Atleta olímpica.
Melânia Luz foi uma estrela do atletismo brasileiro que, dentre outros feitos, foi a primeira mulher negra a competir nos Jogos Olímpicos pela delegação brasileira. Consta da certidão de nascimento que ela nasceu em São Paulo, no Bairro do Bom Retiro, em 01 de junho de 1928, filha de João Batista da Luz e Maria Aparecida da Luz. No entanto, em entrevista concedida à Schuma Schumaher, em 2015, para o livro Mulheres Negras do Brasil, ela contou que nasceu 15 dias antes, ou seja, em 17 de maio, mas só foi registrada duas semanas depois. Além de sua carreira brilhante, Melânia tornou-se mãe de Maria Hemília, fruto de seu casamento com Waldemir Osório dos Santos, então atleta do Vasco da Gama. Seu casamento durou 29 anos.
Na adolescência e vivendo nas proximidades do centro de treinamento do São Paulo Futebol Clube, passou a se interessar por esporte e consequentemente torcer pelo clube paulista, incentivada pelo seu pai, um fanático torcedor são-paulino. Mas seu coração e desejo penderam para o atletismo e, ainda jovem, passou a fazer parte do quadro do clube.
Melânia participou das Olimpíadas de Londres, em 1948, aos 20 anos, correndo os 200 metros. Sendo uma jovem mulher negra dedicando-se ao atletismo na década de 1940, Melânia enfrentou o racismo e a misoginia do seu tempo, triunfando sobre as violências estruturais do Brasil.
Melânia teria atuado, entre os anos 1940 e 1950, como corredora e saltadora, através das delegações do São Paulo Futebol Clube, do Clube de Regatas Tietê, Clube Esperia e da Seleção Olímpica Brasileira. No entanto, reflexo do racismo, do machismo e do classismo da época, Melânia não recebeu o devido reconhecimento por seus feitos, especialmente em função de sua qualidade técnica. Ao refletir sobre a carreira de Melânia e o esporte no Brasil do século XX, Neilton de Sousa Ferreira Júnior enfatizou que o voluntarismo, a abnegação e o talento eram os fatores que separavam os atletas de alto nível dos demais. Nesse contexto, Melânia destacou-se como uma das melhores velocistas e saltadoras de sua geração, mérito conquistado por meio de treinamento intenso e do incentivo de seu treinador alemão, Dietrich Gerner. “Eu fazia de tudo um pouco. Eu era muito boa”, afirma Melânia, que só não participou de sua segunda edição olímpica devido à necessidade de trabalhar para se sustentar.
Schuma Schumaher e Érico Vital Brazil, em Mulheres Negras do Brasil, apresentam diversas fotos de Melânia, bem como refletem sobre sua trajetória no contexto histórico brasileiro: “Dos espaços comumente reservados ao feminino pela sociedade até os pódios olímpicos foi um longo e peculiar trajeto. Para as afrodescendentes esse percurso tem início em 1948, nos jogos de Londres, com a velocista Melânia Luz, primeira atleta negra do Brasil a participar de uma Olimpíada. Recordista brasileira e sul-americana dos 100 e 200 metros, foi também a primeira mulher a pertencer ao quadro de atletismo do São Paulo Futebol Clube”.
Em novembro de 2020, a Confederação Brasileira de Atletismo publicou a matéria A pioneira Melânia Luz e força dos negros no esporte. O artigo expõe sua participação nas Olimpíadas de Verão de 1948, tendo sido a quarta colocada nos 200 metros, com o tempo de 26.6. Ainda, quebrou o recorde sul-americano na prova do revezamento 4×100. No entanto, sua equipe não se classificou para a prova final do revezamento. Digno de nota que Melânia Luz, Benedicta Souza Oliveira, Elizabeth Clara Muller e Lucila Pini foi o primeiro quarteto brasileiro feminino de revezamento em Jogos Olímpicos.
Às vésperas dos Jogos de Londres, conquistou o vice-campeonato na prova de revezamento 4×100 e dos 200 metros rasos, bem como a terceira melhor colocação na prova dos 100 metros rasos em Torneiro Sul-Americano, realizado no Rio de Janeiro. Em 1950, sagrava-se campeã sul-americana no revezamento 4×100, vice-campeã dos 200 metros rasos e terceira mais bem colocada nos 100 metros rasos em torneio Sul-Americano realizado em Lima, no Peru. Melânia deixaria o esporte de alto rendimento antes dos vinte e cinco anos de idade. Mas seguiu competindo como veterana, categoria na qual continuou acumulando títulos, recordes nacionais e internacionais. Em 1998, ela se despediu das pistas por definitivo, quando completava setenta anos de idade.
