• Margarida Maria Alves (1933 –1983)

  • Voltar
11 de setembro de 2023 por 

Trabalhadora rural e líder sindical, defensora dos direitos humanos, que inspirou a Marcha das Margaridas e proferiu a célebre frase “é melhor morrer na luta do que morrer de fome”.

Margarida Alves foi uma trabalhadora do campo reconhecida pelo movimento rural do campo democrático em função de suas contribuições à luta pelos direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras. Margarida nasceu em Alagoa Grande (PB), no dia 05 de agosto de 1933, era filha de Manoel Lourenço Alves, homem indígena, e Alexandrina Inácia da Conceição, mulher negra. Filha mais nova do casal, tendo 9 irmãos, começou a estudar aos 6 anos, e a trabalhar na agricultura, aos 8. Casou-se com Severino Cassimiro Alves em 1971, tendo com ele seu único filho, José de Arimatéia Alves.

Margarida parou seus estudos formais na 4ª série do antigo primário. A despeito do trabalho infantil que a privou de diversos direitos, bem como de outras limitações ao acesso à educação, Margarida teve uma atuação relevante a toda a sociedade brasileira, especialmente na educação de crianças do campo. Nos termos de Margarida Alves: Coletânea sobre estudos rurais e de gênero, organizado por Ellen F. Woortmann, Beatriz Heredia e Renata Menashe: “Margarida Maria Alves inovou: num contexto marcado pelo analfabetismo e pela subordinação dos camponeses aos grandes proprietários, ela foi uma das fundadoras do Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural, do qual foi diretora, de 1981 a 1983. Essa iniciativa marca seu esforço em promover a consciência cidadã, o acesso a conhecimentos e direitos e o fortalecimento da agricultura familiar, além da contribuição para o empoderamento feminino na luta por melhores condições de vida no campo”.

Destacou-se como liderança dos trabalhadores e trabalhadoras rurais na luta pelos direitos sociais, tais como o registro do trabalho em carteira, pela jornada de oito horas de trabalho, 13° salário, férias, repouso remunerado. O empenho e a organização de Margarida na mobilização ultrapassaram as margens do brejo paraibano, repercutindo na Confederação dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG e em mais 32 sindicatos rurais. Seu exemplo possibilitou o início de poderosa campanha salarial e a reivindicação de dois hectares de terras para as famílias dos trabalhadores rurais plantarem roças de subsistência.

Conforme exposto por Schuma Schumacher e Érico Vital em Dicionário Mulheres do Brasil, de 1500 até a atualidade: biográfico e ilustrado, Margarida afirmava que as mudanças sociais não dependiam do governo, mas da luta de todos para construir uma sociedade justa e igualitária: “Se a gente se isolar, se a gente faz uma concentração por aí e outra por acolá, se o sindicato é dividido, eles tomam a frente porque eles estão sentindo que estamos desorganizados. É por isso que os poderosos ficam nos ameaçando, nos intimidando e até espionando pra ver qual o trabalhador que faz parte do sindicato, onde tem uma diretoria que nos orienta quanto aos nossos direitos. […] Nós não podemos calar diante dessa multidão de famintos e injustiçados, temos que denunciar a situação em que estamos. A gente nunca vai esmorecer, não queremos o que é de ninguém, nós queremos o que é nosso.”

Seu trabalho de organização dos camponeses e camponesas a levou assumir a tesouraria do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, região canavieira da Paraíba e na sequência foi eleita presidenta do mesmo. Desempenhou essa função por 12 anos, fato inédito por se tratar de uma mulher com papel de liderança em um contexto patriarcal e racista. Similarmente, impressiona sua permanência na presidência em função das diversas ameaças de morte sofridas pela líder sindical ao longo de seu mandado. Numa delas, moveu um processo contra o filho de um fazendeiro que havia espancado uma moradora de suas terras, idosa e paralítica.

Estava na presidência do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, quando foi brutalmente assassinada, na porta da sua casa, por um pistoleiro a mando de latifundiários, no dia 12 de agosto de 1983. Sua morte provocou inúmeras manifestações dos trabalhadores rurais e de inúmeros grupos de mulheres, em protesto contra a impunidade dos senhores de terra diante dos atos criminosos que cometem na defesa do sistema latifundiário.

