Jornalista, educadora, escritora e primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras.
Nélida Piñon foi uma brilhante intelectual brasileira, nascida no Rio de Janeiro, em 03 de maio de 1937, filha dos imigrantes espanhóis Olívia Cuiñas Piñon e Lino Piñon Miños, radicados no Brasil desde a década de 1920. Schuma Schumaher e Érico Vital Brazil em Dicionário Mulheres do Brasil revelam que a família se mudou para a região da Galícia, Espanha, quando Nélida tinha 10 anos, lá permanecendo por 2 anos. Na entrevista “Nenhum enigma nos protege da nossa própria brutalidade afetiva”, realizada por Luis Eduardo Matta com a escritora carioca, Nélida compartilha sobre como a experiência internacional e multiétnica positivamente impactou sua trajetória: “Foi extraordinário, porque eu convivia com duas realidades. As pessoas, normalmente, convivem com os limites da sua casa. É difícil transbordar, passar para outros estágios dentro da sua própria casa. Então, eu convivia com comidas brasileiras e, ao mesmo tempo, comia polvo que chegava da Europa. Desde pequena escutava falarem da Galícia como uma terra que fatalmente eu iria conhecer; havia territórios fora do Brasil que eu teria obrigação de conhecer. Portanto, arrastava na minha sensibilidade, na minha imaginação e no meu imaginário, não só a Galícia, mas a Espanha, a Europa, e isso me levou muito cedo a entender os gregos, que são a minha paixão, os romanos, os hebreus, eu cruzava sempre todos os séculos e adorava saber como estavam os gregos no Século VIII a.C., como era o Oriente Médio neste mesmo período… Isso fez com que eu não aceitasse mais limites, me deu uma liberdade extraordinária. Um dos méritos do escritor, afinal, é reivindicar a liberdade no texto e no pensamento. E me deu também o sentimento de línguas porque vi como eu era antiga. Essa foi uma das maiores conquistas de ser filha da imigração. Daí um raciocínio que faço muito: para você ser moderna, você tem que ser arcaica, você tem que ter frequentado as Argólidas gregas, por exemplo, você deve ter convivido com Agamenon. Por isso que Homero é uma pessoa que eu amo.”
Nélida se formou em jornalismo pela PUC-RJ – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. A intelectual fez estágio no jornal O Globo, posteriormente lecionando na Faculdade de Letras da UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Inclusive, foi na UFRJ que Nélida Piñon inaugurou a disciplina de criação literária. Jovem, fez sua primeira publicação: trata-se do romance Guia-mapa de Gabriel Arcanjo, publicado em 1961. Schuma e Érico relembram outras obras da pensadora: (i) Madeira feita cruz, de 1963; (ii) Fundador, de 1969; (iii) A força do destino, de 1978; e (iv) A República dos sonhos, de 1984 – esta última sendo o maior sucesso da escritora. Várias obras escritas por Nélida – pertencente ao movimento que, depois de Guimarães Rosa, se orientou pela renovação formal da prosa, mas distinguindo-se pela tendência psicológica e existencialista – foram traduzidas em outros países. Seu ensaio sobre a criação literária, O ritual da arte (1998), está entre os mais importantes sobre teoria literária. Inúmeras vezes premiada, pertence ao PEN Clube Internacional e Instituto Brasileiro de Cultura Hispânica.
Enquanto jornalista, Schuma e Érico relembram que Nélida foi correspondente da revista Mundo Nuevo, editora assistente da revista Cadernos Brasileiros e membro de inúmeros consultivos, como o da revista Tempo Brasileiro, entre 1976 e 1993. Sua contribuição para a intelectualidade brasileira inclusive a levou a presidir a Associação de Amigos da Casa de Cultura Laura Alvim. Já em 1991, Nélida assumiu a cátedra na Universidade de Miami, ministrando o curso de literatura comparada para alunos da pós-graduação. O processo seletivo, que teve início em 1990, contou com 80 participantes, e Nélida figurou entre os 5 finalistas. Pela Universidade de Miami, Nélida também participou de inúmeros debates, encontros e palestras.
