15 de maio de 2024 por 

Líder política contra a escravidão indígena

Romana foi uma mulher indígena americana notável por sua resistência civil à escravidão colonial portuguesa. Romana era residente da então Capitania de São Paulo, tendo peticionado por volta de 1720 à Justiça Real requerendo o reconhecimento legal de sua liberdade. Sua petição também requeria a liberdade legal de seu filho Joaquim e de sua esposa Marcela, bem como de pessoas indígenas escravizadas nomeadas Vicente, José e Inácio. Nos termos da petição, Romana denunciava que Antônio Pedroso mantinha pessoas sob “rigoroso trato de escravo”.

A petição expunha que Romana e sua família não poderiam ser cativos em função de sua descendência ligada aos “antigos povoadores das aldeias”. A resposta da coroa portuguesa foi a seguinte: com exceção de Romana e um dos homens, todos obtiveram sentença assegurando sua “liberdade”, sendo restituídos às condições desumanas da aldeia de Pinheiros, assentamento colonial. Em relação a Romana, já em idade avançada, houve decisão de encaminhá-la ao homem que a escravizava, como forma de pagamento em relação a uma fiança. Em relação ao outro homem, ele foi alistado nas milícias para combate à nação Paiaguá, então residentes da região atualmente compreendida entre o Paraguai e o Mato Grosso.

Schuma Schumaher e Érico Brazil descrevem como a política da Coroa diferenciava o tratamento dado às nações indígenas conforme sua aceitação da cristianização e controle jesuítico. As nações que se submetiam à cristianização eram formalmente livres e recebiam um tratamento brando, mas ainda eram requisitadas para trabalhar para os colonos. Por outro lado, as nações que resistiam aos portugueses eram sujeitas à guerra de extermínio.

Mesmo os indígenas aldeados, que teoricamente gozavam de liberdade, eram submetidos a trabalhos forçados, pois as proteções legais eram frequentemente desobedecidas. A situação na Capitania de São Paulo refletia essa realidade de opressão e exploração. No século XVII, a Coroa portuguesa enviou um funcionário da Justiça para verificar se os indígenas não estavam sendo submetidos a cativeiro ilegal e maus-tratos.

Romana, dentro desse contexto, enfrentou as adversidades impostas pelo colonialismo português, simbolizando a resistência e a luta dos povos indígenas contra a opressão e a exploração.

Válido ressaltar que o caso expõe o genocídio dos povos originários americanos. Em primeiro lugar, mencionamos a escravidão praticada pela colônia através de diversos daqueles que se chamavam jesuítas. Nos termos de José Alves de Souza Junior: “Se o caráter legítimo da escravidão africana e do tráfico negreiro era pacífico para os jesuítas, levando-se em consideração as poucas vozes dissonantes dentro da Ordem, não se pode afirmar a mesma coisa a respeito da escravidão dos índios da América. Não que fossem radicalmente contrários à escravidão indígena, pois não só a admitiam como a praticavam”.

É possível identificar, nesse sentido, o controle biopolítico, ou nítida necropolítica, contra as pessoas das nações originárias. A colônia buscava instituir lógicas genocidas de separação e tratamento desigual de pessoas dos povos originários brasileiros. A exemplo, conforme ensina José Alves de Souza Junior: “Uma análise atenta da legislação indigenista aplicada pela Coroa portuguesa no Brasil colonial permite perceber o tratamento desigual dado por ela aos índios, em função da condição na qual eles estavam inseridos, a de ‘índios aldeados ou amigos’, a quem cabia a proteção da lei, no sentido de impedir sua escravização e obrigar os colonos a utilizá-los como trabalhadores assalariados”.

Logo, compreende-se que a colônia impunha apenas duas alternativas às vítimas do genocídio: a cooperação com o genocídio ou o extermínio. Importa lembrar que a cooperação não significava de fato liberdade, mas sim a convivência vigiada, com o objetivo de manter os povos americanos originários sob controle colonial direto. Ressalta-se: tal mensagem era dirigida às mesmas pessoas, deixando claro a todos os povos vítimas do genocídio colonial que a violência e a morte eram os únicos caminhos possíveis.

Por fim, não se fala apenas da exploração da mão de obra indígena através da escravidão – ou da realidade análoga à escravidão, pensando nas pessoas indígenas assalariadas que vivam suas condições subumanas apresentadas pela realidade social e do pagamento indigno. O alistamento de um dos homens que Romana buscava libertar nas milícias para combate à nação Paiaguá demonstra que a coroa buscava instrumentalizar suas vidas para atingir os propósitos coloniais. Consequentemente, a coroa colocava em risco de morte as vidas de pessoas das diversas nações originárias, compulsoriamente.

A história de Romana expõe a coragem daquela que buscou condições existenciais humanas para si, sua família e seus compatriotas. Similarmente, a resposta da coroa demonstra as lógicas do genocídio perpetrado pela colônia portuguesa contra os povos originários americanos. Em um contexto social brutal, Romana se levantou e conseguiu assegurar condições de vida menos degradantes para aqueles que amava. Resultado disso, foi entregue novamente àquele que a escravizava, a título de pagamento de valor que a coroa considerava que era seu direito receber. Misógina e racista, a justiça real entregava uma mulher brasileira para quitar referido débito. Que a história de Romana nos sirva para refletir sobre o passado recente do território nacional, de forma que avancemos os debates públicos em relação à verdadeira memória nacional. Talvez dessa forma consigamos impactar positivamente a realidade, a despeito dos danos que o genocídio das nações originárias.

Palavras-Chave/TAG: #mulherindígena #escravidão #colonialidade #resistênciacivil

Texto Adaptado do verbete contido no Dicionário Mulheres do Brasil por: Emilson Gomes Junior e Schuma Schumaher.

REFERÊNCIAS

  • Produções acadêmicas:

JUNIOR, José Alves de Souza. A COMPANHIA DE JESUS E A QUESTÃO DA ESCRAVIDÃO DE ÍNDIOS E NEGROS. Revista Histórica, nº 55: São Paulo, 2012. Disponível em: HISTÓRICA – Revista Eletrônica do Arquivo do Estado (arquivoestado.sp.gov.br). Acesso em 23 nov 2022.

MONTEIRO, John M. A escravidão indígena e o problema da identidade etnica em São Paulo colonial. Comunicação apresentada na Reunião da ANPOCS Caxambú, GT “História Indígena e do Indigenismo”: Caxambú, 1989. Disponível em: file (anpocs.com). Acesso em 23 nov 2022.

SCHUMAHER, Schuma; VITAL BRAZIL, Érico. Dicionário Mulheres do Brasil, de 1500 até a atualidade: biográfico e ilustrado. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

  • Sites:

PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Indios livres e índios escravos: os princípios da legislação do período colonial (séculos XVI a XVIII). In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.). História dos índios no Brasil. Companhia das Letras, FAPESP: São Paulo, 1992. Disponível em: Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do período colonial (séculos XVI a XVIII) (wdfiles.com). Acesso em 22 nov 2022.

Categoria: Biografias - Comentários: Comentários desativados em Romana (séc. XVII)