• Lenira Maria de Carvalho (1933 – 2021)

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15 de maio de 2024 por 

Trabalhadora doméstica e líder sindical.

Lenira de Carvalho foi uma das líderes sindicais mais influentes da história brasileira. Nascida em 23 de novembro de 1933, num engenho, no município de Porto Calvo, Alagoas. Foi a quinta filha de uma mãe descendente de família escravizada, que mal conheceu o pai.

Lenira morou desde pequena em casa de contratante do trabalho doméstico de sua mãe, inclusive fazendo trabalho doméstico, ainda criança. Muitas vezes dormia sem jantar, pois a regra proibia que criadagem se alimentasse antes dos patrões. Discriminação foi, portanto, um conceito que ela vivenciou na prática muito cedo. A vida de exploração e o sofrimento de sua mãe, a diferença entre o tratamento que recebia e os privilégios reservados aos filhos do patrão, o frequente medo de ser violentada foram elementos que povoaram sua infância, sem escola e sem diálogo.    

Se mudou para Recife após o convite de seu padrinho para se tornar babá. A partir daí, viveu 16 anos sendo sub-remunerada, trabalhando muito acima de 40 horas semanais, sem direito a folgas, trabalhando de segunda a segunda. Lenira conseguiu assegurar alguns dias de folga ao longo dos anos trabalhando para seu padrinho. No entanto, tal como a realidade das trabalhadoras domésticas da época e de muitas da atualidade, Lenira continuava mal remunerada e desproporcionalmente explorada.

Em 1960, Lenira passou a frequentar reuniões da Juventude Operária Católica. Houve a formação de um grupo de trabalhadoras domésticas para discutir sobre direitos que a categoria deveria ter assegurados. A partir de seu engajamento político, Lenira abandonou seu emprego, dedicando-se exclusivamente a ser missionária da Juventude Operária Católica. Seu trabalho consistia em organizar encontros regionais e estaduais com outras trabalhadoras domésticas.

No dia 1º de maio de 1963 esteve no Congresso Regional de Empregadas Domésticas no Recife, encontro este que desencadeou uma histórica passeata, a primeira da categoria no Brasil. Schuma Schumacher e Érico Vital Brazil em Mulheres Negras do Brasil revelam que Lenira Carvalho está entre as ativistas históricas da Confederação Nacional das(os) Trabalhadoras(es) Domésticas(os) – confederação que compõe o mosaico do feminismo negro. O livro também traz fotos da líder sindical.

A partir do Golpe Militar de 1964, houve repressão à organização política de trabalhadoras domésticas.

Lenira seguiu atuando politicamente após a instauração da ditadura. Neste sentido, nos termos da Justificativa do Projeto de Lei Ordinária nº. 9/2022, apresentado em 11 de janeiro de 2022 pela Vereadora de Recife Liana Cirne Lins: “O movimento enfraqueceu, mas Lenira não desistiu, discretamente, entregava boletins e mobilizou as trabalhadoras. Dada as circunstâncias, Lenira Carvalho retornou a sua profissão, mas não abandonou o propósito de ajudar a construir uma associação de empregadas domésticas. No ano de 1968 participou do Primeiro Congresso de Trabalhadoras Domésticas em São Paulo. No início da década de 1970, no governo Médici, foi assegurado às empregadas domésticas o direito à carteira assinada”.

Conforme exposto por Luiza Batista, presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), sobre a prisão de Lenira durante a ditadura militar, na reportagem de Suzana Souza: “Ela nos contava que ficavam ameaçando pegar a mãe dela. Ela não foi torturada fisicamente, mas passou por tortura psicológica. […] Dom Hélder Câmara conseguiu tirá-la da prisão, a partir de articulações. E, mesmo depois disso, ela não desistiu da luta”.

