Física, Escritora, Editora, Patrona do Feminismo no Brasil.
Rose Marie Gebara nasceu em 1930, na cidade do Rio de Janeiro, tempo em que o controle, a vigilância, os julgamentos e as regras impostas por uma hegemônica e opressora sociedade patriarcal regulavam e definiam o universo feminino. Formou-se em Física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, mas nunca exerceu a profissão. O sobrenome Muraro foi acrescentado ao seu nome quando se casou com Aldo Muraro, com quem teve cinco filhos.
O feminismo entrou em sua vida quando, ao estudar física, Rose começou a refletir sobre a tecnologia e qual seria o papel das mulheres para humanizá-la. Por meio de seus escritos, de seu ativismo e de sua sensibilidade, a pensadora contribuiu de maneira ímpar com a sociedade brasileira e com o feminismo, ultrapassando barreiras que pareciam intransponíveis.
As barreiras impostas às mulheres eram muitas, mas não as únicas dificuldades que a menina nascida em “berço de ouro” precisou enfrentar em sua vida. A mulher que passou a maior parte da vida “dando a cara à tapa”, apenas aos 66 anos, após uma cirurgia, superou parcialmente a deficiência visual que a acompanhou desde o nascimento. Foi aí, dizia ela, que conheceu finalmente o próprio rosto. E se achou linda!
Uma das mais importantes escritoras e editoras do Brasil, iniciou sua prática desde muito jovem, escrevendo para jornais estudantis. Escreveu mais de 40 livros e, como editora, publicou mais de mil livros. O legado de sua obra e sua contribuição intelectual para o Brasil foram imensos.
Iniciou sua carreira de escritora ainda jovem, trabalhando com jornais estudantis. Mais tarde, em 1960, começou a trabalhar para a União Católica de Imprensa, na Conferência Nacional de Bispos do Brasil. Logo em seguida, em 1961, foi para a Editora Vozes de Petrópolis, como responsável pela organização do catálogo de livros nacionais. Influente e articulada, integrante de diversas redes de ativismo de sua geração, estava conectada com os setores progressistas da Igreja Católica e, em conjunto com Leonardo Boff, foi responsável pela publicação de inúmeras obras sobre cristianismo progressista, em pleno regime militar.
Após alguns anos de sua carreira editorial, entre 1965 e 1967, a carioca fundou e geriu a Editora Forense Universitária. Após empreender no mercado editorial, decidiu aceitar o convite da Fundação Getúlio Vargas, tornando-se diretora da instituição em 1968. À época, inclusive, publicou Automação e o futuro do homem, livro de vanguarda. Em 1969, Rose Marie Muraro assumiu o cargo de editora-chefe da Editora Vozes de Petrópolis.
Em 1970, escreveu aquele que é considerado seu primeiro livro numa perspectiva feminista: Libertação sexual da mulher. Escreveu também As mais belas orações de todos os tempos além de As mais belas orações do nosso tempo, este em parceria com frei Raimundo Cintra. Esses livros venderam, até 1997, mais de 200 mil exemplares. Um sucesso editorial explicado pelo conteúdo inovador e ao mesmo tempo explosivo.
Em 1971, Rose Marie Muraro promoveu um evento histórico no país: a vinda de Betty Friedan ao Rio de Janeiro, cuja chegada e permanência no Brasil teve enorme repercussão nacional. Definitivamente, um encontro que consta nos anais da história do feminismo, especialmente a antológica entrevista de Rose sobre os escritos de Betty Friedan no jornal Pasquim, símbolo da resistência ao regime militar. A matéria com Rose Marie politizou e popularizou o debate sobre a condição feminina na sociedade e reacendeu a chama da luta pela igualdade de direitos da mulher no país, apesar da atitude machista dos jornalistas no tratamento da entrevista.
Seguindo sua trajetória pioneira e transformadora, em 1975, Rose tornou-se cofundadora do Centro da Mulher Brasileira (CMB), entidade pioneira da segunda onda feminista no Brasil. Sua autoridade intelectual sobre o assunto foi consolidada com a publicação, em 1983, do livro A sexualidade da mulher brasileira: corpo e classe social no Brasil. Durante seis meses na lista dos mais vendidos, o livro foi tema de mais de 100 reportagens na imprensa nacional. Como represália às suas convicções políticas, Rose Marie Muraro enfrentou acusações por parte dos militares, que rotulavam seus livros de pornográficos em uma clara tentativa de censura. Essa acusação era, sem dúvida, não só lamentável, mas também absurda, considerando que suas obras eram amplamente adotadas em universidades e outros centros acadêmicos. Estes são justamente os ambientes em que Rose Marie passou grande parte de sua vida, contribuindo significativamente para a produção de conhecimento. O reconhecimento acadêmico de seus livros contrasta fortemente com as tentativas de desqualificação por motivações políticas, destacando a incongruência das acusações militares frente ao seu reconhecido mérito intelectual.