Neste sentido, Sandra Suely Moreira Lurine Guimarães, Yasmin Dolores Parijós Galende e João Gabriel Conceição Soares, em O desafio à proteção multinível no caso Margarida Maria Alves: análise sobre as perspectivas de gênero e do devido processo legal nos estândares interamericanos de proteção integral de defensoras e defensores de direitos humanos, expõem sobre como opositores de Margarida e sua luta ameaçavam matá-la pouco antes do trágico assassinato. Conforme os autores: “Vê-se, portanto, que havia um clima de tensão entre trabalhadores rurais, sindicatos e latifundiários nesta região do brejo paraibano na década de 1980. Em um discurso em comemoração ao dia do trabalhador de 1983, três meses antes de ser assassinada, a defensora denunciou que vinha recebendo ameaças de morte e proferiu a célebre frase de que “é melhor morrer na luta do que morrer de fome”. Assim sendo, ante o contexto histórico alicerçado, acredita-se que sua morte foi encomendada por mando dos usineiros do brejo paraibano, com a finalidade de silenciar a resistência consolidada por essa mulher.”

Em decorrência do homicídio cometido contra Margarida, o Estado brasileiro desenvolveu investigações criminais. No entanto, não houve punição aos que cometeram o crime. Conforme exposto na reportagem Assassinato de Margarida Maria Alves completa 30 anos na Paraíba, do Portal G1 PB: “Após 30 anos, nenhum acusado pela morte da sindicalista foi condenado, o crime teve repercussão internacional, com denúncia encaminhada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pelo Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP), em conjunto com o Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional (CEJIL), Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), Comissão Pastoral da Terra (CPT) e pela Fundação de Direitos Humanos Margarida Maria Alves.”

Destaca-se a gravidade relacionada à ineficácia do Estado brasileiro em realizar as investigações e punir os homicidas. Paula Arruma e João Gabriel Soares refletem no artigo Caso Margarida Maria Alves: uma demonstração do desafio brasileiro à proteção multinível de Direitos Humanos sobre a relevância do caso para demonstrar as falhas do sistema judiciário brasileiro. Os autores explicam: “O caso de Margarida Maria Alves é a clara demonstração de como o ordenamento brasileiro está aquém das demandas sociais e como ainda é falho na concretização ao que se propõem em defender, que é a possibilidade minimamente digna da pessoa humana em se desenvolver e ter seus direito reconhecidos, principalmente às populações que estão à margem da sociedade e do acesso à cidadania, especificamente dentro de uma compreensão de proteção multinível pouco desenvolvida em dialogicidade. Portanto, confere, neste caso, uma importância ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos ante a insuficiência do Estado em um parâmetro nacional, contribuindo à eficiência de proteção em caso de inércia.” Em 26 de abril de 2020, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos julgou que o Estado brasileiro foi responsável pelas violações de direitos humanos à vida, integridade pessoal, direito à justiça e à proteção judicial, recomendando ao Estado que os familiares sejam reparados integralmente e que as investigações sejam completadas de maneira diligente e efetiva. Além disso, recomendou ao Brasil fortalecer o Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos.

Em homenagem à ativista política, a editora da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) liberou gratuita e digitalmente o livro Margarida, Margaridas: Memória de Margarida Maria Alves (1933-1983) através das Práticas Educativas das Margaridas, de Ana Paula Romão de Sousa Ferreira.

Margarida Alves é homenageada pela Marcha das Margaridas, um dos maiores movimentos de mulheres trabalhadoras do campo, das águas e da floresta da América Latina, iniciado em 12 de agosto de 2000, em memória da líder sindical. A primeira edição da Marcha das Margaridas é considerada a maior mobilização de mulheres, até então, da história do Brasil e segue sendo uma das maiores mobilizações das mulheres da região. Em 2023, são esperadas em Brasília mais de 100 mil “margaridas” em ato que tem como lema “Lutar pela reconstrução do Brasil e pelo Bem-viver”.

Destaca-se que Margarida também empresta seu nome à Fundação Margarida Maria Alves, filiada ao Movimento Nacional dos Direitos Humanos. Conforme disposto em seu Estatuto, a Fundação foi instituída pela Arquidiocese da Paraíba, e tem como alguns de seus objetivos (i) contribuir para a construção de uma sociedade democrática, (ii) fomentar a formação e capacitação de educadores que atuem junto a setores populares, (iii) difundir e promover a defesa dos direitos humanos, e (iv) realizar ações na defesa do meio ambiente com vistas à preservação dos ecossistemas, recuperação de áreas degradadas e o desenvolvimento sustentável.

