• Tia Ciata (1854-1924)

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12 de setembro de 2023 por 

Líder comunitária, incentivadora do samba, mãe de santo.

Hilária Batista de Almeida ou Tia Ciata, nasceu em Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano, em 14 de janeiro de 1854, no dia de Santo Hilário. Do namoro com Noberto da Rocha Guimarães, em Salvador, nasceu a primeira filha, Isabel. Tia Ciata mudou-se para o Rio de Janeiro com 22 anos, em 1876. Quando chegou na cidade foi morar na antiga rua General Câmara, que se localizava entre a Igreja da Candelária e a Central do Brasil. Tempos depois, transferiu-se para a Rua da Alfândega.

No Rio de Janeiro, casou-se com João Batista da Silva, também migrante baiano com boa situação de vida, que havia frequentado a Escola de Medicina da Bahia (sem terminar o curso), com quem teve 15 filhos. Iniciada no santo ainda na Bahia, Tia Ciata foi Iyá Kékeré (mãe pequena) na casa do pai de santo João Alabá de Omolu, situada no bairro da Saúde, na rua Barão de São Félix. A sua fama e atuação religiosa fez com que Venceslau Brás, presidente do Brasil entre 1914 e 1918, a procurasse para curar um eczema na perna que os médicos tradicionais não conseguiam tratar. Após curado por seguir as recomendações de Tia Ciata de se banhar em ervas para fechar a ferida, o Presidente perguntou se poderia retribuir de alguma forma. Tia Ciata pediu-lhe um emprego para o marido, que foi nomeado para o gabinete do chefe de polícia.

Na obra de Mário de Andrade – Macunaíma – embora seja uma ficção, a representação de Hilária Batista de Almeida reflete a formação, o imaginário e o poder de Tia Ciata. Assim, dizia: “A macumba se rezava lá no Mangue, no zungu de Tia Ciata, feiticeira como não tinha outra, mãe de santo famanada e cantadeira ao violão. (…) Tia Ciata era uma negra velha com um século no sofrimento, javevó e galguincha com a cabeleira branca esparramada feito luz em torno da cabeça pequetita”.

Em sua casa, na Praça Onze, na Pequena África – denominação criada por Heitor dos Prazeres –, Tia Ciata – como uma representante dos padrões de sociabilidade de mulheres negras em diáspora – promovia grandes festas, cultos aos orixás, sambas que duravam dias. As cerimônias religiosas eram frequentemente antecedidas de uma missa cristã. Após, armava-se o samba no quintal da casa.  Tia Ciata  cantava nas rodas de samba. Era partideira e também quituteira. Nessa época, havia grande perseguição às manifestações e às tradições negras em diáspora. Todavia, em razão de sua influência e do cargo do seu marido, as perseguições e batidas da polícia eram praticamente inexistentes. Muitas vezes, a polícia fazia às vezes de segurança nos festejos da casa de Tia Ciata.

Também costurava roupas de baiana e as alugava para os eventos de carnaval – como as festas das associações carnavalescas dos Democráticos, Tenentes e Fenianos – e para os teatros. Sua casa era um espaço de circularidade, sociabilidade e solidariedade, onde as fronteiras entre o público e o privado eram praticamente invisíveis.

Por volta de 1910, seu marido, João Batista, faleceu. Logo após, Tia Ciata mudou-se para a rua Visconde de Itaúna, nos arredores da Praça Onze. Nesse novo espaço, as portas continuavam abertas e grandes figuras da música carioca passaram por lá, como Pixinguinha, Donga, João da Baiana e Heitor dos Prazeres. As festas em sua casa serviam de divulgação para sambas novos, pois o rádio ainda não existia e a casa era acessível por estar localizada no centro da cidade.

No período carnavalesco, a família de Tia Ciata participava dos festejos, saindo nos cortejos do rancho Rosa Branca e do bloco de sujos O Macaco é Outro, criado pelo pessoal da casa de Tia Ciata. Ciata ajudava na realização das comemorações, mas não saía com o cortejo, aguardava de sua casa a passagem deles para saudá-la embaixo de sua janela.

A casa de Tia Ciata é uma referência na história da população negra no Rio de Janeiro, sendo considerada “pequena África”, lugar onde os laços de solidariedade e da cultura negra eram fortalecidos e valorizados. Como não poderia deixar de ser, a casa de Tia Ciata também marcou a história do samba, sendo considerada o “berço do samba”. É lá que teria surgido o primeiro samba gravado com essa designação. A música “Pelo Telefone”, foi cantada como partido alto e por meio de improvisações. Em 1916, Donga teria lhe dado forma definitiva, com letra fixada pelo jornalista Mauro de Almeida, registrada na Biblioteca Nacional e gravada pela Casa Edison. Contudo, a autoria gerou controvérsias entre Donga e Tia Ciata, uma vez que, para ela, a música foi uma criação coletiva. Até hoje, polêmicas em torno da autoria e da datação da obra continuam a existir, pois alguns estudos historiográficos apontam a imprecisão das fontes e falta de indícios para determinar a composição da obra dentro da “Pequena África” e nos quintais de Tia Ciata.

Tia Ciata participava também das festividades da Penha, realizadas nos fins de semana de outubro. As mulheres e crianças partiam de trem da Central do Brasil do Brasil até a Penha para participar das missas. Após a missa, reverenciavam os orixás. Tia Ciata montava sua barraca para vender os quitutes preparados ali mesmo. Os homens chegavam à tarde trazendo os instrumentos de percussão, pandeiro e tamborins. Ao som do samba, era servida, aos freqüentadores da festa e familiares, moqueca de peixe, preparada por Tia Ciata e outras mulheres.

A festa atraía milhares de visitantes, entre portugueses, negros e até mesmo representantes da burguesia, constituindo um local de encontro da comunidade negra com os demais grupos sociais. Nessa festa, eram lançadas diversas músicas que seriam popularizadas no carnaval. A barraca de Tia Ciata era montada todos os anos, até sua morte.

Tia Ciata faleceu em 1924, no Rio de Janeiro.

Palavras-Chave/TAG: #TiaCiata #feminismo #samba #resistência #culturanegra #primeirosamba

Texto Adaptado do verbete contido no Dicionário Mulheres do Brasil por: Ana Laura Becker, Elaine Gomes e Sofia Vieira.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Mário. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. Coleção Literatura Brasileira: Identidades em movimento. UFFS Editora: Santa Catarina, 2008.

MOURA, Roberto. Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro. Coleção Biblioteca Carioca: Rio de Janeiro, 1995.

SCHUMAHER, Schuma; VITAL BRASIL, Érico. Dicionário Mulheres do Brasil, de 1500 até a atualidade: biográfico e ilustrado. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

SCHUMAHER, Schuma: VITAL BRAZIL, Érico V. Mulheres Negras do Brasil. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2008.

WERNECK, Jurema Pinto. O samba segundo as ialodês: mulheres negras e a cultura midiática. 2007. Tese (Doutorado) – Curso de Pós-Graduação em Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, 2007.

  • Sites:

PINHEIRO, Amanda. Mãe de santo, curou presidente… Quem é a misteriosa matriarca do samba? UOL. Disponível em:  Mãe de santo, curou presidente… Quem é a misteriosa matriarca do samba? – 23/09/2021 – UOL Splash. Acesso em 20 jun 2023.

Quem foi Tia Ciata. Casa da Tia Ciata, Biografia. Disponível em: Casa da Tia Ciata – Biografia. Acesso em 20 jun 2023.

Tia Ciata. Portal Geledés. Disponível em:Tia Ciata (geledes.org.br). Acesso em 20 jun 2023.

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