Lenira Carvalho destacou-se por sua atuação possibilitada pela mobilização de cristãos organizados contra a desigualdade social da época. Carmen Silvia Maria da Silva e Sophia Branco ressaltam que, através da trajetória de Lenira Carvalho, fica evidente a contribuição deste movimento para a organização sindical e popular. Este movimento não apenas ofereceu um método e um referencial próprio, mas também construiu experiências, gerou valores e moldou modos de vida entre seus participantes. Lenira manteve fortes vínculos com o cristianismo da libertação, indo além da mera participação nos espaços tradicionais da Igreja, mas sem excluí-los. Sua identidade de classe e sua relação com o movimento feminista popular demonstram que Lenira também procurou outras possibilidades de militância, que foram construídas sempre com a mesma intencionalidade de combate à desigualdade e promoção da justiça social.

Lenira passou as décadas de 1970 e 1980 se organizando politicamente e participando de atividade coletivas. Após o Congresso de Olinda, em 1985, Lenira foi contratada como faxineira pela ONG feminista SOS Corpo. Aprofundou a partir daí sua aproximação com o movimento feminista, suas pautas de discussão e suas metodologias de trabalho.

Em 27 de julho de 1979 comemorou a grande vitória ao fundar oficialmente, com outras companheiras, a Associação de Trabalhadoras Domésticas da área Metropolitana de Recife (PE) da qual se tonou a primeira presidenta, além de ganhar uma sede para a Associação, cedida pela Diocese de Recife.  

Lenira teve papel direto e fundamental na Assembleia Constituinte de 1988. Este processo trouxe um resultado histórico para categoria das domésticas: conquista do salário mínimo, direito às férias, 13º salário, aviso prévio, repouso semanal e 120 dias de licença maternidade. No ano de 1988, a Associação transformou-se em Sindicato. Por influência de Lenira o Sindicato das Empregadas Domésticas da RMR é atuante no Fórum de Mulheres de Pernambuco.

Neste sentido, mencionamos Sônia Roncador em Escritoras de avental: notas sobre o testemunho de uma doméstica, que destaca a contribuição de Lenira através de seus testemunhos em entrevistas fornecidas ao longo de sua carreira. A partir dessas entrevistas, Cornelia Parisius escreveu o livro A luta que me fez crescer, de 1999. Conforme Frei Betto menciona no prefácio de A luta que me fez crescer, o livro é relevante por “narrar com as entranhas” a realidade da “mais explorada categoria trabalhadora no Brasil – a empregada doméstica”, posicionando-o ao lado de outras obras canônicas do testemunho latino-americano.

A partir de reflexões sobre a trajetória de vida de Lenira, possível compreender que suas articulações políticas atingiram positivamente a vida de todas as profissionais domésticas do país. Não à toa, Lenira foi indicada a receber o Prêmio Nobel da Paz, em função de sua vida entregue à militância. Segundo Zâmbia Osório dos Santos, “Em 2005, foi uma das 52 indicadas brasileiras, pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, para a iniciativa ‘1000 Mulheres para o Prêmio Nobel da Paz’. Neste mesmo ano, foi convidada do Encontro Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social com Inclusão da População Negra, promovido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), onde houve o lançamento do Plano Trabalho Doméstico Cidadão, uma política dirigida especificamente à categoria das trabalhadoras domésticas”.

Lenira de Carvalho faleceu em 3 de agosto de 2021, aos 88 anos, em casa, no bairro de Santo Amaro, em Recife, em função de sua saúde cardíaca. Inclusive, notamos que Lenira faleceu na cidade em que recebeu o Título de Cidadã de Pernambuco, em 2019, da Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco. De fato, podemos perceber o Título como reflexo de sua enorme contribuição à sociedade pernambucana e brasileira, através de sua corajosa luta pela vida amorosa, livre e justa, contra a desigualdade social.

Palavras-Chave/TAG: #racismo #colonialidade #trabalhodoméstico #direitodotrabalho #desigualdadesocial #exploração #sindicalismo #lutanaconstituitente  #empregadadoméstica #esocial #trabalhadorasdomésticas #domésticas #emprego

Texto Adaptado do verbete contido no Livro Gogó de Emas – A participação das Mulheres na história de Alagoas por: Emilson Gomes Junior e Schuma Schumaher.