Conforme exposto por Neilton em obra supracitada, Melânia relacionava sua trajetória no atletismo profissional com seus sentimentos patrióticos, bem como instrumentalizava o esporte enquanto ferramenta para transformação social positiva em favor da população negra no esporte. Neste sentido, Neilton destacou: “Ainda atleta do São Paulo, estreitou laços de amizade com as velocistas e saltadoras negras, Deise Jurdelina de Castro, Odette Domingos e Wanda dos Santos, além do pugilista Vicente dos Santos. Na companhia de Wanda, disputou competições nacionais e internacionais de atletismo na categoria veteranas. Também estreitou laços com Adhemar Ferreira da Silva e Elza, esposa de Adhemar. Elza era organizadora de uma rede de apoio de mulheres negras, da qual Melânia foi integrante. Os encontros do grupo eram dedicados à discussão sobre questões do cotidiano, troca de conhecimentos apoio mútuo frente as dificuldades e angústias que iam sendo compartilhadas. Essa experiência adensaria ainda mais a consciência racial de Melânia, que acreditava na necessidade de unidade entre os negros”.
Melânia faleceu em 21 de junho de 2016, aos 88 anos. Com exceção dos sintomas de Alzheimer que Melânia apresentava desde 2007, a ex-atleta apresentou boa saúde durante toda a sua vida. Com a morte da atleta, grande parte da memória do esporte nacional também se perdeu. Nesse contexto, é importante ressaltar que não houve manifestações em memória de Melânia por parte dos clubes nos quais a pioneira atuou. A falta de atenção das organizações esportivas – reflexo do racismo, da misoginia e do classismo no esporte brasileiro – ficou evidente quando tanto o Comitê Olímpico Brasileiro quanto a Confederação Brasileira de Atletismo se deram conta posteriormente de que quase não possuem registros sobre a atleta.
Felizmente, hoje é possível aprender com Melânia Luz e outras atletas brasileiras a partir do documentário Mulheres Olímpicas, dirigido e roteirizado por Laíz Bodanzk. Produzido pela Buriti Filmes e coproduzido pela ESPN, que faz parte do projeto Memória do Esporte Olímpico, mostrando como a história da mulher no esporte e a história de todas as mulheres são inseparáveis. O documentário nos relembra que Melânia e suas companheiras fizeram história nos Jogos Olímpicos de Londres, bem como em todas as suas trajetórias dentro e fora do esporte. Neste cenário, que possamos manter vivas as suas memórias, fazendo justiça às pioneiras do atletismo no Brasil e do mundo.
Palavras-Chave/TAG: #esporte #atletismo #jogosolímpicos #racismo #desigualdadesocial
Texto Adaptado do verbete contido no Mulheres Negras do Brasil por: Emilson Gomes Junior e Schuma Schumaher.
REFERÊNCIAS
- Produções acadêmicas:
FARIAS, Cláudia Maria de. Os Jogos Femininos e a experiência liberal-democrática no Brasil (1946-1964). Anais do XXVI ANPUH – Simpósio Nacional de História: São Paulo, 2011. Disponível em: 1297793758_ARQUIVO_textoANPUHSP2011.pdf
JÚNIOR, Neilton de Sousa Ferreira. Olimpismo negro: uma antologia das resistências ao racismo no esporte, por atletas olímpicos brasileiro. USP – Universidade de São Paulo: São Paulo, 2021.
OLIVEIRA, Gabriela Aragão Souza de; COSTA, Juliana Santos. Atletismo feminino nos Jogos Olímpicos. Atlas do Esporte no Brasil. CONEF – Conselho Federal de Educação Física, Organizado por Lamartine Da Costa: Rio de Janeiro, 2006. Disponível em: Arquivo 8 – Esportes olímpicos 1ª parte.pmd (atlasesportebrasil.org.br)
SCHUMAHER, Schuma; VITAL BRASIL, Érico. Mulheres Negras do Brasil. Senac Editora: Rio de Janeiro, 2006. Disponível em:Mulheres Negras do Brasil 9788574582252 – DOKUMEN.PUB
- Sites:
Buriti Filmes. Mulheres Olímpicas. Ficha Técnica. Disponível em: Buriti Filmes – MULHERES OLÍMPICAS
Confederação Brasileira de Atletismo. A pioneira Melânia Luz e força dos negros no esporte. Assessoria de Comunicação. São Paulo. 2020. Disponível em: CBAt – Confederação Brasileira de Atletismo
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