• Leolinda Figueiredo Daltro (1859 –1935)

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15 de maio de 2024 by 

Educadora, missionária, feminista e ativista política.

Leolinda Figueiredo Daltro foi uma das mais importantes ativistas políticas da história brasileira. Nascida na Bahia, em 14 de julho de 1859, se mudou com o marido e os filhos para o Rio de Janeiro em 1880. Teria se casado duas vezes e tido 6 crianças. Se tornou professora da rede pública de ensino carioca, tendo inclusive recebido uma visita da princesa Isabel e de seu marido, conde D’Eu, na escola primária sob sua direção.

A educadora teria iniciado seu envolvimento com a luta pelos direitos dos povos originários da América a partir de 1896. O jornal O Paiz publicou reportagens sobre o grupo de indígenas Xerente, que havia se deslocado à capital, Rio de Janeiro, para solicitar proteção estatal. Negligenciados, foram inclusive mantidos na cadeia. Tal realidade moveu homens e mulheres, dentre eles Leolinda, para a mobilização social em defesa dos direitos dos povos originários. Após visitar a cadeia na qual estavam as pessoas do povo Xerente, Leolinda passou a se organizar para solicitar ao governo autorização para realizar expedições aos sertões do Xingu com o objetivo de construir escola laica para providenciar educação formal a pessoas pertencentes dos povos originários. Infelizmente, suas solicitações não foram atendidas.

Por outro lado, sua organização política permitiu que o debate público ocorresse. Frutos das reinvindicações de Leolinda e seus companheiras e companheiros, houve a formação do Instituto de Proteção aos Indígenas Brasileiros, integrante do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), nos termos da sessão ordinária de 26 de setembro de 1902 do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro. Neste sentido, mencionamos que Leolinda fundou a Associação Protetora dos Selvícolas do Brasil, em 1902. A organização defendia o ensino laico para indígenas e a integração desses povos por vias pacíficas. Ressalta-se que o contexto da época era de promoção de genocídio e epistemicídio através de tentativas de extermínio desses povos, bem como de missões de integrantes formais da Igreja Católica Apostólica Romana. A exemplo, em resposta a denúncias do cientista alemão Albert Fric em relação ao extermínio do povo Kaingang em Santa Catarina, através do XVI Congresso de Americanistas, de 1907, o então diretor do Museu Paulista, Rudolf von Ihering, publicou artigo defendendo o extermínio em favor dos imigrantes alemães. Nos termos da obra da Coleção Vozes Femininas, Leolinda mobilizou amigos e seus filhos, inclusive pessoas dos povos originários sob sua tutela legal, para fundar a Associação de Auxílio aos Selvícolas do Brasil.

Válido ressaltar que Leolinda descende de povos originários brasileiros, conforme exposto no artigo Educadora, Feminista, Indigenista: Leolinda Figueiredo Daltro, uma “Dama” da educação brasileira no final do século XIX, de José Rubens Lima Jardilino. Talvez sua ancestralidade tenha permitido que ela tivesse mais sensibilidade com tais questões sociais. Seja como for, fato é que Leolinda abrigava em sua casa pessoas de povos originários, que a buscavam a fim de obter proteção e educação no contexto pós-colonial brasileiro. Leolinda adotou algumas pessoas enquanto seus filhos. Outras eram consideradas seus educandos. Em todo caso, Leolinda possibilitava a sobrevivência digna de diversos integrantes dos povos originários do território brasileiro.

Conforme exposto em seu livro Da catequese dos índios do Brasil: notícias e documentos para a história, de 1920, Leolinda conseguiu realizar viagens a São Paulo e outros estados a fim de trazer mudança social positiva em favor dos povos originários. Atraiu a atenção da elite paulista para benefício e malefício próprio. Atraiu tanto admiradores quanto inimigos de sua causa. Neste sentido, o livro expõe os ataques sofridos pela educadora ao longo de sua jornada em defesa dos povos originários.

Inclusive, conforme exposto no artigo Leolinda Daltro, de Kárita Ferraz das Chagas: “A sua coragem chegou a longes lugares, ficou conhecida, em 1910, como a mulher do diabo. Afinal, além de ir contra o ensino da igreja, era uma mulher separada, ou seja, não era acompanhada por um homem. Ativa na política, caminhando em ambientes até então apenas masculinos. Uma de suas principais bandeiras era de que a transformação viria pela educação, levando o saber a outras mulheres, indígenas e demais grupos oprimidos, para que lutassem pelos seus próprios direitos. Incluindo o voto feminino, que não era visto com bons olhos pela sociedade católica e masculina. Nesse mesmo ano, fundou o Partido Republicano Feminino”.

