• Marielle Franco (1979 – 14 de março de 2018)

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12 de setembro de 2023 por 

Socióloga, vereadora e ativista política, mulher negra, cria da Maré.

Marielle Franco foi uma das mais notáveis políticas da história brasileira. Mulher, negra, nascida no Complexo da Maré, Rio de Janeiro, em 27 de julho de 1979. Na sua comunidade, período em que cursava o vestibular comunitário, viveu a perda de uma grande amiga, vítima de bala perdida num confronto entre policiais e traficantes. Tal fato impulsionou ainda mais sua militância na defesa dos direitos humanos.

Além da sua atuação profissional na Brasil Foundation, no Centro de Ações Solidárias da Maré, coordenou a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), integrava o coletivo feminista #partidA, ademais de apoiar e incentivar outros coletivos de mulheres negras e lésbicas. A cria da Maré, como gostava de se apresentar, nunca abandonou sua origem e nem a luta por justiça, tornou-se mãe e passou a sentir no corpo a responsabilidade de ser mulher e mãe nessa sociedade machista onde a sobrecarga do cuidado materno acaba recaindo sobre as mulheres. 

Nas eleições de 2016, foi eleita vereadora da Câmara do Rio de Janeiro com 46.502 votos para a legislatura de 2017-2020, através do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), a quinta maior votação do estado. Formada em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), se tornou mestre através da Universidade Federal Fluminense com a obra “UPP – A Redução da Favela a Três Letras: Uma análise da Política de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro”, em 2014, sob a orientação da Profª. Drª. Joana D’Arc Fernandes Ferraz.

Durante seu mandato, Marielle se tornou Presidente da Comissão de Defesa da Mulher. Segundo dados levantados do Relatório da Comissão, referente ao período 2017-2018, a atuação de Marielle Franco e sua equipe foi chave para enfrentar diversas realidades cariocas de violência. Mencionamos alguns feitos extraordinários, conforme pontuado por Lola Ferreira “O ano de Marielle Franco na presidência da Comissão da Mulher no Rio de Janeiro”, da página virtual Gênero e Número: assistência jurídica e psicológica a uma vítima de calúnia e difamação, acusada em roubo dentro de uma loja em Madureira em maio de 2017; realização de 45 atendimentos, dos quais 50% se relacionam com violência física à mulher, assédio na rua e assédio no ambiente de trabalho; promoção de uma audiência pública sobre Mortalidade Materna em maio de 2017, com a presença de ao menos 100 instituições e organizações da sociedade civil, resultando no grupo de trabalho sobre direitos e saúde da mulher, com foco na redução da mortalidade materna, bem como na discussão e elaboração do PL 265/2017, convertido na Lei nº. 6.282/17, prevendo um programa para criação de mais casas de parto na cidade do Rio de Janeiro; realização de visitas periódicas a maternidade no município para fiscalização; promoção do evento “Ocupa Direitos Humanos” no morro do Salgueiro, em conjunto com a Comissão de Direitos Humanos da Alerj, visando a orientação e o atendimento de moradores em relação a garantia de direitos; e criação e distribuição de cartazes de conscientização sobre os direitos das vítimas de violência, expostos em unidades de saúde da cidade, bem como de 250 mil leques para a campanha “Não é não”, de conscientização contra o assédio nas ruas durante o Carnaval carioca.

Na Sessão Plenária, no dia 08 de março de 2018 – Dia Internacional das Mulheres, Marielle ocupa a Tribuna da Câmara de Vereadores para um pronunciamento – considerado o último – onde traça um panorama das inúmeras dificuldades vividas pelas mulheres “(…) O embate para quem vem da favela, nós somos violadas e violentadas há muito tempo e muitos momentos. Nesse período, por exemplo, onde a intervenção federal se concretiza na intervenção militar, eu quero saber como ficam as mães e familiares das crianças revistadas. Como ficam as médicas que não podem trabalhar nos postos de saúde. Como ficam as mulheres que não têm acesso à cidade? Essas mulheres são muitas. São mulheres negras; mulheres lésbicas; mulheres trans; mulheres camponesas; mulheres que constroem essa cidade, onde diversos relatórios – queiram os senhores ou não- apresentam a centralidade e a força dessas mulheres, mas apresentam também os números que o (The) Intercept publicou do dossiê de lesbocídio que, no ano de 2017, houve uma lésbica assassinada por semana (…)” 

Sua condição de mulher, negra, favelada e bissexual levo-a a criticar o sistema patriarcal, racista e heteronormativo imposto às mulheres, questionando especialmente as barreiras e preconceitos contra as mulheres que ousam amar outras mulheres e assumindo publicamente seu relacionamento lesboafetivo com a arquiteta Mônica Benício com quem partilhou diferentes momentos de sua vida.

Ao voltar de um evento na Casa das Pretas, em 14 de março de 2018, Marielle Franco sofreu um atentado com 13 tiros que atingiram o veículo, levando à sua morte e a de Anderson Pedro Gomes, motorista. A investigação do assassinato foi concluída em 2024, pela Polícia Federal, que identificou os mandantes e executores do crime. O ex-PM Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz foram apontados como os executores, enquanto Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, e seu irmão Chiquinho Brazão, deputado federal, foram identificados como mandantes. O crime foi motivado por disputas políticas e envolvimento com milícias, particularmente relacionadas à regularização de ocupações clandestinas, que Marielle Franco se opunha. A delação premiada de Lessa foi fundamental para a conclusão do caso, fornecendo provas cruciais. O relatório final da PF também revelou que o delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, tentou obstruir as investigações para proteger os envolvidos​. O envolvimento deste último no crime deixou os familiares e pessoas próximas à Marielle Franco perplexas, pois era considerado por ela mesma como uma pessoa de confiança.

