• Lydia Bomílcar Besouchet (23 de maio de 1908 – 14 de janeiro de 1997)

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11 de setembro de 2023 por 

Pesquisadora, tradutora, escritora e ativista feminista marxista.

Lydia Besouchet foi uma célebre intelectual e ativista brasileira. Embora gaúcha de nascimento, há controvérsia em relação a data e cidade natal. Enquanto estipula-se que Lydia nasceu em 23 de maio de 1908, em Porto Alegre, vislumbra-se que a própria Lydia possa ter manipulado tais informações. De acordo com Lívia de Azevedo Silveira Rangel em Lídia Besouchet: mediações culturais e políticas na trajetória de uma escritora brasileira no exílio platino (1938 a 1948), a obra revela que familiares apontaram que Lydia nasceu em Rio Grande, no Rio Grande do Sul, em 1906.

Após viver a infância na cidade mineira de São João del Rey, se mudou com a família para Vitória (ES), por volta de 1920, onde viveu sua juventude e frequentou o curso de magistério, na Escola Normal. Lívia em obra supra também revela: “Mais tarde, foi apontada como uma das representantes do grupo pioneiro de professores que fez parte da tentativa de reforma do ensino tradicional nas escolas capixabas, o qual esteve apoiado nas inovadoras propostas pedagógicas da Escola Activa. Em janeiro de 1932, Lídia concorreu a uma cadeira na Escola Normal Pedro II, com a tese ‘Pedagogia Social: educação no futuro. Comunas infantis’, trabalho que foi inspirado ‘numa assimilação juvenil de autores marxistas, socialistas e progressistas’. Sua proposta foi recebida com desconfiança e assombro pelos membros da banca de avaliação, que optaram por classificá-la em segundo lugar. Lídia chegou a questionar a decisão dos pareceristas do concurso, mas sua indignação não surtiu qualquer efeito no sentido de compensá-la pela decisão supostamente arbitrária.” A autora também relembra que Lydia foi uma das poucas mulheres capixabas a se manifestar sua perspectiva feminista na imprensa e, também, que promovia discussões e reuniões sobre o ideário socialista com seus irmãos Marino, Alberto e Augusto, no início dos anos 1920.

Segundo a reportagem Lydia Besouchet e os escritos feministas na revista “Vida Capichaba”, a pensadora e outras mulheres foram as primeiras a publicar textos redigidos e assinados por elas mesmas na imprensa do Espírito Santo. O texto expõe: “Dentre elas, destaca-se pela coragem e trajetória, Lydia Besouchet, um dos principais nomes da escrita feminista capixaba. Em uma época na qual o matrimônio e a maternidade eram considerados, muitas vezes, a única destinação, ela se dispôs a refletir e criticar as condições de submissão e o desapontamento com a falta de articulação das brasileiras em prol de um maior espaço, o que ela considerava um direito legítimo. No artigo “Feminismo”, publicado na Revista “Vida Capichaba” em 1932, Lydia Besouchet aborda as ações do Governo para permitir o voto feminino e constata, com tristeza e espanto, a apatia com a qual a novidade foi recebida pelas mulheres, acostumadas a se perceberem inferiorizadas e à sombra de seus pais e maridos, enquanto em outros países eram comuns os embates por mudanças.” A reportagem relembra que Lydia mudou-se para o Rio de Janeiro, atuando politicamente de forma significativa – inclusive, por diversas vezes quase foi presa. Posteriormente, se refugiou com seu marido, Newton Freitas. Exilados entre 1937 e 1950, há registros de que Lydia e Newton tenham passado por Uruguai e Argentina. E foi na Argentina que Lydia se tornou uma autora conhecida e respeitada, a partir de seu romance inaugural Condição de Mulher.

Na reportagem Lídia Besouchet: uma intelectual feminista em Petrópolis, de Alessandra Bettencout Figueiredo Fraguas, esta nos revela que Lydia publicou a biografia Pedro II e o Século XIX em 1975. Inclusive que Lydia defendeu sua tese na Universidade de Nantes, na França, sobre a relação de D. Pedro II e o escritor francês Ernest Renan. Aliás, o Diário de Petrópolis dedica a reportagem Especial Dia da Mulher: figuras femininas que foram importantes para o desenvolvimento de Petrópolis para explorar a história de Lydia e sua relação com Petrópolis, além de homenagear Gabriela Mistral, Magdalena Tagliaferro, Nair de Teffé e Martha Watts.

