• Maria José de Castro Rebello Mendes (1890 –1936)

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12 de setembro de 2023 by 

Primeira Diplomata brasileira

Maria José foi a primeira mulher aprovada em concurso público no Brasil. Em 1918, ela se tornou a primeira diplomata do país. Nascida em 20 de setembro de 1890, em Salvador, Bahia, Maria era filha de Josephina de Castro Rebello Mendes e Raymundo Mendes Martins, professora e advogado. Conforme exposto em Mulheres diplomatas no Itamaraty (1918-2011), de Guilherme José Roeder Friança, seu pai foi assassinado no Rio de Janeiro. A partir daí, Maria passou a se enxergar como responsável pela mãe, viúva. Tal percepção teria sido relevante para sua trajetória profissional, conforme veremos a seguir.

Quando Maria José era criança, sua mãe, Josephina, era sócia de Mathilde Elisabeth Schroeder em uma escola. Mathilde era cidadã alemã que havia migrado para a Bahia, e havia ensinado alemão e outras línguas a Maria José. Após o falecimento de Mathilde, o colégio passou a não auferir lucros suficientes para a família. Neste cenário, Maria se mudou para o Rio de Janeiro, com o objetivo de estudar e trabalhar.

Em meados da década de 1910, a repentina morte do pai, na capital, em circunstâncias mal esclarecidas, deixou a família em situação financeira difícil. Alertada por um primo de que haveria concurso no Itamaraty, Maria José, confiante no seu bom preparo em línguas estrangeiras, empenhou-se para superar as dificuldades nas matérias com as quais tinha menor familiaridade. Passou a frequentar a Escola de Comércio para aperfeiçoar sua habilidade na datilografia e dominar os fundamentos de contabilidade e de economia. Estudou sozinha as matérias de Direito.

Depois de tanto empenho, o ministério das Relações Exteriores ameaçou não aceitar seu pedido de inscrição. Maria Elena Bernardes releva que periódicos da época acompanhavam o caso, enfatizando ao público que se tratava da primeira participação de uma mulher em concurso público. Mencionavam, por exemplo, que o prosseguimento do certame dependeu das aprovações do secretário geral da pasta. Consequentemente, Nilo Peçanha, então Ministro do Exterior, foi consultado. Por sua vez, Nilo consultou Wenceslau Brás, então Presidente da República, que aceitou sua inscrição, reconhecendo-a enquanto uma mulher trabalhadora dedicada ao sustento de sua família. Inclusive, o então senador Rui Barbosa publicamente se declarou a favor de Maria José. Em obra supramencionada, Jaqueline Capraro revela que Maria José teria buscado “esclarecimento sobre a elegibilidade de mulheres aos cargos de diplomata com Rui Barbosa, que teria sido amigo do pai de Maria José.”

O ato do governo foi amplamente comentado nos jornais, que começaram a tomar partido, uns apregoando o direito de Maria José e das mulheres de ocupar cargos públicos, outros criticando severamente o precedente aberto por Nilo Peçanha. Na edição de 26 de setembro de 1918 do Jornal do Brasil, o jornalista Carlos de Laet comentou favoravelmente o desfecho dado para o pedido de inscrição no concurso e noticiou as manifestações públicas de apoio a Maria José Rebelo organizadas pela feminista Leolinda Daltro e suas companheiras sufragistas.

Conforme exposto por Schuma Schumaher e Érico Vital Brazil, em Dicionário Mulheres do Brasil, de 1500 até a atualidade: biográfico e ilustrado “Maria José teve um desempenho brilhante no dificílimo concurso. A arguição oral foi realizada em sessão pública, num auditório repleto, onde ela discorreu com firmeza sobre todos os assuntos sugeridos pela banca e classificou-se em primeiro lugar. Foram intensos os elogios que recebeu, mas também houve críticas: o vespertino carioca A Rua, por exemplo, deixava clara a preocupação com o que chamou de marcha do feminismo no Itamaraty.  Um leitor do Jornal do Brasil, o militar Turíbio Rabioli, enviou carta criticando ferozmente a posição assumida pelo articulista Carlos de Laet em defesa de Maria José e indagando aos leitores o que sucederia em termos de autoridade no lar se uma funcionária pública viesse a se casar com outro funcionário, inferior na hierarquia. Dizia ainda que os que defendiam a jovem baiana nada mais desejavam do que ‘masculinizar o belo sexo’”.

A respeito dos comentários maldosos, nos termos de Maria Elena Bernardes em Tensões e desafios do feminino nos consagrados espaços masculinos, Maria José teria feito a seguinte declaração à Revista Feminina, em resposta a comentários do Ministro do Exterior: “Eu concordo com o Sr. Ministro do Exterior em que nos seria muito mais suave que nós pudéssemos ocupar somente de nossa casa, mas para isto era preciso que todas nós tivéssemos garantida a subvenção do lar, o que não é meu caso, e não é o caso de muitas brasileiras que se vêm obrigadas a trabalhar para manter o seu lar.” De fato, ela fala não apenas por si, mas por todas as mulheres que, solteiras ou casadas, precisavam trabalhar para que elas, suas famílias e suas comunidades sobrevivessem. Independente de seus sonhos pessoais e profissionais, muitas mulheres não têm outra escolha senão trabalhar.