O assassinato esteve relacionado com atuação política de Marielle Franco, executada como tantas outras mulheres negras na busca pela manutenção das estruturas racistas e misóginas da sociedade. Neste sentido, conforme ensinam Carine Ortiz Fortes, Taina Valente Amaro e Marcel Amaral em “Marielle Franco: análise da necropolítica e dos processos de extermínios no Brasil”: “Não trazemos quaisquer dúvidas de que, essa execução é um reflexo do receio e da tentativa de acabar com o movimento gerado por uma mulher negra e lésbica e contemplar um processo histórico de aniquilamento. Em contrapartida: Marielle e Anderson tornam-se onipresentes; são nomes e figuras que atravessam oceanos, expressam coragem, indagam justiça; e revelam a crueldade e a brutalidade do sistema necropolítico num processo atemporal de ‘extermínio à brasileira’”.

Em resposta à execução de Marielle e Anderson, o Instituto Marielle Franco foi criado por sua família. O objetivo do Instituto é realizar ações e transformar vidas através da conscientização da desigualdade social brasileira, do combate à vulnerabilidade social e da luta pela vida de mulheres negras, cis e trans, que exerçam atividades políticas. Dessa forma, buscam justiça a Marielle e a todas as outras mulheres negras silenciadas pela brutalidade. Similarmente, garantem que novas políticas possam exercer seus trabalhos transformadores sem terem suas vidas interrompidas. Conforme muitas mulheres inspiradas em Marielle Franco diriam, seu legado é ter se tornado sementes. De fato, sua luta não foi esquecida, e sua obra continua a crescer, seja pela mandata da vereadora Mônica Benício, seja pelo Instituto que leva seu nome, criado e gerido por sua família, seja pela nomeação de sua irmã, Anielle Franco, para o cargo de Ministra da Igualdade Racial no terceiro mandato do Presidente Lula, seja pelos movimentos de mulheres que seguem admirando-a e advogando por justiça.

No dia 14 de março de 2021, Eduardo Paes inaugurou uma placa em homenagem a Marielle Franco, em frente à Câmara dos Vereadores. Segundo a página virtual da Prefeitura do Rio: “A iniciativa, no dia em que o assassinato da vereadora e do motorista Anderson Gomes completa três anos, lembra sua luta contra a desigualdade e pelos direitos das mulheres, do povo preto, da favela, da população LGBTQI+ e das pessoas que vivem qualquer forma de opressão.”

Em 21 de setembro de 2019 foi inaugurado, em Paris, um jardim suspenso com o nome de Marielle Franco. Localizado junto à Gare l’Est, uma das principais estações de trem da cidade, o jardim conta com 2,6 mil m2 e tem cerca de 70 árvores. A homenagem foi aprovada por unanimidade pela Câmara Municipal de Paris, que permitiu a implantação do espaço no terraço do hotel ao longo da linha férrea parisiense.

O legado de Marielle Franco ainda está por ser completamente dimensionado para a política feminista antirracista no Brasil e no mundo. Sua presença e memória vibram intensamente, como uma pedra que cai em um rio e reverbera infinitamente. Sua luta por direitos humanos, igualdade de gênero e justiça social ressoa não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, inspirando mudanças e promovendo um futuro mais justo e igualitário. Seu impacto nas políticas feministas e antirracistas é um testemunho duradouro de sua coragem e dedicação. Marielle Franco, presente!

Elaborado por: Emilson Gomes Junior, Schuma Schumaher e Ana Laura Becker.

Palavras-Chave/TAG: #mulhernegra #mulheslésbica #política #Vereadora #mariellefranco #igualdaderacial #justiçapormarielleeanderson

REFERÊNCIAS

  • Produções acadêmicas:

FORTES, Carine Ortiz; AMARO, Taina Valente; AMARAL, Marcel. MARIELLE FRANCO: análise da necropolítica e dos processos de extermínios no Brasil. Revista de Ciências Humanas. Universidade de Taubaté. 2020.

FERREIRA, Lola. O ano de Marielle Franco na presidência da Comissão da Mulher do Rio de Janeiro. Gênero e Número. 2018. Disponível em: O ano de Marielle Franco na presidência da Comissão da Mulher do Rio de Janeiro – Gênero e Número (generonumero.media)

  • Sites:

Prefeitura do Rio de Janeiro. Prefeitura inaugura placa em homenagem a Marielle Franco nos três anos de sua morte. 2021. Disponível em: Prefeitura inaugura placa em homenagem a Marielle Franco nos três anos de sua morte – Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro – prefeitura.rio

Relatório da Comissão de Defesa da Mulher. Câmara Municipal do Rio de Janeiro 2017 – 2018. Disponível em: Comissão da Mulher – Mandato Marielle Franco

Instituto Marielle Franco. Quem é Marielle Franco? Disponível em: Quem é Marielle Franco? (institutomariellefranco.org)

G1. Jardim em homenagem a Marielle Franco é inaugurado em Paris. 2019. Disponível em: Jardim em homenagem a Marielle Franco é inaugurado em Paris | Mundo | G1 (globo.com)

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