Em relação à sua atuação em defesa dos direitos das mulheres, Leolinda passou a se dedicar também ao sufrágio feminino no Brasil. Feito inédito, fundou, em 1909, a Junta Feminil pró-Hermes, em defesa da candidatura do então futuro presidente Hermes da Fonseca. Conforme exposto por Mônica Karawejczyk: “Em 1910, Leolinda rebatizou essa associação feminina com o nome de Partido Republicano Feminino (PRF). Segundo Céli Pinto (2003, p. 18), essa forma de nomear tal associação feminina já ‘merece atenção especial pela ruptura que representou […] pelo fato de ser um partido político composto por pessoas que não tinham direitos políticos, cuja atuação, portanto, teria de ocorrer fora da ordem estabelecida’. Seria isso que os seus filhos queriam dizer ao mandar lapidar as palavras ‘precursora do verdadeiro feminismo pátrio’ na sua lápide?’”.

Conforme exposto por Schuma Schumaher e Érico Vital Brazil, “Em 1910, a professora baiana Leolinda Daltro juntou-se a outras sufragistas para fundar o Partido Republicano Feminino, no Rio de Janeiro, numa verdadeira ‘afronta’ que reacendeu o debate sobre o direito de voto para as mulheres no Congresso e na sociedade. As ideias sufragistas já encontravam receptividade nos meios urbanos, onde estavam presentes correntes de opinião mais abertas à inclusão não somente das mulheres, mas de outros grupos, visivelmente alijados da participação política”.

Em protesto, fundou, em dezembro 1910, o Partido Republicano Feminino, cujo objetivo era mobilizar as mulheres na luta pelo direito ao voto. Para tanto, contou com o apoio e o prestígio da primeira-dama Orsina da Fonseca. Em contrapartida, colaborou com a política nacionalista do presidente Hermes da Fonseca, que havia instituído em 1908 uma nova lei de recrutamento militar que permitiu que Leolinda ajudasse na criação, dois anos mais tarde, da Linha de Tiro Feminino, na qual as mulheres poderiam receber treinamento com armas de fogo. Por mais de uma década, Leolinda e suas companheiras de militância, entre elas a poetisa Gilka Machado, ocuparam a cena política carioca colocando em evidência a questão do sufrágio feminino.

Além da mobilização política feminista, Leolinda fundou a Escola de Ciências, Artes e Profissões Orsina da Fonseca, em 1911. Atendendo à solicitação governamental para criação de Linhas de Tiro no Brasil, criou a Linha de Tiro Rosa da Fonseca, vinculada à Escola. No mesmo ano, criou o curso de enfermagem da Escola, sendo pioneiro ao dissociar a enfermagem do carisma de integrantes da Igreja Católica Apostólica Romana.

A obra O Início do Feminismo no Brasil: Leolinda Daltro, descreve a escola em que trabalhou da seguinte forma: “dedicada ao ensino e profissionalização de mulheres, transformou-se numa importante plataforma política, com a participação das alunas e professoras em eventos públicos”. Leolinda também implementou outras iniciativas educacionais importantes, como a manutenção de curso noturno gratuito no edifício do Matadouro de Santa Cruz para facilitar o acesso à educação para as crianças que trabalhavam durante o dia no matadouro.

Também fazia parte de sua estratégia comparecer a todos os eventos que pudessem causar repercussão na imprensa. O Partido Republicano Feminino foi o precursor na luta das mulheres brasileiras em prol do sufrágio e chegou, em novembro de 1917, a promover uma marcha pelas ruas do centro do Rio de Janeiro, com a participação de cerca de 90 mulheres.

Em 1919, já sem o apoio de sua amiga Orsina da Fonseca, que falecera, Leolinda lançou-se candidata à Intendência Municipal do Distrito Federal, não conseguindo, contudo, se eleger. Inevitável compreender que suas derrotas eleitorais são vinculadas à visão misógina que a sociedade da época tinha em relação à pioneira do feminismo brasileiro. Em todo caso, Leolinda não precisou de tais cargos para gerar o impacto positivo na sociedade brasileira de sua época. Através de articulação política com pessoas dos povos originários e mulheres em geral, promoveu a educação de muitas pessoas em vulnerabilidade social, bem como incentivou os debates que levaram o governo a assegurar direitos aos cidadãos pertencentes aos povos originários do território brasileiro, bem como a todas as mulheres do país.

