em 19 jun 2023.
PITZ, Gustavo. A singular trajetória da engenheira Enedina Alves Marques. Turistória, 2022. Disponível em: A singular trajetória da engenheira curitibana Enedina Alves Marques (turistoria.com.br). Acesso em 19 jun 2023.
REIS, Luis Gustavo. Mãos à obra: a trajetória de Enedina Alves Marques, Revista Aluvião, 2021. Disponível em: Mãos à obra: a trajetória de Enedina Alves Marques – aluvião (revistaaluviao.com.br). Acesso em 19 jun 2023.