A matéria se aprofunda sobre a relação entre Lydia e a história de Petrópolis. Isto se deve ao fato de que Lydia foi uma das principais representantes da UFB – União Feminina do Brasil (organização feminista de esquerda e ligada ao Partido Comunista do Brasil) que esteve em Petrópolis, em 1935. Na ocasião, Lydia proferiu discurso inflamado, prestou solidariedade à deflagração de uma greve geral na cidade e, em especial, prestou solidariedade à mulher de Leonardo Candú, operário morto por tiro que sofreu durante uma passeata a caminho de um grande comício da Aliança Nacional Libertadora. A passeata foi vítima dos integralistas. Alessandra dimensiona o contexto: “Candú se tornou um dos símbolos nacionais do movimento aliancista e das lutas pela liberdade, enquanto a greve geral que paralisou as indústrias têxteis em Petrópolis por dez dias mobilizaria cerca de 15 mil trabalhadores.” Relembra ainda que neste período surgiu a Ditadura de Getúlio Vargas, período no qual Lydia se filiou no PCB – Partido Comunista Brasileiro e militou na ANL – Aliança Nacional Libertadora, se envolvendo no movimento “Pão, Terra e Liberdade”. Lydia também esteve grávida neste período, de forma que entregou a criança à adoção em conformidade com as diretrizes revolucionárias. A reportagem também aponta que Lydia se aproximou de trotskistas após a sua prisão, tempo em que viveu na clandestinidade. Tornou-se perseguida política ao final dos anos 1930 pelo governo Vargas e pelo PCB, considerando que seu posicionamento de esquerda era dissidente da linha político-partidária hegemônica. Em seguida, Lydia e Newton partiram para o exílio.

Apesar de breve tempo de existência pública da UFB, pois a mesma foi fechada, em julho de 1935, através do Decreto 246 de Getúlio Vargas, as integrantes da UFB, chamadas de “jovens turcas” foram capazes de produzir um acervo numeroso de textos impressos. Os meios jornalísticos dos anos 1935 demonstraram interesse sobre o surgimento da organização, mas isso não evitou que sofressem forte oposição de setores conservadores, recebendo críticas e sendo acusada se “subversiva”, somado a uma curiosidade especial em relação às integrantes da organização, consideradas mulheres revolucionárias, que se posicionavam como adversárias da linha sufragista. Tais mulheres já atraíam os olhares da imprensa muito antes da construção da UFB, posto que eram mulheres audaciosas que publicamente defendiam a luta de classes e os direitos das trabalhadoras em suas respectivas áreas de atuação.

A doutora Lívia de Azevedo destaca que um dos textos mais ilustrativos e esclarecedores do posicionamento crítico assumido pela UFB é um artigo de Lydia Besouchet, publicado no jornal A Manhã, representando a organização. O texto busca desconstruir histórica e filosoficamente os argumentos que naturalizavam o modelo feminino de subserviência. Lívia traz um trecho da produção de Lydia, brilhante em suas reflexões: “Os estudos de Morgan e Engels sobre a família falam na derrota histórica do sexo feminino […] foi esta passagem aparentemente tão simples e fundamentalmente tão revolucionaria, que deu ao homem a supremacia que gosa até hoje. […] enquanto o trabalho do homem se tornava um trabalho social, o trabalho da milher era cada vez mais um trabalho privado, familiar, apertado entre as fronteiras da casa […] Ella tinha deixado de ocupar um lugar social na producção e por isso mesmo, passou á categoria de propriedade privada do homem. Até a era burguesa, a mulher continuou, através dos tempos, sempre desempenhando esse papel de escrava. […] Só a explicação materialistica da família actual […] esclarece o antagonismo existente para a mulher moderna de ter independência econômica e continuar a ser escrava do homem.”

A pesquisadora Lívia relembra que “jovens turcas” foi o apelido dado pela imprensa às mulheres revolucionárias da UFB. Inclusive, a autora expõe que se trata de adaptação do termo “jovens turcos”, geralmente usado de forma pejorativa para definir grupos e movimentos identificados com posturas combativas e divergentes, consideradas radicais. É uma referência ao movimento político que provocou a ruína das antigas instituições monárquicas absolutistas na Turquia do início do século XX, dando fim ao Império Otomano. De fato, possível considerar que tais mulheres adotavam posições e discursos revolucionários, visando a construção de uma realidade antifascista. Inclusive, vale lembrar que a UFB foi composta por intelectuais como Nise da Silveira e Maria Lacerda de Moura, além de mulheres intelectuais e trabalhadoras que seguiram anônimas após a experiência da UFB.

A despeito da diversidade presente na UFB, Lívia destaca que havia classismo na organização. Isto se deve ao fato de que as integrantes intelectuais do grupo eram mulheres feministas de classe média que produziam textos sobre a realidade das trabalhadoras operárias com distanciamento e romantização. Ainda assim, devemos compreender que os debates formulados pela UFB eram pioneiros pela perspectiva de discutir feminismo sob a ótica marxista. Embora, muitas vezes na clandestinidade é inegável a luta feminista antifascista levada pelas integrantes da UFB, a despeito das forças reacionárias da época.

A autora Lívia nos revela que Lydia Besouchet era uma das únicas conhecidas da polícia política, tendo ficha aberta na Delegacia de Segurança Social. Inclusive, Lídia foi a primeira dirigente da UFB a ser presa, logo no dia em que circulou na imprensa a nota de adesão da UFB à ANL. A prisão durou menos de 24 horas, tendo início à noite, quando Lydia se dirigia ao Congresso da Juventude Comunista. O chefe da polícia da época instrumentalizou a repercussão da captura de Lydia para justificar a ordem de fechamento da UFB, 3 semanas após a prisão arbitrária. Após a implantação do Estado Novo, Lydia e Newton atravessaram a fronteira Rivera-Santana do Livramento, rumo a Montevidéu, em janeiro de 1938. Em seguida, planejaram se estabelecer na Argentina, em Buenos Aires.