O Prêmio Margarida Alves de Estudos Rurais e Gênero, promovido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário por meio do Programa de Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia e do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural, “tem como objetivo estimular a produção de pesquisas no âmbito das Ciências Humanas e Agrárias, descortinando novas e maiores dimensões da condição da mulher rural no Brasil”, conforme exposto em obra organizada por Ellen F. Woortmann. De fato, a instituição do prêmio com o nome da ativista política é homenagem que se alinha com a trajetória da líder sindical, formidável em sua luta pelos direitos das trabalhadoras rurais e da educação pública brasileira.

Texto Adaptado do verbete contido no Dicionário Mulheres do Brasil por: Emilson Gomes Junior, Schuma Schumaher e Ana Laura Becker Aguiar.

Palavras-Chave/TAG: #trabalhadorasrurais #resistenciacivil #desigualdadesocial #lidersindical #feminismo #trabalhadorasdocampodasaguasedasflorestas #marchadasmargaridas #CONTAG #agriculturafamiliar

REFERÊNCIAS:

  • Produções acadêmicas:

ARRUDA, Paula; SOARES, João Gabriel. Caso Margarida Maria Alves: uma demonstração do desafio brasileiro à proteção multinível de Direito Humanos. Revista do Direito. V. 3. N. 46. Pp. 45-65. Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Disponível em: https://online.unisc.br/seer/index.php/direito/article/view/11701

CIDH. Relatório Nº 31/20. Caso 12.332. Mérito (Publicação). Margarida Maria Alves e Familiares. Brasil. Aprovado em 26 de abril de 2020. Disponível em: http://www.oas.org/pt/cidh/decisiones/2020/BR_12.332_PT.PDF. Acesso em 30 ago. 2021.

FERREIRA, Ana Paula Romão de Souza. A trajetória político-educativa de Margarida Maria Alves: entre o velho e o novo sindicalismo rural. 2009. 146 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal da Paraí­ba, João Pessoa, 2009. Disponível em:https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/tede/4922/1/arquivototal.pdf

FERREIRA, Ana Paula Romão de Souza. Margaridas: Memória de Margarida Maria Alves (1933-1983) através das Práticas Educativas das Margaridas. Editora da UFPB. João Pessoa. 2017. Disponível em:http://www.editora.ufpb.br/sistema/press5/index.php/UFPB/catalog/view/451/735/4893-1

GUIMARÃES, Sandra Suely Moreira Lurine; GALENDA, Yasmin Dolores Parijós;

SOARES, João Gabriel Conceição. O desafio à proteção multinível no caso Margarida Maria Alves: análise sobre as perspectivas de gênero e do devido processo legal nos estândares interamericanos de proteção integral de defensoras e defensores de direitos humano. Revista Brasileira de Estudos Políticos. N. 122. Pp. 597-648. Belo Horizonte. 2021. Disponível em: https://pos.direito.ufmg.br/rbep/index.php/rbep/article/view/670

SCHUMAHER, Schuma; VITAL BRAZIL, Érico. Dicionário Mulheres do Brasil, de 1500 até a atualidade: biográfico e ilustrado. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

WOORTMANN, Ellen F.; HEREDIA, Beatriz; MENASHE, Renata. Mariana Alves: coletânea sobre estudos rurais e gênero.  Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Brasília. 2006. Disponível em:  Margarida_Alves_coletanea_sobre_estudos_rurais_e_genero.pdf (ufpel.edu.br)

  • Sites:

Portal G1 PB. Assassinato de Margarida Maria Alves completa 30 anos na Paraíba. 2013. Disponível em:  https://assets-institucional-ipg.sfo2.cdn.digitaloceanspaces.com/2013/08/11-08-2013g1_assassinatodemargaridamariaalvescompleta30anosnaparaiba.pdf

Portal G1 PB. Editora UFPB libera livro sobre Margarida Maria Alves para download gratuito. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/2020/08/13/editora-ufpb-libera-livro-sobre-margarida-maria-alves-para-download-gratuito.ghtml

Estatuto da Fundação de Defesa dos direitos Humanos Margarida Maria Alves. Disponível em: http://www.fundacaomargaridaalves.org.br/wp-content/uploads/2010/08/Estatuto-Vigente-da-Funda%C3%A7%C3%A3o-Margarida-Maria-Alves.pdf

Marcha das Margaridas. Disponível em: https://www.marchadasmargaridas.org.br

FOTOGRAFIA

© Reprodução da Internet

Categoria: Biografias - Comentários: Comentários desativados em Margarida Maria Alves (1933 –1983)