REFERÊNCIAS

  • Produções acadêmicas:

CARVALHO, Lenira; PARISIUS, Cornelia. A luta que me fez crescer. Edições SOS Corpo: Recife, 2022. Disponível em: LENIRA_LIVRO.indd (soscorpo.org). Acesso em 19 jun 2023.

LINS, Liana Cirne. Projeto de Lei Ordinária nº. 9/2022. Câmara Municipal do Recife. 2022. Disponível em: 5928_signed.pdf (recife.pe.leg.br). Acesso em 17 jun de 2023.

MELO, Cecy E. B. de. “Mas você é quase da família”: o público e o privado no Sindicato das Trabalhadoras Domésticas de Pernambuco. In: Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, 44., 2020, São Paulo. Anais eletrônicos do 44º Encontro Anual da ANPOCS. São Paulo: ANPOCS, 2020. p. 02. Disponível em: 44º Encontro Anual da ANPOCS – Grupo de Trabalho (GT) – GT26 – Movimentos Sociais: Protesto e Participação (sinteseeventos.com.br). Acesso em 17 jun de 2023.

RONCADOR, Sônia. Escritoras de avental: notas sobre o testemunho de uma doméstica. Revista de Letras. São Paulo. 2004. Disponível em: Vista do Escritoras de avental: nota sobre o testemunho de uma doméstica (unesp.br). Acesso em 17 jun de 2023.

SANTOS, Zâmbia Osório dos. Quando o texto fala: narrativas de Lenira Maria de Carvalho, uma mulher negra, trabalhadora doméstico.  Centro de Ciências da Educação. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2018. Disponível em: PEED1363-D.pdf (ufsc.br). Acesso em 17 jun de 2023.

SCHUMAHER, Schuma; VITAL BRASIL, Érico. Mulheres Negras do Brasil. Senac Editora: Rio de Janeiro, 2006. Disponível em: Mulheres Negras do Brasil 9788574582252 – DOKUMEN.PUB. Acesso em 23 nov 2022.

SCHUMAHER Schuma. Gogó de Emas – A participação das Mulheres na história de Alagoas.Imprensa Oficial de São Paulo e Redeh, 2004.

SILVA, Carmen Silvia Maria; BRANCO, Sophia. A luta das trabalhadoras domésticas, a igreja dos pobres e o feminismo popular: a formação de um campo político contada a partir da trajetória de Lenira Carvalho. Paralellus Revista de Estudos de Religião. Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Vol. 11. Nº. 28. 2020. Recife. Disponível em:       Vista do A LUTA DAS TRABALHADORAS DOMÉSTICAS, A IGREJA DOS POBRES E O FEMINISMO POPULAR: A FORMAÇÃO DE UM CAMPO POLÍTICO CONTADA A PARTIR DA TRAJETÓRIA DE LENIRA C. Acesso em 17 jun de 2023.

  • Sites:

Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco. Fundadora de Sindicato das Trabalhadoras Domésticas torna-se Cidadã de Pernambuco. 2019. Disponível em: Alepe – Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco. Acesso em 17 jun de 2023.

REDEH – Rede de Desenvolvimento Humano. Mulher 500 anos atrás dos panos: Lenira Carvalho. Disponível em: Lenira Carvalho (1932 – ) – Mulher 500 Anos Atrás dos Panos. Acesso em 17 jun de 2023.

SOUZA, Suzana; MARINHO, Bruno. Morre, aos 88 anos, Lenira de Carvalho, líder do movimento sindical das trabalhadoras domésticas em Pernambuco. Portal G1. 2021. Disponível em: Morre, aos 88 anos, Lenira de Carvalho, líder do movimento sindical das trabalhadoras domésticas em Pernambuco | Pernambuco | G1 (globo.com). Acesso em 17 jun de 2023.

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