Conforme exposto anteriormente, foi na Argentina que Lydia iniciou sua carreira de escritora profissional, embora não se confinou ao trabalho realizado em Buenos Aires. Mesmo assim, é notável que mais da metade de sua produção corresponda à fase que viveu em Buenos Aires. Inclusive, o casal publicou 47 livros entre 1939 e 1949, o que demonstra a relevância desta etapa da vida de Lydia e Newton, seu marido, para a construção de suas obras. Lívia de Azevedo propõe formidável reflexão sobre a vasta produção intelectual do casal e a função social exercida por eles naquele período de exílio: “A compreensão dos fatores que tornou possível à Lídia e ao Newton desenvolverem uma vasta e respeitável produção intelectual, condensada neste período relativamente curto de tempo que foram os anos de exílio, também deve passar pela compreensão de como eles exerceram o papel de intérpretes e mediadores culturais, já que essas funções ampararam de maneira central a posição de ambos no campo da intelectualidade portenha, definindo mesmo e de modo determinante as suas identidades sociais no exílio.”

Crucial relembrarmos do que se tratava a relação desenvolvida entre Lídia e Newton com intelectuais na Argentina. Segundo Lívia de Azevedo, o casal se aproximou de um grupo de espanhóis, especialmente galegos, exilados na Argentina. A autora discute as memórias de Newton sobre o período: “Segundo lembra, no conjunto da vasta comunidade de exilados que caíam, “como moscas” na “grande cidade platina”, os brasileiros representavam uma parcela minoritária. Buenos Aires estava cheia de escritores, ensaístas, pintores, músicos estrangeiros vindos principalmente da Espanha e da França. Da reunião desses intelectuais galelos e brasileiros surgiram muitos projetos, desde a exposição de pinturas, desenhos e esculturas, até a edição de livros, revistas e jornais. Aos espanhóis juntaram-se Lídia e Newton, os únicos brasileiros, além do pintor italiano Atilio Rossi. Parcerias intermitentes também ocorreram com os escritores Jorge Amado, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz e a ensaísta e crítica literária Lúcia Miguel Pereira. Os argentinos Caribé, Raúl Navarro e Benjamín de Garay também estiveram presentes em muitos projetos dirigidos pelos exilados galegos.”

Lydia e Newton teriam hospedado um sentimento íntimo relacionado a suas condições enquanto estrangeiros – um sentimento substituto da relação com o exílio. Neste sentido, Lívia de Azevedo nos informa que o casal retorna ao Rio de Janeiro ao final de 1981, “com os baús abarrotados de suas memórias andarilhas, foi para o casal a última de suas aventuras num país ‘desconhecido’.” A união do casal também se demonstra em suas despedidas desde mundo. Após 15 anos vivendo no Rio, Newton Freitas faleceu em 2 de agosto de 1996. Lídia Besouchet faleceu 6 meses depois, em 14 de janeiro de 1997, pouco antes de completar 89 anos.

Palavras-Chave/TAG: #feminismo #jornalismo #poesia #tradução #exílio #ditaduramilitar #antifascismo

Elaborado por: Emilson Gomes Junior e Schuma Schumaher

REFERÊNCIAS:

  • Produções acadêmicas:

RANGEL, Lívia de Azevedo Silveira. Lídia Besouchet e Newton Freitas: Mediações políticas e intelectuais entre o Brasil e o Rio da Prata (1938-1950). Paco Editorial: Jundiaí, 2019. Disponível em: 2016_LiviaDeAzavedoSilveiraRangel_VCorr.pdf (usp.br). Acesso em 19 fev 2023.

RANGEL, Lívia de Azevedo Silveira. Lídia Besouchet: mediações culturais e políticas na trajetória de uma escritora brasileira no exílio platino (1938 a 1948). Disponível em: 18532517.pdf (core.ac.uk). Acesso em 19 fev 2023.

  • Sites:

Arquivo Público Espírito Santo. Lydia Besouchet e os escritos feministas na revista “Vida Capichaba”. Governo do Estado do Espírito Santo, Secretaria de Estado da Cultura: Vitória, 17 de maio de 2016. Disponível em: APEES – Lydia Besouchet e os escritos feministas na revista “Vida Capichaba”. Acesso em 19 fev 2023.

FRAGUAS, Alessandra Bettencourt Figueiredo. Lídia Besouchet: uma intelectual feminista em Petrópolis. Instituto Histórico de Petrópolis: Petrópolis, 1º de setembro de 2020. Disponível em: IHP » LÍDIA BESOUCHET: UMA INTELECTUAL FEMINISTA EM PETRÓPOLIS. Acesso em 19 fev 2023.

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