Ana Rocha – jornalista, psicóloga, mestra em Serviço Social, com pós-graduação em Politicas Públicas e Governo. Atualmente assessora do Ministério das Mulheres.
Publicado originalmente em: https://grabois.org.br/2024/09/19/ana-rocha-por-que-o-medo-do-poder-das-mulheres/
Artigo da assessora do Ministério das Mulheres, Ana Rocha, sobre a participação das mulheres na política.
Aproximam-se as eleições municipais de 2024. Grande é a expectativa quanto ao resultado! Será que vai favorecer o campo democrático? Ou ao campo conservador? Sabemos quanto esse resultado é importante para o avanço progressista do Brasil! Um resultando democrático também significa ampliar a eleição de mulheres.
O governo anterior, bolsonarista, retirou políticas públicas de gênero, impulsionou um discurso conservador, tentou redesenhar o papel das mulheres, confiná-las ao espaço privado, sobrecarregá-las com o trabalho doméstico e de cuidados.
A vitória de Lula, que contou maciçamente com o voto das mulheres, abriu perspectiva de reconstrução nacional, de ampliação da democracia, de retomada das Políticas Públicas para as Mulheres, sobretudo com a criação do Ministério das Mulheres. Tudo isso cria a expectativa de superar a sub-representação feminina nos espaços de poder e decisão.
Sabemos que não será fácil. A sobrecarga doméstica continua sendo um entrave ao caminho emancipatório das mulheres. As mulheres passaram a ser provedoras, mas continuam cuidadoras. Sobrecarregadas, oprimidas pelo excesso de exigências. Segundo Silvia Federici, “enquanto o trabalho reprodutivo for desvalorizado, enquanto for considerado um assunto privado e uma responsabilidade exclusiva das mulheres, ESTAS enfrentarão o capital e o estado com menor poder que os homens e em condições de extrema vulnerabilidade social e econômica”.
O fato é que o Brasil tem baixa representação feminina no Parlamento: 17,7% na Câmara Federal, 12% de prefeitas e 2 governadoras. 958 cidades não elegeram vereadora em 2020 e em 1800 só uma vereadora.
Segundo o TSE, em 2020, embora as mulheres sejam 52,8 % do eleitorado, elas representam 45,72% dos filiados em partidos políticos. Além disso, elas ocupam apenas 21% dos cargos nas executivas partidárias.
Para reverter essa sub-representação, devemos entender que a história de opressão das mulheres, a divisão sexual do trabalho, a educação diferenciada, reforçam o papel das mulheres nos afazeres domésticos e de cuidados! Que o capitalismo, em crise, leva ao corte nos gastos públicos, reduzindo as políticas públicas de gênero, sobrecarregando as mulheres com os cuidados! Sobrando-lhes pouco tempo para a política e lazer!
Por outro lado, a legislação eleitoral precisa garantir um financiamento eleitoral democrático e público, com reforço às candidatas mulheres. Medidas afirmativas como cotas, reservas de cadeiras, são fundamentais.
Como se todos esses obstáculos não bastassem, a violência política de gênero é mais uma barreira à participação das mulheres nos espaços de poder e decisão. Vide o exemplo do assassinato de Marielle Franco e de Mãe Bernadete. Para não falar das importunações e perseguições a parlamentares mulheres em vários cantos do Brasil.
Torna-se uma exigência democrática reafirmar o papel das mulheres onde elas quiserem, sobretudo no espaço público, na sua autonomia econômica, nos espaços de poder e decisão, como força transformadora da sociedade. A liberdade de escolha quanto a seu corpo e suas ações. A luta pelas demandas cotidianas, nos bairros, locais de trabalho, no parlamento, na sociedade em geral, devem desaguar numa ampla participação política das mulheres! Só assim viramos o jogo!
A derrota histórica das mulheres, ao serem confinadas ao espaço privado e tornadas propriedade do patriarca, para garantir a herança, com o papel de responsável pelos afazeres domésticos e de submissão ao patriarca, cunhou as características de feminilidade para as mulheres e de masculinidade para os homens.
Quando as mulheres, ao longo da história, romperam o paradigma da feminilidade e saíram dos limites privados e exerceram atividades de destaque, foram chamadas de bruxas e queimadas na fogueira no tempo da inquisição, ou guilhotinadas como Olympe de Gourges na Revolução Francesa.
Nos tempos atuais, a violência política de Gênero tem levado ao extremo do assassinato de lideranças como é o caso de Margarida Alves, Marielle Franco e mais recentemente Mãe Bernadete. São as bruxas da contemporaneidade!
No Brasil, 66% das prefeitas já sofreram ataques, ofensas e foram vítimas de discurso de ódio nas redes sociais; 58% foram vítimas de assédio ou violência política pelo fato de serem mulheres; 47% apontaram falta de recursos de campanha como um obstáculo para entrar na política; 44% das candidatas nas eleições municipais de 2020 foram vítimas de violência política.
Os conservadores não suportam quando as mulheres se destacam, quando as mulheres não se conformam em ser apenas belas, recatadas e do lar! Mas preferem viver a inquietação do seu tempo, de serem o que quiserem: mães, trabalhadoras, políticas. Donas de seu dinheiro, do seu tempo, do seu corpo, livres da violência, do racismo e da fome!
Vale destacar a iniciativa do Ministério das Mulheres, em parceria com vários ministérios, de elaborar um Plano de Enfrentamento à Violência Política contra as Mulheres, depois de ouvir depoimento de mulheres de vários cantos do país, vítimas de violência política, de aferir opiniões de vários institutos, universidades e lideranças do movimento social.
Um bom entendimento de que uma sociedade democrática não pode conviver com a violência de qualquer tipo contra as mulheres, numa tentativa de obstaculizar a afirmação de sua cidadania e direito à participação igualitária na sociedade!
Por isso, eleger mais mulheres é um desafio para a afirmação democrática da sociedade brasileira!