No decorrer dos anos 20, foi se afastando da luta política e passou a se dedicar, exclusivamente, a seu trabalho como educadora. Curiosamente, não integrou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino – FBPF, organização política fundada por Berta Lutz em 1922. Logo após as mulheres terem alcançado o direito ao voto, no ano de 1932, Leolinda declarou que morreria feliz, pois vira vitoriosa a luta pela emancipação política da mulher. 

Leolinda faleceu em um acidente de automóvel em 4 de maio de 1935. Conforme ensinam Hildete Pereira de Melo e Teresa Cristina de Novaes Marques no verbete DALTRO, Leolinda Figueiredo, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getulio Vargas (FGV): “Por ocasião de sua morte, a revista Mulher, editada pela Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, registrou o fato com pesar e ressaltou seu papel como precursora do feminismo no Brasil. Afirmou a revista da Federação que ‘teve ela que lutar contra a pior das armas de que se serviam os adversários da mulher: o ridículo. Talvez isto a houvesse magoado profundamente tanto que se afastou das lides feministas. Mas a sua obra patriótica não parou aí: dedicou-se à obra da alfabetização no meio desses milhões de analfabetos, nela consumindo a sua velhice’. Também a revista carioca Ilustração Brasileira, na edição de junho de 1935, registrou seu falecimento. Em 2003, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro aprovou a Resolução nº 233, que instituiu o Diploma Mulher Cidadã Leolinda de Figueiredo Daltro. A cada ano são escolhidas dez mulheres para receber a homenagem por seu destaque na vida pública e na defesa dos direitos femininos”.

Palavras-Chave/TAG: #feminismo #povosoriginários #política #sufrágio #pioneirismo #ativismopolítico #alfabetização #desigualdadesocial #indigianista #partidofeminino #sufragista

Texto Adaptado do verbete contido no Dicionário Mulheres do Brasil por: Emilson Gomes Junior e Schuma Schumaher.

REFERÊNCIAS

  • Produções acadêmicas:

CHAGAS, Kárita Ferraz das. Leolinda Daltro. Colégio Ideal. Brasília. 2021. Disponível em: leolinda-daltro.pdf (99freelas.s3-sa-east-1.amazonaws.com). Acesso em 17 jun de 2023.

DALTRO, Leolinda. O início do feminismo no Brasil [recurso eletrônico] : subsídios para história / Leolinda Daltro; introdução, notas e posfácio de Elaine Pereira Rocha. Câmara dos Deputados, Edições Câmara, Coleção vozes femininas: Brasília, 2021. Disponível em: Amazon.com.br eBooks Kindle: O Início do Feminismo no Brasil, Daltro, Leolinda, Câmara, Edições. Acesso em 17 jun de 2023.

KARAWEJCZYK, Mônica. Os primórdios do movimento sufragista no Brasil: o feminismo “pátrio” de Leolinda Figueiredo Daltro. Estudos Ibero-Americanos, vol. 40, n. 1, p. 64-84. Porto Alegre. 2014. Disponível em: 2014_karawejczyk_primoridios_movimento_sufragista.pdf (tse.jus.br). Acesso em 17 jun de 2023.

LIMA JARDILINO, José Rubens. Educadora, Feminista, Indigenista: Leolinda Figueiredo Daltro, uma “Dama” da educação brasileira no final do século XIX. Revista Historia de la Educación Latinoamericana, vol. 18, n. 26. Universidad Pedagógica y Tecnológica de Colombia. Boyacá. 2016. Disponível em: Redalyc.Educadora, Feminista, Indigenista: Leolinda Figueiredo Daltro, uma “Dama” da educação brasileira no final do século XIX. Acesso em 17 jun de 2023.

MELO, Hildete Pereira de; MARQUES, Teresa Cristina de Novaes. DALTRO, Leolinda de Figueiredo. Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getulio Vargas (FGV). Disponível em: DALTRO, Leolinda de Figueiredo.pdf (fgv.br). Acesso em 17 jun de 2023.

SCHUMAHER, Schuma; VITAL BRAZIL, Érico. Dicionário Mulheres do Brasil, de 1500 até a atualidade: biográfico e ilustrado. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2000. SCHUMAHER, Schuma; VITAL BRASIL, Érico. Mulheres Negras do Brasil. Senac Editora: Rio de Janeiro, 2006. Disponível em: Mulheres Negras do Brasil 9788574582252 – DOKUMEN.PUB. Ace

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