Com a criação, em 1985, do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), mecanismo federal responsável pela proposição e monitoramento de políticas públicas para as mulheres, Rose Marie Muraro foi nomeada uma de suas conselheiras. Neste mesmo ano, escreveu, junto com outros teólogos, Sexualidade, libertação e fé: por uma erótica cristã. Entretanto, mesmo após décadas de articulação político-religiosa, a carioca foi expulsa da Editora Vozes de Petrópolis, em 1986, junto com frei Ludovico de Castro e frei Leonardo Boff. A editora teria tomado a decisão de afastar a pensadora e os freis em função de suas posições avançadas sobre política e sexualidade.
Após a injusta expulsão da editora que ajudou a construir por anos, a pensadora continuou seu ofício de livreira. Seguindo sua jornada, em 1986, a empreendedora fundou a editora Espaço e Tempo, na qual trabalhou até 1988. Em 1990, em conjunto com Laura Civita, Neuma Aguiar, Ruth Escobar e a Editora Record fundou a Editora Rosa dos Tempos, primeira editora feminista do Brasil.
Em relação à sua atuação política, Rose Marie Muraro disputou duas vezes, sem sucesso, uma cadeira na Câmara Federal – em 1986, pelo PDT (Partido Democrático Trabalhista), e em 1994, pelo PT (Partido dos Trabalhadores). A experiência de sua primeira candidatura rendeu um livro relatando a dificuldade da atuação das mulheres no espaço político. Intitulado Os seis meses em que fui homem, que foi publicado em 1990 e recentemente relançado, em 2020, pela editora Rosa dos Tempos.
Em 1999, Rose Marie Muraro publicou Memórias de uma mulher impossível, livro no qual, segundo a jornalista Cynara Menezes, em reportagem sobre a obra na Folha de São Paulo, 1999, Rose apresenta um panorama da esquerda no Brasil pré e pós-64, além de “soltar seus demônios”.
No tocante ao enfrentamento à opressão feminina, Rose também publicou, entre outros, A mulher no terceiro milênio (1993), Textos da fogueira (2000), A mulher na construção do futuro (2007). Todos sempre polêmicos e contestadores da moral conservadora.
Em 2009, fundou o Instituto Cultural Rose Marie Muraro (ICRM), onde trabalhou até a piora de seu quadro de saúde. O Instituto fica localizado na Glória, no Rio de Janeiro, e conta com a Biblioteca da Rose Marie Muraro, incluindo todas as suas publicações escritas, assim como publicações que a influenciaram.
Reflexo de seu extenso e valioso trabalho, Rose Marie Muraro recebeu muitas homenagens em vida. Em 1987, a Medalha de Ouro Alvorada (Governo Federal); em 1986, a Medalha Tiradentes (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro); foi indicada nove vezes como A Mulher do Ano; em 1990 e em 1999, foi eleita pela revista Desfile como A Mulher do Século; em 1994, foi eleita a Intelectual do Ano pela União Brasileira de Escritores; em 2001, foi nomeada cidadã honorária de Brasília; em 2004, foi nomeada cidadã honorária de São Paulo; em 2008, ganhou o Prêmio Bertha Lutz; em 2006, foi declarada Patrona do Feminismo Nacional por meio da publicação no Diário Oficial da União da Lei nº 11.261, de 30 de dezembro de 2005, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República Luís Inácio da Silva, no ano seguinte.
Rose Marie Muraro morreu no dia 21 de fevereiro de 2014, vítima de um câncer de medula óssea.
Texto Adaptado do verbete contido no Dicionário Mulheres do Brasil por: Ana Laura Becker de Aguiar, Emilson Gomes Junior e Schuma Schumaher.
Palavras-Chave/TAG: #RoseMarieMuraro #patrona #feminismo #sexualidade #corpo #classesocial #editorafeminista #rosadostempos #pioneira
REFERÊNCIAS
- Produções acadêmicas:
SCHUMAHER, Schuma; VITAL BRAZIL, Érico. Dicionário Mulheres do Brasil, de 1500 até a atualidade: biográfico e ilustrado. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
- Sites:
O legado de Rose Marie Muraro. Rádio Senado, 2021. Disponível em:
O legado de Rose Marie Muraro — Rádio Senado. Acesso em 19 jun 2023.
Rose Marie mostrou que o impossível não é um limite”, diz Leonardo Boff. UOL, 22 de junho de 2014. Disponível em: “Rose Marie mostrou que o impossível não é um limite”, diz Leonardo Boff – 22/06/2014 – UOL Entretenimento. Acesso em 19 jun 2023.