Sobre os temas que abordava em suas obras, destaca-se a reflexão diante da realidade, perspectiva inovadora. Neste sentido, citamos Maria Miquelina Barra Rocha em A república dos sonhos, de Nélida Piñon: o resgate da identidade do narrador. Refletindo sobre a obra mais famosa da nossa querida carioca, Maria descreve: “O século XX é apresentado no romance como o símbolo do abandono dos deuses pelo homem. Madruga encarna e presentifica esse homem. […] Através da personagem Madruga, a autora quer mostrar o engodo de um tempo que engolirá o ser humano pouco a pouco se ele não se der conta que só encontrará a plenitude no retorno às origens, que estão distantes e próximas ao mesmo tempo. Por mais paradoxal que possa parecer, a distância do tempo e do espaço pode fazer sua junção no hoje. Caberá somente a ele, ser humano, ir ao encontro de si mesmo, plenificando-se no que ele é.”
Além de discutir a realidade de forma geral sob a perspectiva moderna – além de única, que apenas Nélida poderia nos proporcionar –, a autora se debruçou sobre a realidade da mulher de sua época. A exemplo, citamos Ana Carolina Camilo de Almeida em Representação feminina em A Casa da Paixão, de Nélida Piñon: “A história de A Casa da Paixão se centra em uma jovem que busca descobrir e libertar o seu corpo e sua sexualidade em meio a uma sociedade patriarcal conservadora. No entanto, o apelo erótico diferencia este romance dos demais, pois mostra uma jovem cuja sexualidade emana do corpo e que busca a liberdade sexual, mesmo estando inserida em uma sociedade tradicional. De acordo com Hoki Moniz (2009), Nélida Piñon procura com este romance romper com os valores tradicionais, por meio de uma linguagem peculiar, carregada de expressões que buscam revelar a intimidade do universo feminino no que tange à sexualidade. O romance traz, portanto, uma linguagem que expressa o interior feminino numa sociedade que compreendia o papel da mulher enquanto senhora do lar e responsável pelos cuidados com a família.”
Outro tema abordado por Nélida é a reflexão sobre a tradição oral e a cultura da memória, conforme exposto pela página Trechos em sua publicação Livro ‘Um dia chegarei a Sagres’ por Nélida Piñon, sobre obra publicada em 2020. Esta foi a primeira obra inédita de Nélida após o premiado Vozes do deserto, de 2004. Por fim, importa lembrarmos de Coração andarilho, que aborda temas como a morte e a mulheridade. Neste sentido, Camila Canalo Doval nos ensina sobre a obra, em sua análise publicada na revista Navegações: “A escritora não se dirige ao tema do feminismo em especial, mas levando-se em consideração a época de sua juventude (Nélida é de 1937), podemos vislumbrar que a afirmativa acima é conclusão de uma vida inteira digladiando por um espaço no céu literário, numa sociedade em que a criação artística foi desde sempre privilégio masculino. Suas memórias não trazem um ranço sobre o machismo, como muitos denominariam, que nos leve a pensar nas agruras de uma mulher buscando seu lugar ao sol. Apesar de conhecermos o prestígio de Nélida no mundo literário, hoje maior do que o da maioria dos escritores brasileiros homens, ela aqui e ali abre um parêntese para declarar que não foi fácil, e que a questão do gênero esteve, sim, presente na sua trajetória. Ao retomar o passado, ela sustenta a pergunta: ‘Enquanto indago por que as lides da casa, impostas às mulheres, devem me causar mossa? Por que este destino feminino, sempre ingrato e injusto, quer aprisionar a minha imaginação feroz?’”
De acordo com informações disponibilizadas pela Academia Brasileira de Letras, Nélida Piñon foi a quinta ocupante da Cadeira 30, eleita em 27 de julho de 1989. Tornou-se a primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras, justamente no centenário da instituição. Sua presidência ocorreu entre 1996 e 1997. Um ano antes, Nélida recebeu o importante prêmio internacional o Juan Rulfo e, em 2005, o Príncipe de Astúrias.