Destacamos que Maria José cresceu próxima de mulheres trabalhadoras e intelectuais, de forma que parece natural seu desenvolvimento profissional. Intelectualmente estimulada desde jovem, a diplomata tornou-se uma adulta com habilidades extraordinárias. Neste sentido, Diana Maria Gomes Maquiné e Tereza de Sousa Ramos em A diplomata Maria José de Castro Rebello Mendes e o papel político representativo da mulher mencionam que em 1918 “a mulher ainda era vista como pertencente apenas à esfera privada doméstica e dedicada aos cuidados do lar e dos filhos”, de forma que “o comportamento de Maria José de Castro Rebello Mendes foi uma quebra nesse paradigma tradicional e patriarcal.” O que era natural para Maria José era considerado exclusividade de homens brancos e ricos, e tal percepção causava desconforto a muitos. Felizmente, Maria José superou tais obstáculos e viveu sua brilhante trajetória profissional.

Diana e Tereza também mencionam que Maria José entrou em licença médica por gravidez em todas as ocasiões nas quais esteve grávida. Ainda assim, não foi poupada de constrangimentos. As autoras descrevem que, em 1924, Maria José recebeu sua licença médica sem perceber seu salário. No dia seguinte à violação de seus direitos, solicitou a reconsideração do ato, com base no art. 21 do Decreto nº. 14.663/1921, que garantia os vencimentos da gestante.

Conforme expuseram Schuma Schumacher e Érico Vital Brazil, citados anteriormente, Maria José se casou com Henrique Pinheiro de Vasconcelos, integrante da banca que a aprovou no Itamaraty. Logo após o casamento, seu marido foi indicado para a representação brasileira na Alemanha e Maria José solicitou licença no Ministério para acompanhá-lo. Um ano depois, retornaram ao Brasil, onde viveram por mais 10 anos e tiveram cinco filhos; um deles, Guy, seguiu a carreira diplomática.”

A obra também revela que Maria José, em 1921, revelou que apenas continuaria trabalhando se fosse necessário à sua família. Tal demonstra a complexidade da diplomata, que não apenas foi academicamente brilhante, como também seguia seu coração, buscando sempre passar tempo de qualidade com sua família.

Ainda que sua motivação fosse promover uma vida confortável à sua família, sua trajetória profissional tem produzido impactos positivos em toda a sociedade. A exemplo, a diplomata é reconhecida por mulheres desde aquela época até hoje, em função de suas conquistas contra o patriarcado. Desta forma, seu pioneirismo vem inspirando diversas mulheres a seguirem suas próprias trajetórias profissionais, bem como a se manterem unidas durante o percurso. E em função do ano de sua aprovação, 1918, Maria José foi uma das primeiras diplomatas da história, fato notável que nos faz refletir sobre o patriarcado e seus efeitos negativos na história.

Maria José faleceu em 29 de outubro de 1936, no Rio de Janeiro. A diplomata foi aposentada em invalidez em 1934 em função de diversos quadros de saúde que impediam a continuidade do exercício de suas funções. Sua família saiu da Bélgica para o Rio de Janeiro a fim de buscar tratamento médico na cidade, e Maria José faleceu pouco tempo após chegar no Brasil. Em homenagem ao centenário de sua admissão no Ministério das Relações Exteriores, o Anexo I do Palácio do Itamaraty foi rebatizado de Maria José de Castro Rebello, em 2018. Similarmente, sua vida e sua contribuição à sociedade mundial têm sido cada vez mais objeto de estudos acadêmicos. E fato é que a sociedade merece conhecer a trajetória de Maria José, seja para contemplarmos seu pioneirismo, seja para combatermos o patriarcado que esconde as histórias de mulheres formidáveis como Maria.

Texto Adaptado do verbete contido no Dicionário Mulheres do Brasil por: Emilson Gomes Junior e Schuma Schumaher.

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REFERÊNCIAS

  • Produções acadêmicas:

SCHUMAHER, Schuma; VITAL BRAZIL, Érico. Dicionário Mulheres do Brasil, de 1500 até a atualidade: biográfico e ilustrado. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2000

FRIAÇA, Guilherme José Roeder. Mulheres diplomatas no Itamaraty (1918-2011). Brasília: FUNAG, 2018. Disponível em: MIOLO_MULHERES_DIPLOMATAS_FINAL_24_07.indd (funag.gov.br)

CAPRARO, Jaqueline. A inserção das mulheres na diplomacia brasileira através de Maria José de Castro Rebello Mendes. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2020. Disponível em: A insercao das mulheres na diplomacia brasileira atraves de Maria Jose de Castro Rebello Mendes.pdf (ufsc.br) 

MAQUINÉ, Diana Maria Gomes; RAMOS, Tereza de Sousa. A diplomata Maria Jose de Castro Rebello Mendes e o papel político representativo da mulher. Centro Universitário do Norte: Manaus, 2018. Disponível em: artigo-dd46851169f44f5c6779e35c02e776be4932bd95-arquivo.pdf (doity.com.br).

BERNARDES, Maria Elena. Tensões e desafios do feminino nos consagrados espaços masculinos. Mundos de Mulheres & Fazendo Gênero. Universidade Federal de Santa Catarina.  2013. Disponível em: Microsoft Word – 1373031798_ARQUIVO_artigoMariaElenaBernardes-FazendoGenero2013.doc (dype.com.br)

ALMEIDA, Paulo Roberto de. Anexo I do Itamaraty rebatizado: Maria José de Castro Rebello Mendes. Diplomatizzando. 2018. Disponível em: Diplomatizzando: Anexo I do Itamaraty rebatizado: Maria José de Castro Rebello Mendes

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