Nélida Piñon faleceu em 17 de dezembro de 2022, em Lisboa, Portugal. Ela estava internada por conta de complicações nas vias biliares. Infelizmente, depois das várias manifestações comovidas com a partida de Nélida, uma reportagem do G1, tratou de focar na “excepcionalidade” do seu testamento, onde a mesma deixou parte de sua herança milionária aos seus dois cães de estimação. A jornalista Flavia Cirino informa ainda que Nélida esteve à beira da depressão vivenciando o luto pela perda de Gravetinho, seu Pinscher, aos 11 anos de idade, vítima de pneumonia, em 2018. Por pouco esse fato não se tornou maior que sua obra ao longa da vida.
Palavras-Chave/TAG: #feminismo #jornalismo #poesia #educação #literatura #poesia
Texto Adaptado no verbete contido no Dicionário Mulheres do Brasil por: Emilson Gomes Junior e Schuma Schumaher.
REFERÊNCIAS:
- Produções acadêmicas:
ALMEIDA, Ana Carolina Camilo de. Representação feminina em A Casa da Paixão, de Nélida Piñon. UFG – Universidade Federal de Goiás, Regional Catalão, Unidade Acadêmica de Letras e Linguística: Catalão, 2014. Disponível em: Ana_Carolina_Camilo_de_Almeida.pdf (ufg.br). Acesso em 19 fev 2023.
DOVAL, Camila Canali. PIÑON, Nélida. Coração andarilho. Rio de Janeiro: Record, 2009. 347 p. Navegações, v. 4, n. 2, p. 252-254: Porto Alegre, julho a dezembro de 2011. Disponível em: PIÑON, Nélida. Coração andarilho. Rio de Janeiro: Record, 2009. 347 p. | Navegações (pucrs.br). Acesso em 19 fev 2023.
ROCHA, Maria Miquelina Barra. A república dos sonhos, de Nélida Piñon: o resgate da identidade do narrador. PUC-MG – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de Graduação em Letras: Belo Horizonte, 2007. Disponível em: ( PDF ) A república dos sonhos, de Nélida Piñon: o resgate da identidade do narrador (livrosgratis.com.br). Acesso em 19 fev 2023.
SCHUMAHER, Schuma; VITAL, Érico. Dicionário Mulheres do Brasil, de 1500 até a atualidade: biográfico e ilustrado. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
- Sites:
ABL – Academia Brasileira de Letras. Nélida Piñon. Rio de Janeiro. Disponível em: Nélida Piñon | Academia Brasileira de Letras. Acesso em 19 fev 2023.
BRITO, Carlos. Corpo da escritora Nélida Piñon é enterrado no RJ. G1: Rio de Janeiro, 29 de dezembro de 2022. Disponível em: Corpo da escritora Nélida Piñon é enterrado no RJ | Rio de Janeiro | G1 (globo.com). Acesso em 19 fev 2023.
CIRINO, Flavia. Saiba para quem fica a herança milionária de Nélida Piñon. O Fuxico: 21 de dezembro de 2022. Disponível em: Nélida Piñon deixa herança milionária e surpreende com beneficiários (ofuxico.com.br). Acesso em 19 fev 2023.
MATTA, Luis Eduardo. “Nenhum enigma nos protege da nossa própria brutalidade afetiva”. Biblioteca Pública do Paraná: Curitiba. Disponível em: Entrevista | Nélida Piñon | Biblioteca Pública do Paraná (bpp.pr.gov.br). Acesso em 19 fev 2023.
Trechos. Livro ‘Um dia chegarei a Sagres’ por Nélida Piñon. Literatura & Ficção Literatura Estrangeira. Disponível em: Leia online PDF de ‘Um dia chegarei a Sagres’ por Nélida Piñon (trechos.org). Acesso em 19 fev 2023.
FOTOGRAFIA
© Reprodução da Internet